Na história do capitalismo americano, é possível contar nos dedos quantos CEOs transformaram uma empresa tão profundamente como Jack Welch (1935- 2020) fez com a General Electric. Durante os 20 anos que ficou à frente da GE, Welch virou o queridinho de Wall Street.

Ele atingiu ou superou as estimativas de crescimento por 80 trimestres consecutivos, encheu os bolsos dos investidores e fez a fabricante de lâmpadas e eletrodomésticos dos anos 1980 diversificar seus produtos e se tornar a companhia mais valiosa dos anos 2000.

“É difícil argumentar com um CEO que aumenta o valor de mercado da empresa de US$ 12 bilhões para US$ 600 bilhões”, diz William Cohan, autor do livro recém-lançado Power Failure: the rise and fall of General Electric (ainda sem tradução e previsão de lançamento no Brasil), em entrevista exclusiva ao NeoFeed.

Autor de diversos bestsellers sobre Wall Street, como House of Cards, Why Wall Street Matters e Money and Power, Cohan passou os últimos anos estudando a GE sob o comando de Jack Welch e sua derrocada após a saída do ex-CEO.

O resultado é um livro de 816 páginas que conta uma das histórias de governança corporativa mais eletrizantes das últimas décadas. A obra foi eleita como um dos melhores livros de negócios do ano na lista do Financial Times. “Um dos maiores dramas da história dos negócios é contado com profundidade e talento em uma crônica emocionante”, definiu o jornal britânico.

Para além de ser conhecido como o CEO que fez a GE crescer 4.000% entre 1981 e 2001, Welch era mais notado ainda pelo seu estilo frio e calculista de conduzir o negócio. “Welch era sem dúvida um homem de ação”, afirma Cohan. “Ele demitiu um terço da força de trabalho da GE durante sua primeira década no cargo de CEO.”

William Cohan, autor do livro recém-lançado Power Failure: the rise and fall of General Electric

O pulso firme e impiedoso transformou Welch em uma das personalidades mais controversas de seu tempo. As demissões em massa de dezenas de milhares de pessoas que ele promoveu somado ao seu modus operandi valentão sempre atraíram críticas, mas também admiradores, como o ex-presidente americano Donald Trump e quase todos os C-Level de Manhattan.

A GE foi o único emprego de Welch, que iniciou sua jornada como engenheiro químico em 1960 e se aposentou (compulsoriamente, por idade) como CEO e maior divisor de águas da história da GE, em 2001.

Maior rei e súdito que a GE já teve, Welch se gabava de nunca deixar nada passar batido. O único erro que ele admitiu aos quatro ventos foi a escolha de Jeff Immelt como seu sucessor.

A obra entrou na lista do FT dos melhores livros de negócio do ano

Em 2020, Welch disse ao autor de Power Failure que entregou a Immelt um “royal flush”, a mão mais forte e imbatível do pôquer. Como um mau presságio, a passada de bastão que aconteceu 4 dias antes do dia 11 de setembro não foi bem-sucedida.

Durante os 17 anos de gestão de Immelt, a GE perdeu força e valor de mercado. Hoje, é avaliada em US$ 95 bilhões. “Welch merece parte da culpa. Afinal, ele escolheu Immelt como seu sucessor”, resume Cohan. Confira a entrevista a seguir:

A maior parte do seu livro é dedicada a Jack Welch. Como era a GE antes dele e como a empresa se transformou sob sua direção?
Antes de Welch, a GE já era uma entidade corporativa muito bem-sucedida e conceituada, focada na fabricação de produtos de consumo como geladeiras, lava-louças e lâmpadas, além de motores de jatos e energia elétrica. Na época em que Jack Welch assumiu a GE, em 1981, o valor de mercado da empresa era de US$ 12 bilhões. Quando ele saiu, 20 anos depois, a GE valia cerca de US$ 600 bilhões. Welch expandiu os negócios, principalmente com a GE Capital, e fez da GE a empresa mais valiosa do mundo em meados dos anos 2000.

