A intimidade que Sílvio Santos estabeleceu com todo o Brasil (gente de todas as idades e classes sociais) fez do País, no sábado, dia 17 de agosto, um imenso velório. Os brasileiros lamentaram sua partida como a de um ente querido, um parente próximo.
Sílvio é coisa nossa, diria ele mesmo, em um de seus famosos bordões, usado para apresentar convidados que levava para dentro dos lares brasileiros, nas tardes e noites de domingos, ao longo das últimas seis décadas. Com 12 horas de duração, o incansável Programa Silvio Santos consagrou sua capacidade de se comunicar — e de fazer bons negócios.
Como hábil vendedor que era, em suas atrações no SBT, Sílvio não fazia pregação religiosa para se alcançar riqueza e a felicidade. Esses dois desejos pareciam mais fáceis e próximos de uma outra forma: bastava pagar em dia o talão do Baú da Felicidade. Ter uma casa repleta eletrodomésticos e brinquedos, uma reserva na poupança e um carro na garagem nunca pareceu tão fácil.
E o Brasil amava comprar as coisas do Baú de Sílvio Santos. Sem contar que os clientes poderiam ter a chance de uma alegria ainda maior: ir para a televisão, chegar perto dele.
Por tudo isso, a morte de Silvio, aos 93 anos, na madrugada deste sábado, dia 17, vítima de uma broncopneumonia, para muitos, é um choque. Apesar de seu afastamento da televisão e das notícias sobre sua saúde fragilizada, ele parecia imortal. Foram mais de 60 anos, como um integrante da família brasileira.
O grande trunfo de Sílvio foi se voltar totalmente às mulheres. Das adolescentes às idosas. Estas, tão alijadas da vida social, enchiam seu auditório, por convite seu.
Ele foi o primeiro comunicador de massa brasileiro a focar quase que exclusivamente nelas, a perceber que nas mulheres, com seu largo sorriso e charme de comunicador e homem bonito, estava o segredo do sucesso de seus programas.
Quantas não se apaixonaram por ele? Quantas mães e avós não viram nele o genro dos sonhos?
As "colegas de trabalho"
As donas de casa eram senhoras absolutas de seus lares, elas manteriam a sintonia da televisão no apresentador. Sílvio, ao que parece, teve essa percepção. “Agora é hora de alegria, vamos sorrir e cantar, do mundo não se leva nada, vamos sorrir e cantar”, dizia a música que colocava seu programa no ar. Seus famosos auditórios eram 100% femininos. Ele as chamava de “minhas queridas colegas de trabalho” e, quando dizia isso, recebia longos e sonoros aplausos.
Sílvio fazia uma simples dona de casa se sentir importante, valorizada, respeitada e amada. Era amado pelas mulheres. Elas existiam para ele. Criou até um programa para namoros, de enorme sucesso durante décadas. Todas queriam vê-lo, organizavam caravanas, compravam seu Baú da Felicidade como passaporte para receber sua atenção. Dois minutos bastavam para juras de amor eterno — ou seja, audiência para sempre.
Instintivo, sem ter tido oportunidade de estudar, Silvio foi, certamente, o maior comunicador do Brasil. E ninguém lhe tirará este panteão. Viveu de se comunicar. Comunicou para viver como fazem os melhores vendedores de sonhos. Construiu um império de comunicação pela capacidade de driblar os desafios e as diversidades. E nunca mais os domingos serão os mesmos sem ele, mesmo para aqueles que nunca sintonizavam em seu programa.
Embora tivesse um nome artístico tão simples e popular, o nome verdadeiro de Silvio Santos era Senor Abravanel. Carioca do bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro, ele nasceu em 12 de dezembro de 1930 e foi o primeiro de seis filhos de um casal de imigrantes judeus turcos Alberto Abravanel (1897-1976) e Rebeca Caro (1907-1989), que se mudou para o Brasil em 1924.
Em casa, sua mãe o chamava de "Silvio", mas o sobrenome artístico surgiu quando o adolescente se inscreveu no programa de calouros comandado pelo apresentador Jorge Curi — que ficaria famoso como locutor esportivo. Escolheu Silvio Santos por ser mais fácil de memorizar.
Enquanto isso, começou a ajudar nas despesas de casa ao vender na rua capas de plástico para título de eleitor, quando foram convocadas as eleições em 1945, após a queda da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Mas ele via seu futuro no rádio e conseguiu ser aprovado em um teste na Rádio Guanabara. O salário, porém, era bem inferior ao que ganhava como camelô e ele voltou às ruas.
Nas barcas para Niterói
Três anos depois, enquanto prestava serviço militar, aproveitava os domingos para trabalhar na Rádio Mauá como auxiliar no programa de Silveira Lima. A possibilidade de ter mais espaço o levou à Rádio Tupi, do conglomerado Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand. Sua aparência de galã e bela voz permitiram que fizesse algumas figurações em programas para a TV Tupi.
