Fundado em Londres em 1967, o escritório de Norman Foster pode, sem exagero, ser considerado uma multinacional. Com filiais em nove países – só na China há quatro endereços, enquanto os Estados Unidos somam três –, já ergueu projetos de todos os tipos em 45 nações do globo.
Isso inclui o Brasil: Foster assina, no Rio de Janeiro, o AQWA Corporate, empreendimento de luxo para escritórios situado no coração da área de requalificação da zona portuária, o Porto Maravilha. Até 7 de agosto, um recorte dessa monumental produção do Foster+Partners nas últimas décadas está na Gallery 1, espaço expositivo nobre do Centro Pompidou, em Paris.
O museu francês entende o design e a arquitetura como parte da arte moderna, foco de seu acervo de 120 mil obras. Até porque são disciplinas intrinsicamente relacionadas a seu próprio edifício, um gigante de aço e vidro. Inaugurado em 1977, o prédio deixa aparente sua infraestrutura tecnológica, inovação sugerida pela dupla de autores, o italiano Renzo Piano e Richard Rogers (1933-2021), conterrâneo de Foster e seu sócio de primeira hora no início dos anos 1960.
O Pompidou exemplifica a chamada arquitetura high-tech, que tem Foster como maior expoente. Depois de concluir a graduação na Universidade de Manchester, ele complementou sua formação em Yale, nos EUA. Lá, pediu permissão ao diretor para trabalhar em conjunto com um engenheiro no desenho de um edifício.
“A ideia de engajar-se criativamente com um engenheiro, em vez de bancar o maestro do projeto, era uma heresia”, relembra ele em entrevista publicada no catálogo da mostra.
Essa atitude colaborativa com o profissional de engenharia – algo que Oscar Niemeyer também pregava – foi o que viabilizou a linguagem ultratecnológica de suas propostas.
“Uma estrutura pode ser desenhada de modo que acomode, nos vazios, os equipamentos necessários para o funcionamento do lugar. Isso vai contra um modo tradicional de pensar, em que se concebe primeiro a estrutura para depois esconder, abaixo dela, toda a tubulação. Creio que nossa abordagem produz edificações que performam melhor tecnicamente e são mais alegres”, reflete.
Exemplo dessa filosofia está na primeira grande realização internacional do Foster+Partners: a sede do HSBC, em Hong Kong. Finalizada em 1988, a empreitada provavelmente salvou o escritório da falência naquela época, conforme o arquiteto comentou posteriormente.
Essa tal sustentabilidade
Muito antes de o conceito de sustentabilidade ser formulado e aplicado na área, Foster já se debatia com questões como eficiência energética e consumo racional de recursos.
Grande admirador do colega americano Richard Buckminster Fuller (1895-1983), com quem chegou a trabalhar, aprendeu com ele a explorar as formas mais eficientes para fechar o máximo de espaço usando o mínimo de material. Fuller é o criador da estrutura conhecida como domo geodésico, tipo de armação leve, resistente e econômica.
Não é à toa que a cúpula e a cobertura de vidro aparecem em dois dos mais emblemáticos projetos de Norman Foster: o domo do Reichstag, em Berlim, e o teto do pátio do British Museum, em Londres.
No primeiro, uma dupla espiral espelhada compõe as rampas de subida e descida para o terraço do Parlamento – percursos altamente cênicos, durante os quais as pessoas realmente interagem com a arquitetura. No segundo, a proteção translúcida dá origem a uma praça coberta, ponto de descanso e contemplação para os visitantes.
Em ambos, verifica-se outra máxima fosteriana: “Tecnologia é um meio para fins sociais. Para levantar o astral e proteger-nos das intempéries. Não é só sobre conforto... também tem a ver com deleite.”
Seis décadas de atuação
O mesmo deleite norteia o design da exposição, também assinado pelo veterano. O conteúdo se organiza em oito núcleos. A Galeria de Desenhos exibe croquis e esboços, muitos deles realizados espontaneamente nos cadernos A4 que Foster carrega a tiracolo desde 1975.
Natureza e Urbanidade reúne propostas que inserem o verde em áreas urbanas, como o Apple Park, em Cupertino (EUA). Pele e Ossos traz edificações em que a ênfase recai sobre o material de fechamento ou sobre a armação da estrutura, caso da sede do HSBC em Hong Kong.
Cidade Vertical mostra concepções inovadoras de edifícios, como a sede do grupo Hearst, em Nova York. História e Tradição aborda a relação das novas construções com o patrimônio histórico, como faz o museu Carré d’Art em Nîmes (França). Planejamento e Espaços apresenta masterplans e intervenções urbanas, a exemplo da Trafalgar Square, em Londres.
Redes e Mobilidade se concentra na infraestrutura necessária para deslocamentos de pessoas – de aeroportos a pontes, como a Millenium Bridge, em Londres. Por fim, Futuros investiga os projetos além dos limites da Terra, com as habitações desenvolvidas com a NASA e a Agência Espacial Europeia para a Lua e Marte.
O futuro, aliás, não parece assustar Foster, ao menos no que diz respeito à longevidade de suas ideias. Impressiona a quantidade de projetos em andamento – a inauguração mais distante, prevista para 2039, é a cidade planejada de South Sabah Al-Ahmad, no Kuwait, para a qual Foster concebeu o masterplan.
Em termos de negócios, a continuidade está assegurada desde que o titular vendeu, em 2021, a maior parte das ações de sua empresa aos investidores canadenses da Hennick&Co. A segunda maior fatia de ações segue em poder da família Foster. Depois vêm os cerca de 180 sócios atuantes no escritório.
A informação consta do último relatório de sustentabilidade do Foster+Partners, divulgado em 2022. Realizada anualmente desde 2018, a publicação reúne as práticas ESG do escritório, que busca ser coerente com os princípios pregados em seus projetos.
Caso a sucessão desenhada por Foster dê certo, seus herdeiros criativos viverão para relatar se a humanidade acordou a tempo para o óbvio: “A árvore é a metáfora de um edifício ideal. Ela respira e responde às mudanças sazonais. Sua estrutura está em harmonia com a natureza. Ela é um sistema autossuficiente, que recolhe água e energia solar, além de absorver CO2”, fala o mestre.
“Esses princípios aplicados na arquitetura remontam aos anos 1960. Na última década, comprovou-se cientificamente que eles criam ambientes mais saudáveis e até mesmo capazes de melhorar nosso desempenho nas atividades. O que é bom para nosso espírito também é bom para o meio ambiente.”