"Welch expandiu os negócios, principalmente com a GE Capital, e fez da GE a empresa mais valiosa do mundo em meados dos anos 2000"

Que estilo de governança Welch adotou como CEO da GE?
Welch era sem dúvida um homem de ação, decisivo e muito responsável. Mas ele também estava disposto a manter a mente aberta e mudar de rumo se fizesse sentido. Welch estava muito focado nos ganhos da GE e em ganhar o máximo de dinheiro possível. Ele estava convencido de que, se dissesse aos analistas de Wall Street que faria um número de lucros, faria todos os esforços para garantir que a GE alcançasse esse número. Essa foi uma das razões pelas quais Wall Street amava Jack Welch. Ele atingiu ou superou suas estimativas de ganhos em 80 trimestres consecutivos.

Que exemplos práticos demonstram que Welch foi o CEO mais duro que a GE já teve?
Welch demitiu um terço da força de trabalho da GE durante sua primeira década no cargo de CEO. O pulso firme o fez ficar conhecido como ‘neutron Jack’, referência a bomba de nêutrons. Como número 1 da GE, Welch demitiu dezenas de milhares de funcionários. Do dia para a noite ele se livrava com facilidade de pessoas e negócios associados a GE que não iam bem.

"Welch estava muito focado em ganhar o máximo de dinheiro possível. Essa foi uma das razões pelas quais Wall Street o amava. Ele atingiu ou superou suas estimativas de ganhos em 80 trimestres consecutivos"

A personalidade e o excesso de confiança de Welch atrapalharam a gestão da GE?
Eu não acho. Acho que ele inspirou os funcionários e seus principais executivos a superar até mesmo suas expectativas mais ambiciosas. É difícil argumentar com um CEO que aumenta o valor de mercado da empresa de US$ 12 bilhões para US$ 600 bilhões.

Como estava a GE quando Welch passou o cargo de CEO para Jeff Immelt?
Bem, Welch me disse acreditar ter dado a Jeff Immelt um royal flush quando entregou a empresa a ele em 2001, quatro dias antes do 11 de setembro. Mas o mundo mudou dramaticamente quatro dias depois, e Immelt teve que lidar com isso. Immelt estava ansioso para redesenhar a GE à sua imagem.

Welch diz que foi um grande erro escolher Immelt como sucessor. Quem é o maior culpado pelo encolhimento da GE, Welch ou Immelt?
Esse é um tópico que ainda será debatido por algum tempo. Welch entregou a Immelt uma empresa que valia cerca de US$ 600 bilhões. Atualmente a GE vale cerca de US$ 95 bilhões e está prestes a ser dividido em três empresas. Isso é uma perda de valor de 84%. A maior parte do declínio no valor ocorreu durante os 17 anos de Immelt como CEO. Portanto, é difícil não colocar a maior parte da culpa em Immelt. Welch, claro, culpa Immelt. E falando objetivamente, Welch merece parte da culpa. Afinal, ele escolheu Immelt como seu sucessor.

Que lições o legado de Welch deixou para as futuras gerações de CEOs?
A maior coisa que Welch fez foi inspirar a força de trabalho da GE a superá-lo, superar seu peso e, no processo, criar um enorme valor para os acionistas. Ele era muito agressivo e zeloso em fazer números trimestrais. Já seu comportamento pessoal nem sempre foi exemplar e, obviamente, não seria bem aceito hoje em dia. Desde quando se tornou CEO, Welch queria reinventar a GE cortando custos e simplificando ao máximo os negócios da empresa. Esse instinto agressivo de fazer negócios e tomar decisões doa a quem doer brotou das suas entranhas, e era um traço muito pessoal de Welch.

"As formas de governança das empresas mudaram muito desde que Welch era um dos CEOs mais reconhecidos do mundo. Não compararia ele a Elon Musk, mas a CEOs como David Zaslav, da Warner Bros, e Dave Calhoun CEO, da Boeing"

Ainda podemos ver o estilo Welch nos CEOs de hoje em dia? É justo, por exemplo, comparar Welch a Elon Musk, quando falamos da recente demissão em massa no Twitter?
As formas de governança das empresas mudaram muito desde que Welch era um dos CEOs mais reconhecidos do mundo. Não compararia ele a Elon Musk, mas acho que você pode ver um pouco de Welch em CEOs como David Zaslav, da Warner Bros, e Dave Calhoun, CEO da Boeing. Os dois trabalharam na GE e ambos trabalharam com Welch.