Mas a possibilidade de fazer dinheiro com vendas não o abandonou. Quando usava os serviços das barcas para ir a Niterói se apresentar na Rádio Continental, botou na cabeça que podia dar certo um sistema de música para animar as viagens, comprou uma aparelhagem e criou um serviço que trazia música e propagandas.
O sucesso foi tanto que as barcas passaram a ter um bar e um bingo, onde o consumidor comprava um refrigerante e ganhava uma cartela para concorrer a prêmios como jarras e quadros. O negócio o transformou no principal cliente da Antarctica na venda de refrigerantes e cervejas e em amigo de um dos diretores da empresa.
Uma oportunidade na Rádio Nacional de São Paulo o levou a morar no estado mais industrializado do país. E onde sentia haver oportunidade de negócios ele ia atrás. Assim entrou no ramo editorial, ao criar a revista Brincadeiras para Você.
De olho na indústria do entretenimento, Sílvio montou uma caravana para se apresentar aos sábados e domingos em circos e clubes ao lado de outros artistas. O nome não era dos mais nobres, porém despertava a curiosidade do público: Caravana do Peru que Fala — conta-se que o nome surgiu do apelido dado pelo amigo Manuel de Nóbrega, que fazia brincadeiras com Silvio em seu programa no rádio, deixando-o vermelho.
Em 1958, seu lado galã foi retomado, quando participou de alguns "teledramas" na TV Paulista. Sua ligação com Nóbrega, porém, mudaria os rumos de sua vida. O amigo radialista tinha sociedade com um alemão na empresa Baú da Felicidade, que vendia brinquedos a prazo. O negócio passava por dificuldades financeiras e não conseguia entregar os produtos.
Até que o tal alemão sumiu com o dinheiro do Baú e Nóbrega se viu sem saber como honrar os compromissos. Ele então pediu ajuda a Sílvio, que assumiu a empresa, fez parceria com a Fábrica de Brinquedos Estrela para produção de 40 mil bonecas e virou o jogo. Desde então, o Baú passou a ser base dos programas que Silvio viria a apresentar na televisão.
Ele manteve o sistema de crediário, mas criou lojas em que as pessoas poderiam trocar os carnês quitados por brinquedos ou eletrodomésticos. Era o pulo do gato, pois dava às donas de casa mais humildes a possibilidade de ter aparelhos de difícil acesso, mas que podiam ser pagos em pequenas parcelas.
O impulso veio do formato de programa de televisão que o consagraria: as brincadeiras e competições de auditório, a maioria “inspirada” em sucessos da televisão americana. Ele também adaptou o formato dos shows, espetáculos e sorteios que fazia no circo. Seu primeiro programa, Vamos Brincar de Forca, estreou em 1960, na TV Paulista, canal 5, à noite, que virou sucesso instantâneo em uma emissora de baixa audiência.
No mesmo mês em que completou 32 anos, em dezembro de 1962, Sílvio lançou Pra Ganhar É Só Rodar, com uma de suas marcas registradas, a roleta. Em 1963, na mesma Paulista, entrou no ar o Programa Silvio Santos e a televisão no Brasil nunca mais foi a mesma.
Na Globo
E se o sonho de todo brasileiro era ter sua própria residência, criou o Festival da Casa Própria, na TV Tupi, em 1965. No ano seguinte, a TV Paulista virou TV Globo São Paulo, e Silvio assinou um contrato de cinco anos com os novos proprietários. Com empurrão das novelas, derrubou do primeiro lugar aos domingos o programa Jovem Guarda, de Roberto Carlos, na Record.
Com o sucesso na televisão, cresciam seus negócios e ele acumulava riqueza. A TV impulsionava tudo com sorteios de carros, móveis e eletrodomésticos, o que motivou a expansão dos negócios através da loja de móveis Tamakavy e a concessionária de veículos Vimave.
A Globo viu nele a joia para ganhar audiência também no Rio de Janeiro. Mas seu estilo era bastante criticado por fazer de shows e brincadeiras apenas um meio de faturar sem que o público se desse conta.
Tanto que, no começo dos anos de 1970, a emissora de Roberto Marinho concluiu que o programa de Silvio destoava da grade de programação, que fugia ao "padrão Globo", depois que a rede passou por uma reformulação e passou a investir em filmes, esporte, jornalismo e novelas.
Mesmo assim, em meio ao impasse de sua saída, o próprio Marinho interveio e o convenceu a ficar, ao renovar seu contrato por mais quatro anos. Em 1974, ele deu um novo passo, ao inaugurar a Studios Silvio Santos Cinema e Televisão Ltda, que passou a ser a base da produção de seus programas, além da produção de comerciais de TV e coberturas jornalísticas.
