São 210 mil quilômetros quadrados; ora alagados, ora secos. Entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, o Pantanal é o menor bioma brasileiro, mas a maior planície úmida do mundo — o que torna seus ecossistemas vitais para todo o planeta. Por causa da exploração intensiva e do recrudescimento da crise climática, nos últimos 30 anos, a superfície de água da região foi reduzida em 60%, segundo dados do MapBiomas.

Várias espécies da fauna e da flora desse "santuário" natural estão ameaçadas de extinção. Uma delas é a onça-pintada. Em 2011, o ex-piloto de automobilismo Mario Haberfeld fundou, em 2011, o Onçafari. O que começou como um projeto para preservação do felino dentro da propriedade Caiman, do empresário e ambientalista paulistano Roberto Klabin, se transformou em algo muito maior.

Hoje, a ONG é uma das responsáveis por unir os maiores filantropos do Brasil e levantar cerca de R$ 180 milhões em defesa da conservação de todo o Pantanal, por meio da aquisição de terrenos que têm potencial para se transformar em reservas próprias.

A estratégia é simples: o Onçafari mapeia quais são os terrenos mais importantes geograficamente, os que estão próximos de outras reservas e unidades de preservação. Com a ajuda dos filantropos, a entidade compra essas áreas, onde os animais e as plantas prosperam sem nenhum risco. Não à toa essas "ilhas" vêm sendo chamadas de "arcas de Noé".

“A metáfora da arca de Noé faz muito sentido: nós compramos áreas para manter um lugar seguro para a fauna e a flora sobreviverem”, afirmou Teresa Bracher, ambientalista e uma das filantropas à frente da iniciativa, durante o evento realizado pela Positive Ventures na última terça-feira, 16 de setembro.

Bracher explicou que a estratégia não é comprar grandes terrenos, mas sim pequenas propriedades em lugares específicos que possibilitem criar conexão com os proprietários da região. Com essa “parceria”, a ONG consegue incluir esses donos de terra na mesma agenda de preservação, criando um verdadeiro corredor ecológico.

Patrícia Lobaccaro, diretora-executiva do Onçafari Internacional, explica que, com esse corredor, é possível desenvolver táticas para auxiliar o governo na detecção de incêndios, realizar treinamentos de brigadas para evitar situações como as vistas em 2024, além de ajudar na prevenção de atividades como as de garimpos ilegais.

“Nossa presença, além de estimular a criação de áreas protegidas, cria uma colaboração com o poder público e ajuda a implementar a conservação na prática”, diz a executiva ao NeoFeed.

Desde 2020, a iniciativa adicionou 66 mil hectares de terras à categoria de reservas próprias apenas no Pantanal. Neste território estão presentes as reservas Santa Sofia, São Francisco do Perigara e Mutum.

Onça-parda encontrada ao longo do safári no Pantanal (Foto: Lucas Morgado)

Maior população de araras-azuis do mundo está em uma das reservas do Onçafari (Foto: Lucas Morgado)

Com o controle do ambiente, é muito comum ver os animais, como o lobo-guará, acompanhados de filhotes (Foto: Valquíria Cabral)

Vista aérea da reserva do Perigara, de 25 mil hectares de extensão (Foto: Divulgação)

Equipe do Onçafari preparada para novas expedições

Mario Haberfeld, ex-piloto da Fórmula 1 e fundador do Onçafari

Em breve, uma nova reserva será incluída no portfólio: o Parque Estadual Alagados do Taquari. Em parceria com o governo do estado, serão investidos R$ 120 milhões para a aquisição de um território de cerca de 130 mil hectares, sendo R$ 60 milhões provenientes do Onçafari e o restante, do Estado.

“Para conseguir esse valor, nós fomos atrás de dinheiro fora do Brasil e conseguimos parcerias com algumas fundações americanas, que vão financiar esse projeto tão importante”, contou Bracher.

Segundo Lobaccaro, se tudo der certo no processo burocrático e técnico, essa será a maior área de preservação de todo o Pantanal. “É um projeto muito inovador que une filantropia, poder público e um modelo de gestão diferenciado”, diz.

Esse foi apenas o primeiro passo para uma parceria mais longeva com os filantropos e investidores internacionais.

Durante a Climate Week, a ser realizada em Nova York na próxima semana, o Onçafari buscará novos apoiadores para dar início a uma colaboração com a Tompkins Conservation, ONG que está restaurando a biodiversidade na Argentina e no Chile, e agora quer criar o maior corredor ecológico do mundo – com a ajuda do Brasil.

O projeto, chamado Jaguar Basin Project, vai além da compra de terrenos, já que seriam necessários bilhões de reais para “dominar” o continente sul-americano. Por lá, a ideia é realizar iniciativas pontuais e ter um contato direto com os governos em busca dessa preservação.

No Brasil, a procura por novos investimentos também continua com força total. O próximo evento da ONG será um jantar beneficente em outubro, no Hotel Unique, em São Paulo.

“O Onçafari é um case de sucesso na mobilização de recursos filantrópicos para a conservação e tudo isso se deve ao nosso processo de governança. Sem um rigor muito alto de auditoria a gente não conseguiria acessar esses financiamentos, tanto brasileiros como estrangeiros”, diz Lobaccaro. “Nós queremos ser exemplo e ajudar a impulsionar a filantropia na agenda climática, algo tão relevante para o País”.

Dentro das florestas

Muito antes de desenvolver a estratégia de compra de terrenos, o Onçafari tinha um propósito muito mais simples: habituar os animais do Pantanal – principalmente a onça-pintada — à convivência com carros e seres humanos.

A ideia de Haberfeld era que, com o ecoturismo, seria possível criar um safári no Pantanal, nos mesmos moldes vistos na África, trazendo renda para a comunidade e maior controle sobre a qualidade de vida dos animais.

Lá em 2011, Haberfeld tinha dificuldade de encontrar uma onça no meio do caminho.

Hoje, após muitos esforços e parcerias com biólogos, quase 100% dos visitantes avistam os animais há poucos metros de distância, o que é uma verdadeira vitória. Segundo os dados da ONG, já foram avistadas cerca de 5 mil onças em safáris no Pantanal.

Além das onças-pintadas, é possível observar grandes grupos de araras-azuis, lobos-guarás, além de pumas, antas e onças-pardas e mais cerca de 25 espécies ameaçadas de extinção.

Fora o Pantanal, a ONG tem presença em outros biomas como Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa. Por lá, além do ecoturismo, o Onçafari tem braços em verticais como ciência, reintrodução, social, educação, incêndio e advocacy.