REGUENGOS - Pouco antes da entrada para o centro urbano de Reguengos, no Alentejo, uma empresa de grandes proporções chama atenção ao lado da estrada. É a Carmim – Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz, a maior do Alentejo e uma das maiores de Portugal, que produz vinhos brancos, tintos, espumantes, late harvest, aguardentes e azeites.
Esse complexo agroindustrial de 80 mil m², com tecnologia de ponta, tem sido uma espécie de projeto piloto de práticas agroecológicas que hoje colocam a região na vanguarda da sustentabilidade dos vinhos em Portugal.
Ao mostrar a área de recepção das uvas, que foram colhidas de forma manual horas antes, o enólogo Rui Veladas explica ao NeoFeed como funciona a economia circular praticada ali. Tudo o que não se aproveita, especialmente os galhos que sustentam as uvas nos cachos, entra numa máquina trituradora e vira fertilizante.
“O que antigamente era um problema, se tornou uma solução. Era uma dificuldade descartar esses resíduos, que iam para aterros sanitários e tinham outros custos além do transporte”, diz.
Na Carmim, a colheita noturna é feita por máquinas. No total, a empresa tem capacidade para receber 1,5 milhão de quilos de uva por dia, de engarrafar 20 mil garrafas por hora e de armazenar até 33 milhões de litros. A cooperativa foi fundada há mais de 50 anos (em 1971) por um grupo de 60 viticultores da região que buscava uma conjunção de esforços para produzir e comercializar vinhos.
Atualmente, são 800 associados que, somados, possuem mais de 3 mil hectares de vinha. Os vinhos variam dos mais simples, de 3 euros, aos mais elaborados, de 25 euros, importados pela Casa Flora e que chegam ao consumidor brasileiro entre R$ 49,94 (Olaria) e R$435,71 (Reguengos Garrafeira dos Sócios). O Brasil está em primeiro lugar entre os países importadores e absorve 25% da produção da Carmim.
“Temos um negócio pós-moderno: somos uma agroindústria sem terras, dominamos a capacidade de fazer vinho sem ter vinhas”, diz ao NeoFeed o diretor-geral João Caldeira. E conta que há uma razão histórica para isso, por se tratar de uma região de pequenos produtores sem grande capacidade para comercializar e gerar força econômica individualmente.
“Nós recebemos as uvas, transformamos, produzimos vinhos, engarrafamos, criamos marcas e comercializamos. Além disso promovemos educação na área de enologia. Daqui saíram gerações de enólogos que contribuíram muito para o desenvolvimento da Carmim e depois se tornaram famosos com sua própria marca, como Paulo Laureano”.
Caldeira lembra que no início havia muito pouco saber, tudo era mais ou menos empírico. “Havia pouco estudo em laboratório, poucas análises. Antigamente se dizia que fazer vinho era uma arte. Hoje é uma ciência, que vai do timing da vindima ao momento final do processo”.
"As incertezas climáticas são um dos fatores que têm prejudicado a produção, já que há alterações constantes e é impossível prever a quantidade que será obtida na colheita. Cada ano é diferente", diz Miguel Feijão, presidente da Carmim. O Alentejo representa 18% da produção vitivinícola e 8% das exportações de vinhos de Portugal. No ano passado o país exportou 925 milhões de euros em vinhos.
“No ano passado produzimos 15 milhões de litros. Neste ano, serão só 10 milhões. Como gerir? Todos os avanços que fizemos no sentido da sustentabilidade nunca vão poder anular todos os males que o homem produziu até agora. Para nós, no Alentejo, cada verão é pior do que os anteriores (a temperatura chega facilmente aos 40 graus), daí a necessidade de fazer algo no sentido de ser cada vez menos agressivo ao ambiente.”
Não só a Carmim mas várias outras vinícolas fazem parte do plano de sustentabilidade criado pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) que, em colaboração com a Universidade de Évora, desenvolveu o Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo. Pioneiro em Portugal, o programa lançado em 2015, é visto como vanguardista e está servindo como modelo para outras regiões do país.
“Trata-se de uma transformação cada vez mais necessária, que vai determinar o futuro da exportação de vinhos portugueses”, diz João Barroso, coordenador do programa. “Muitos mercados como o dos países escandinavos e do Canadá já pedem este tipo de certificação que temos. É uma tendência e um caminho sem volta, portanto, quem está na frente tem uma vantagem competitiva, já que 40% da produção do Alentejo é exportada”.
O Alentejo representa 18% da produção vitivinícola de Portugal e responde por 40% vinhos certificados (DOC) do país. No ano passado o país exportou 925 milhões de euros em vinhos.
O programa entende a sustentabilidade de forma holística. Dos tratos sustentáveis na vinha ao bem estar social de quem produz as uvas. Da inserção das famílias na região ao descarte de resíduos. E inclui a economia de água e de energia, o que é particularmente importante diante de ocorrências fora do previsto, como a atual guerra na Ucrânia, que tem imposto racionamento energético à Europa.
As boas práticas agrícolas fazem parte do estímulo feito aos vinicultores. O programa já tem a adesão de 100 vinícolas e de 500 produtores de uvas. O que representa mais de 53% da área de vinha e 80% do volume de vinho produzido da região, que conta com 220 vinícolas e cerca de 1.800 viticultores.
“O programa é gratuito e facilita operações que contribuem para a poupança de recursos financeiros e para a economia de matérias-primas. Acima de tudo, quem leva vantagem são os produtores”, diz Barroso. Para entrar na onda é preciso apenas perceber que o mundo mudou e mudar junto.