Seu propósito maior nesse momento, era ter seu próprio canal e ele o conseguiu em 1976, quando o presidente Ernesto Geisel assinou a concessão para ele do canal 11, do Rio de Janeiro. O que ele fez para colocar a TVS no ar, em tão pouco tempo, daria um livro de centenas de páginas. No ano seguinte, produziu sua primeira telenovela, O Espantalho, exibida na TVS e na Record.
A sorte bateu em sua porta mais uma vez com o fechamento total da TV Tupi, em 16 de julho de 1980. As emissoras independentes de outros estados que até então exibiam a Tupi – e seu programa dominical –, migraram para a TVS. Enquanto isso, o governo federal abriu licitação para os canais cassados da Tupi e as emissoras que estavam desativadas, como o canal 9 de São Paulo, da Excelsior, e o canal 9 do Rio, da Continental.
Além de Sílvio, os grupos Manchete, da famosa revista semanal, e Abril, da revista Veja, entraram na briga pelas concessões. A rede de rádios do empresário Paulo Abreu correu em paralelo. Teria de ser um embate político, junto ao governo militar. Uma pesquisa do Ibope a pedido da apresentador sobre quais grupos o governo deveria entregar as concessões apontou seu nome como o favorito do público.
Com a ajuda da primeira-dama Dulce Figueiredo, com quem tinha longas conversas por telefone, Silvio foi um dos vencedores da concorrência pública do governo federal. A outra vencedora, o Grupo Bloch, formou a Rede Manchete. Silvio levou o canal 4 de São Paulo, a antiga Tupi.
Ele tinha pouco tempo para lançar o Sistema Brasileiro de Televisão, SBT. Na correria, reaproveitou ex-funcionários do antigo canal paulistano e fez a transmissão a partir da torre da Record com transmissores importados da RCA norte-americana. Não alugou os equipamentos da Tupi porque foi alertado por advogados que poderia ser considerado o sucessor e herdeiro das dívidas da emissora cassada.
No dia 19 de agosto de 1981, às 9h30, entrava no ar a TVS São Paulo que, junto com a TVS Rio de Janeiro, formavam as duas primeiras emissoras do SBT. A primeira transmissão foi a assinatura do contrato de concessão. Depois, foram exibidos os programas O Povo na TV, Bozo e desenhos de Tom & Jerry, Pica-Pau e Pernalonga.
Amigo do poder
Seu sonhado canal de TV foi conseguido porque Silvio sabia ser amigo do poder, vendia simpatia sem promessa de nada em troca. Desde sempre, arrumou a casa e estendeu o tapete para conseguir o que queria, com o quadro A semana do presidente. Todo domingo, dedicava de cinco a dez minutos para fazer propaganda do governante do momento.
Não importava a popularidade de quem comandava o País. Foi assim que dobrou o presidente João Figueiredo, de rejeição altíssima, que lhe deu a concessão do SBT com a falência da TV Tupi. Não foi diferente com Fernando Collor, que também tinha seu espaço, enquanto passeatas pediam seu impeachment, em 1992.
Quando o primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva começou, em 2003, ele também ganhou sua semana. Silvio agradava o poder discretamente, sem bajulação e sem conceder espaço para discurso ideológico. Limitava-se a mostrar viagens, realizações de obras ou decisões importantes para o País. Até disso tinha habilidade para não ferir sensibilidades.
Além do SBT, o Grupo Silvio Santos é um conglomerado com cerca de 30 empresas — de licenciadora de marcas a hotel, de emissora de títulos de capitalização a marca de cosméticos. O apresentador deixa uma fortuna avaliada em R$ 1,6 bilhão, conforme a revista Forbes.
Sua riqueza, porém, já fora maior. Em 2013, estava avaliada R$ 2,67 bilhões. Três anos antes, veio à tona um rombo de R$ 4 bilhões, no banco PanAmericano, um de seus maiores patrimônios. O desfalque era resultado de fraudes cometidas, desde 2006. A instituição financeira foi então vendida para o BTG Pactual em 2011.
Quatro anos depois, ao prestar depoimento à Justiça Federal sobre a fraude, Silvio disse que não entendia nada de banco: seu negócio era animar auditório
Gravado em setembro de 2022, o último programa no qual ele apareceu foi ao ar em fevereiro do ano seguinte. No comando da atração dominical, Patrícia Abravanel, sua filha número 4 e herdeira artística, quis saber o motivo do afastamento do pai. “Preguiça de gravar”, ele respondeu. O apresentador deixou a televisão sem qualquer despedida.
Silvio foi sepultado no Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo, na manhã de domingo, dia 18. Reservada à família e alguns poucos amigos, a cerimônia durou cerca de 40 minutos — rápida, como ele queria.