O geógrafo, especialista em relações internacionais e escritor inglês Tim Marshall, de 62 anos, encontrou uma nova forma de analisar a geopolítica planetária. Depois de ter feito coberturas como repórter da Sky News nas guerras nos Bálcãs e no Oriente Médio entre os anos 1990 e 2000, ele se estabeleceu como comentarista e geógrafo.

Nos últimos sete anos, tem lançado livros que demonstram que a localização no planeta é o fator determinante para o destino dos países e dos povos – e não há muito o que fazer do que se adaptar ao espaço geográfico. O seu mais recente livro tenta entender por que os muros e barreiras de todos os tipos estão se proliferando ao redor do mundo

Em “A era dos muros”, agora lançado em edição atualizada pelo selo Zahar, Marshall mostra que um terço dos estados-nações do mundo, 69 países, tem se dedicado a erguer barreiras em torno de seus limites. “Estamos construindo muros em toda parte”, diz Marshall “É um fenômeno mundial, no qual o cimento foi misturado e o concreto assentado sem que a maioria de nós nem sequer notasse.”

São milhares de quilômetros construídos somente no século XXI. Metade dos muros que foram erguidos desde a Segunda Mundial surgiram entre 2000 e hoje. Isso compensou a destruição das barreiras derrubadas depois da queda do muro de Berlim, em 1989.

O mundo antigo testemunhou prodígios arquitetônicos como a Muralha da China. Ela tem hoje 21 mil quilômetros de extensão e começou a ser construída pelo império chinês no século VII a.C. para dividir a civilização da barbárie – as terras cultivadas das estepes percorridas pelos mongóis.

Ao longo do tempo, a etnia han, dominante na China, garantiu sua segurança não só externa como internamente. A muralha lançou braços rumo ao interior do território e assim dividiu os hans de minorias perigosas. O regime comunista, a partir de 1949, tratou de construir mais trechos, e assim se defender dos inimigos

A muralha virou atração turística, mas continua cumprindo a função de defesa. Com a tecnologia, a China ergueu outra muralha, a eletrônica. A chamada Great Firewall impede que a informação circule fora da China. “Hoje a internet chinesa é ela própria uma barreira contra o mundo”, afirma Marshall. “Com ela, o controle de inimigos internos, como a etnia uigur de Xinjiang, tem sido monitorado com eficiência.”

Atualmente, proliferam construções monumentais e assustadoras. Uma das mais hostis, para Marshall, é o muro entre Israel e Cisjordânia. Ele foi construído em 2004 por Israel, para impedir o avanço árabe. Hoje, conta com 763 quilômetros de extensão. “Diante dessa vastidão inexpressiva de aço e concreto, você se sente diminuído não apenas pelo tamanho mas também pelo que ela representa”, escreve. “Você está num lado; eles estão no outro.”

O livro "A era dos muros"

Há outras barreiras semelhantes no Oriente Médio, como as centenas de quilômetros da Faixa de Gaza nas fronteiras com Israel e Egito, os 700 quilômetros do muro entre Turquia e Síria e, da mesma extensão, entre Arábia Saudita e Iraque.

A Europa também está pontilhada de obstáculos entre Grécia e Macedônia, Macedônia e Sérvia, Sérvia e Hungria e Suécia e Dinamarca. “Dentro de alguns anos, é possível que, só na Europa, haja mais quilômetros de muros, cercas e barreiras do que havia no auge da Guerra Fria”, prevê Marshall.

Desde 1838, muito antes do projeto polêmico do ex-presidente americano Donald Trump, existem cercas de arame farpado, muros e construções de vigilância na fronteira dos Estados Unidos e México. Hoje, essas estruturas de cimento e metal abrangem mil quilômetros de extensão.

Segundo Marshall, contrariamente à profecia feita em 2007 pelo jornalista Thomas L. Friedman no livro “O mundo é plano”, a globalização não uniu, mas ajudou a separar os povos. “As fronteiras físicas foram potencializadas pelas muralhas digitais.”

Ainda vai levar muito tempo para o planeta Terra abrir suas fronteiras – se é que um dia isso vai acontecer. Afinal, os muros também cumprem uma função necessária. Marshall cita o seguinte provérbio: “Boas cercas fazem bons vizinhos”. Para ele, não se trata de um dito banal.

“O ditado afirma uma verdade inevitável sobre fronteiras tanto físicas quanto psicológicas”, diz Marshall. “Fazemos planos para um futuro em que esperamos o melhor e tememos o pior. Porque tememos, construímos muros.”