Há 25 anos, Tony Soprano chegava à TV para fazer história, ao revelar a humanidade de um mafioso violento que, mesmo capaz de crimes hediondos, tinha uma alma.

Assim, “Família Soprano’’ provou: uma série podia se aprofundar na psique dos personagens, como até então só o cinema fazia. Cada temporada era como um filme extenso, de 13 horas.

Lançada em 10 de janeiro de 1999, “Família Soprano’’ mudou o rumo da TV, até então, conhecida como uma fábrica de “enlatados”. Antes da série criada por David Chase, as produções televisivas eram mais superficiais, com os conflitos e os dilemas dos protagonistas solucionados, na maioria das vezes, em um mesmo episódio.

E para mostrar que uma série podia ser tão complexa e corajosa quanto os melhores filmes, foi escolhido um personagem arriscado, de ética duvidosa, para conduzir a narrativa. Na época, foi difícil para Chase encontrar emissora interessada na vida do mafioso de New Jersey que sofria de ansiedade e depressão.

“Família Soprano” só encontrou espaço na TV por assinatura. Mais precisamente na HBO, que agora comemora o 25º aniversário com conteúdo inédito (cenas deletadas e material de bastidores) e uma conta no TikTok (com resumos de 15 segundos dos episódios), entre outras atividades.

Até sanduíches italianos, os preferidos dos personagens, passaram a ser vendidos no aplicativo Postmates, em Nova York e em Los Angeles.

Interpretado James Gandolfini, morto em 2013, aos 51 anos, vítima de infarto, Tony Soprano conquistou o coração da crítica e do público.

Enquanto abraçava a faceta mais cruel de um chefe do crime organizado, ele vivia crises existenciais e era admirado em seu núcleo, conhecido por cuidar bem dos mais próximos. Essa ambiguidade fez com que o personagem fosse amado e odiado ao mesmo tempo.

Seus conflitos renderam material farto para as seis temporadas e os 86 episódios da série, funcionando como uma crônica realista da máfia moderna.

O ator James Gandolfini (na cabeceira) deu vida a um mafioso cruel e atormentado por crises existenciais (Foto: HBO)

Sem medo de desconcertar a plateia (algo mais comum no cinema até então), “Família Soprano” mergulhou nas complexidades de um homem que herdou um legado de crime, tratando de cumprir seu dever com a maior dignidade possível – por mais estranho que isso possa parecer.

A partir daí, da luta de Soprano com os seus demônios internos, o roteiro passou a se aprofundar não só no desenvolvimento psicológico do protagonista como no dos outros personagens. E a trama central começou a se expandir, com subtramas.

O conceito de narrativa mais longa foi aplicado muito bem aqui, com a história ganhando mais camadas e desdobramentos, completando e enriquecendo o enredo principal.

A ideia de um tema maior explorado ao longo de uma temporada inteira, com episódios que dialogam entre si, mudou o rumo das séries.

E a sua influência é sentida até hoje no conteúdo para TV e também para streaming, com as séries sempre introduzindo novos elementos e buscando um enredo cada vez mais intrigante para engajar o espectador.

Com um roteiro de mais qualidade, como o de “Família Soprano”, logo o orçamento das produções subiu e as técnicas passaram por uma sofisticação, com tomadas e movimentações de câmeras de cinema.

A atriz Edie Falco interpretou Carmela Soprano, esposa do chefe da máfia de New Jersey (Foto: HBO)

E essas mudanças acabaram encorajando um número cada vez maior de atores, incluindo os mais renomados, a aceitarem convites de TV.

O veículo passou a desfrutar de um prestígio inédito, e os índices de audiência confirmaram o fenômeno. Depois da estreia, vista por mais de 3 milhões de pessoas nos Estados Unidos, a série alcançou picos de mais 13 milhões de telespectadores ao longo de sua trajetória, o que representou um recorde para a HBO. E das 111 indicações ao Emmy (o Oscar da TV), a produção ainda conquistou 21 estatuetas.

Talvez o único problema da série, quando vista (ou revista) hoje, é o fato de “Família Soprano” ter ficado datada, ainda que seja apenas no âmbito tecnológico. Por mais que não se possa culpar a produção, é engraçado acompanhar a troca de mensagens comprometedoras por orelhões e telefones fixos, que são parte intrínseca do universo da máfia aqui, apesar de os celulares (em modelos ultrapassados hoje) já existirem.

Há ainda a cena em que Tony Soprano, todo orgulhoso, presenteia a mãe, Livia (Nancy Marchand), com um CD player, apresentando-o como um dispositivo eletrônico de última geração. O espectador de hoje, sobretudo o mais jovem, talvez até se identifique com a mãe, quando ela pergunta: “Para que isso?”.