Os japoneses continuam apaixonados pela cultura pop ocidental da década de 1960. Em especial, a pop art, o underground, a contracultura e o psicodelismo. Fazem isso, no entanto, a partir de experiências em recriar arte com cores berrantes e imagens delirantes, no melhor sentido do termo, fundidas com sua tradição gráfica milenar – com dragões e samurais, claro.
Tudo isso está presente em sua produção nas últimas décadas e que continua a ser reinventada até hoje, em uma espécie de antropofagia universal que tanto encanta o ocidente, principalmente por meio dos mangás (gibis) e dos animês (desenhos animados).
A exposição inédita e gratuita WAVE - Novas correntes nas artes gráficas japonesas, que está em cartaz na Japan House, na Avenida Paulista, em São Paulo, desde a semana passada – fica até o dia 1º de maio –, representa exatamente isso.
É uma experiência visual que impressiona a partir de ilustrações pensadas originalmente para moda, publicidade, mangás, animês, capas de livros e discos. São 58 trabalhos de 55 ilustradores e artistas gráficos em atividade, vários deles ainda desconhecidos no exterior e outros, mestres consagrados.
A curadoria é dos artistas Kintato Takahashi e Hiro Sugiyama, que também participam da mostra. Os dois partiram do preceito de que a arte gráfica e a ilustração têm uma longa história no Japão e são forças vibrantes na cultura atual do país – e além dele.
Pela definição dos curadores "embora muitos artistas do pós-guerra tenham sido influenciados pela arte e mídia ocidentais, os artistas gráficos e ilustradores de hoje são inspirados por várias fontes diferentes, incluindo pinturas japonesas tradicionais e xilogravuras ukiyo-e, arte popular, fotografia, arquitetura, fantasia e pop art.”
Não importa a forma em que essas criações são apresentadas: a tela de um computador ou de um quadro de pintura, reprodução em impressoras rústicas ou de última geração ou em um diagrama impresso para desenhar quadrinhos.
Mesmo com tantas referências, misturas e combinações, nada disso traz qualquer elemento de saudosismo anacrônico, no entanto. Pelo contrário, mostra a capacidade de contemporaneidade, a partir da renovação temática e gráfica constante que fez o Japão virar referência mundial nessa área e levar grandes marcas americanas, italianas e francesas a contratarem artistas de lá para compor estampas e peças publicitárias de seus produtos.
Revela também uma força intensa em todo o seu conjunto, quando várias obras são agrupadas em um mesmo lugar. Diversas ilustrações e pinturas são apresentadas em telas originais, algumas com medidas de 3 por 5 metros, em imensos painéis.
Os temas variam desde os personagens inspirados no folclore japonês por Ayako Ishiguro (1973), às paisagens de verão brilhantes de Hiroshi Nagai (1947), aos retratos assombrosos de Masaru Shichinohe (1959).
O público pode conhecer originais de nomes consagrados da ilustração publicitária, como Masanori Ushiki (1981), que fez trabalhos para grandes marcas como Rede Bull, Converse, Nike e Nintendo. Seu quadro é a sequência extravagante de cores das garotas de Tóquio, a mesma que usou na capa de um livro com seus trabalhos.
Pode ver também a deslumbrante representação em preto e branco de uma guerreira em transe, no traço de Katsuya Terada (1963), que desenhou quadrinhos do Homem de Ferro para a Marvel Comics e de Hellboy para a DarkHorse.
Uma das telas mais impressionantes tem o irônico título de “A vida é boa”, de 2021, do artista Jenny Kaori (1987). Em linguagem de mangá, uma garota está desmaiada (ou morta?) em meio a um cenário caótico pós-punk, distópico, entre cartões de crédito, cédulas de dinheiro e drogas, além de elementos tecnológicos como smartphone, antidepressivos, anúncios de loja e cosméticos que forjam uma beleza ocidentalizada das jovens japonesas – não por acaso, seu cabelo é laranja.
Embora exista há apenas quatro anos, a WAVE (onda) é considerada uma das mostras mais importantes do Japão, a partir do conceito de reunir artistas promissores com nomes consagrados, alguns celebrados por fundar movimentos artísticos. Como Teruhiko Yumura (1942), Akira Uno (1934) e Keiichi Tanaami (1936). Entre as jovens promessas aparecem Masanori Ushiki (1981) e Mayu Yukishita (1995).
Impressiona, em primeiro lugar, a diversidade de traços e estilos – com influências do mangá clássico infantil de Osamo Tesuka dos anos de 1950 (Astro Boy e A princesa e o cavaleiro) (ao futurismo do animador e mangaká (desenhista de mangás) Katsuhiro Otomo (Akira e Memóries) e da revista americana de ficção científica Heavy Metal, à presença do feminino, com críticas sutis ao machismo.
A mostra vai percorrer as três unidades da Japan House pelo mundo. Passou por Los Angeles, no ano passado, chegou ao Brasil e depois seguirá para Londres. Exclusivamente em São Paulo, conta com recursos de acessibilidade como audiodescrição, libras e elementos táteis desenvolvidos exclusivamente para doze das obras apresentadas.
No caso do Brasil, é preciso destacar que a febre do mangá, assim como na Europa, persiste há mais de vinte anos, com dezenas de títulos publicado todos os meses. Portanto, a exposição deve agradar bastante os jovens leitores desses gibis que desbancaram os super-heróis.
Natasha Geneen, diretora cultural do espaço, explica que a intenção é mostrar a diversidade e a riqueza cultural do povo japonês, ao mesmo tempo em que equilibra a modernidade com o lado histórico dos grandes gravuristas, a proximidade com a linguagem dos mangás e a universalidade da pop art e a exploração das cores fortes que é uma tradição do país.
Segundo ela, tudo isso provoca uma vibração e sensações em vários sentidos no público. Sem dúvida. Impossível não sair bastante impressionado ao final da visita.
Exposição “WAVE - Novas correntes nas artes gráficas japonesas”
Japan House São Paulo: avenida Paulista, 52
De 22 de fevereiro a 1º de maio de 2022
Entrada gratuita
Obrigatoriedade da apresentação do comprovante de vacinação.