Do astro que encarnou Batman, um dos heróis mais cobiçados do cinema, ao ator que perdeu a voz, após câncer de garganta, e hoje se contenta em dar autógrafos em convenções. Essa é a trajetória de Val Kilmer, resgatada em documentário pelo próprio ator, que sempre teve fama de difícil, inconstante e incompreendido em Hollywood.
Exibido na recente 74ª edição do Festival de Cannes, “Val” acaba de chegar ao catálogo da Amazon Prime Video, trazendo imagens registradas pelo ator em seus 40 anos de carreira. São vídeos caseiros com cenas de bastidores de sucessos como “The Doors” (1991) e fracassos como “A Ilha do Dr. Moreau” (1996).
Por ter documentado ele mesmo a sua vida, levando sempre uma câmera embaixo do braço, Kilmer faz um sincero balanço da carreira, marcada por altos e baixos. As imagens de arquivo inéditas são intercaladas por sequências atuais, que mostram o ator com dificuldades para falar.
Aos 61 anos, ele tenta se expressar pelo orifício artificial criado pela cirurgia de traqueostomia, realizada em 2015. “Agora quero contar a minha história mais do que nunca”, diz Kilmer, no documentário que ele mesmo produziu e roteirizou. A narração é feita pelo filho do ator, Jack Kilmer, e a direção foi entregue à dupla Leo Scott e Ting Poo.
Os vídeos caseiros já começam com momentos capturados pelo pai do ator, mostrando Kilmer ainda garoto. Mais tarde, ele mesmo registra a sua passagem pela lendária escola Juilliard de Nova York, onde ficou conhecido como o aluno mais jovem a ser aceito pelo Departamento de Teatro, aos 17 anos – o que anunciava um futuro promissor.
Há também gravações-teste que Kilmer fez no início de carreira, para tentar papéis que não conseguiu. Como no filme de Stanley Kubrick “Nascido Para Matar” (1987) e no filme de Martin Scorsese “Os Bons Companheiros” (1990).
Por mais que o ator almejasse trabalhos “mais sérios”, fica claro que sua carreira não se desenrolou como Kilmer queria, contribuindo com a imagem de “incompreendido”, que ele mesmo vende. Seu primeiro sucesso veio com “Top Gun: Ases Indomáveis” (1986), que o ator quase recusou por considerar o roteiro “bobo”.
A produção de fantasia “Willow: Na Terra da Magia” (1988) também não era o tipo de filme que ele sonhava fazer. Mas Kilmer destaca que aqui ele contracenou com a atriz Joanne Whalley, com quem se casou mais tarde e teve dois filhos (Mercedes, de 29 anos, e Jack, de 26 anos).
O ator teve a chance de mostrar uma interpretação mais apurada em “The Doors”, ao assumir o papel do roqueiro Jim Morrison, que tinha fama de rebelde e problemático.
E Kilmer não ficava atrás, o que possivelmente também contribuiu para uma carreira tão irregular. Ele chegou a ser acusado pela atriz Caitlin O’Heaney de ter batido em seu rosto e a derrubado no chão durante o teste dela para “The Doors”.
O próprio Kilmer incluiu no documentário imagens de um desentendimento que teve com o diretor John Frankenheimer enquanto rodava “A Ilha do Dr. Moreau”. O cineasta queria que o ator parasse de filmar o set com a câmera pessoal, enquanto Kilmer alegou fazer aquilo por estar abalado emocionalmente com os problemas nas filmagens.
A chance de Kilmer trabalhar aqui com um ícone como Marlon Brando virou um pesadelo. Houve uma antipatia entre os dois, o que Kilmer atribuiu ao fato de Brando muitas vezes se trancar no trailer, com ar-condicionado, fazendo toda a equipe esperar horas por ele, no calor da Austrália.
Por outro lado, Kilmer também acabou descontando toda a sua frustração na equipe, arrumando brigas constantes. “Recebi os papéis do meu divórcio no set”, recorda o ator no documentário, ao tentar justificar o comportamento.
Até um dos melhores momentos de sua trajetória, quando Kilmer foi convidado para viver o Homem-Morcego em “Batman Eternamente” (1995), é revisitado com certo amargor. Ele admite que desde criança sonhava viver o herói nas telas, um papel que lhe garantiu um cachê de US$ 7 milhões, um valor muito alto na época.
“Pelo padrão de Hollywood, Batman é o papel definitivo”, diz Kilmer no filme, lembrando ter dito “sim” antes mesmo de ler o roteiro. “Mas o meu sonho de menino foi esmagado pela realidade do figurino. Nele, eu não conseguia me mover ou ouvir, fazendo com que as pessoas parassem de falar comigo. Foi frustrante. Percebi que a minha função era apenas aparecer no set e ficar parado no lugar que mandavam.”
Foi por isso, além do fato de Tommy Lee Jones e Jim Carrey terem roubado a cena como vilões, que Kilmer recusou reprisar o papel em “Batman & Robin” (1997), passando o bastão a George Clooney.
No lugar do Homem-Morcego, Kilmer preferiu interpretar Simon Templar, o ladrão de aluguel de “O Santo” (1997), o que foi um erro. Desde então, as oportunidades que teve nunca mais foram as mesmas de um ator da lista A da indústria. Foram poucos os filmes que agradaram, como a comédia de humor negro “Beijos e Tiros” (2005).
Ainda assim, Kilmer diz não ter arrependimentos, mesmo que o ator passe hoje boa parte de tempo viajando pelos EUA para se encontrar com fãs – muitas vezes em convenções. Até porque a traqueostomia não permite que ele atue novamente, limitando-o a pequenas participações. Como a que ele fez para o ainda inédito “Top Gun: Maverick”, que estreia em novembro.
“Para muitos atores, a pior coisa que pode acontecer é você acabar falando de seus filmes antigos e vendendo fotografias para fãs” conta Kilmer, admitindo que ganha a vida atualmente “vendendo o antigo eu”. “Só que acabo me sentindo mais agradecido do que humilhado”, garante ele.