O grande número de vinícolas de renome que desembarcaram na região da Galícia nos últimos anos deve colocar um toque branco no cenário vitivinícola espanhol, amplamente dominado pelos tintos. Em geral são vinícolas que já atuam em outras regiões da Espanha e que decidiram também empreender na Galícia.
O mais recente caso é o do grupo catalão Peralada, sediado dentro denominação de origem Empordà (área especializada em cava e tintos), que anunciou no último mês a expansão para as regiões de Ribera del Duero e Galícia.
O presidente de Peralada, Javier Suqué, afirmou durante a inauguração da nova vinícola em Empordà que uma vez concluído esse projeto que consumiu 40 milhões de euros, o próximo passo será olhar para a Galícia. O grupo, que possui vinícolas também no Priorato, Navarra, Rioja e Málaga, além de administrar hotéis e cassinos, tem faturamento anual de 250 milhões de euros.
Em fevereiro deste ano, o grupo que produz o vinho mais emblemático da Espanha, Vega-Sicilia, também confirmou a produção de seu primeiro vinho branco espanhol. Claro, na Galícia. A vinícola Deiva, do grupo Tempos Vega-Sicilia, por sinal, será totalmente dedicada à produção de vinhos brancos.
O investimento estimado em 20 milhões de euros para a compra dos 24 hectares de terra e vinhedos, incluindo a construção da vinícola Deiva, é o movimento mais significativo da família Álvarez para produzir um vinho branco na Espanha com a variedade Albariño.
Após a associação do grupo com Benjamin de Rothschild para fundar a vinícola Macán, em 2004, na Rioja, muito se especulou sobre um lançamento de um vinho branco riojano do grupo de Vega-Sicilia. Porém os experimentos não chegaram ao patamar (de qualidade) imaginado para um lançamento comercial.
Exceção feita às vinícolas riojanas Marqués de Murrieta (com o Pazo de Barrantes) e La Rioja Alta (com Lagar de Cervera), os últimos cinco anos foram pujantes para a Galícia em investimentos de vinícolas de outras regiões. CVNE (2018 com Virgen del Galir), Família Torres (com Pazo Torre Penelas, 2018), Ramón Bilbao (2018) e até os badalados irmãos argentinos Durigutti, da Argentina (Mendoza), que fundaram a vinícola Raíces del Miño em 2018, estão dando os primeiros passos nesta parte noroeste da Espanha.
O emblemático grupo Tempos Vega-Sicilia é composto por Vega-Sicilia e Alión, em Ribera del Duero, Macán, em Rioja, Pintia em Toro, Oremus de Tokaj e agora Deiva, em Rias Baixas, na Galícia. Embora Oremus produza vinhos brancos, o terroir e as variedades húngaras (sendo Furmint a principal) pouco se relacionam com o DNA espanhol do grupo.
No lançamento do projeto Pablo Álvarez, membro do conselho familiar, disse que “os brancos de Albariño são os maiores exemplares da categoria na Espanha, com exceção de Jerez. Porém creio que os albariños podem e devem ser ainda maiores, por isso fomos para Rías Baixas (sub-região da Galícia)”.
O anúncio da chegada do grupo na Galícia coincide com os 40 anos da família Álvarez à frente de Vega-Sicilia. Além disso, a região ficou ainda em evidência depois que o primeiro vinho galego recebeu os perfeitos 100 pontos da publicação criada por Robert Parker (Wine Advocate).
Ainda que o vinho Sorte O Soro 2020, de Rafael Palacios, seja feito na sub-região de Valdeorras e com a variedade Godello (sub-região e variedade menos conhecidas), os holofotes dos compradores e consumidores se voltaram para a Galícia.
O objetivo da família Álvarez é se concentrar na sub-região de Rías Baixas, na parte costeira da Galícia. A maior parte dos 24 hectares de vinhedos já consolidados estão no entorno desse vilarejo e de Tem, às margens do rio Minho.
A vinícola é vizinha à região vinícola portuguesa de Monção e Melgaço, também conhecida pela excelência com a Alvarinho (nome que a mesma uva recebe em Portugal). Segundo Pablo Álvarez, o desejo do grupo é chegar a ter 60 hectares na região para alcançar a meta de produção de 300 mil garrafas Deiva com qualidade, mas o desafio está no enorme fracionamento das propriedades rurais.
A região da Galícia possui a menor área média de vinhedos da Espanha, com meros 0,14 hectare de vinhedo por propriedade, sendo que dois terços dos vinhedos possuem menos de 0,5 hectare.
Em Vega-Sicilia, o grande exemplo de qualidade e reconhecimento no cenário dos vinhos espanhóis, há algumas medidas que a diferencia das demais vinícolas, como a guarda média de 10 anos para lançar o emblemático Vega-Sicilia Único, não utilizar videiras com idade inferior a 10 anos (idade média das vinhas é de 35 anos e algumas parcelas foram plantadas em 1910), ter tanoaria própria dentro da vinícola para tostar e montar os próprios barris onde os vinhos amadurecerão.
Assim, pode-se dar ao luxo de até retirar do mercado um lote inteiro de vinho por apresentar leve turbidez (questão apenas visual). Isto ocorreu em 2014, quando algumas garrafas de Pintia 2009 apresentaram leve turbidez e sedimentos naturais. O grupo retirou todas as garrafas do mercado e ofereceu substituição pelas safras anteriores ou posteriores aos que já haviam comprado. Esta operação teve o custo estimado de 7 milhões de euros.
Na Galícia o padrão não será diferente e embora as parcelas de vinhedos compradas já sejam adultas e capazes de produzir dentro o padrão desejado, a primeira safra comercial será em 2023, a ser lançada no mercado apenas em 2025 com o vinho Deiva.
Serão apenas dois rótulos e o vinho mais ambicioso de Deiva se chamará Arnella e será lançado apenas em 2027 (da mesma safra 2023) e limitada a 100.000 garrafas.
Até 2023, ano previsto para inauguração da adega de vinificação de Deiva, serão feitas vinificações experimentais para identificar a personalidade e potencial de cada parcela de vinhedo.
Ainda que a faixa de preço dos vinhos não esteja estabelecida, é certo que a forma de venda será integrada à forma de todos os vinhos do grupo. Tempos Vega-Sicilia vende seus vinhos a um grupo fechado de compradores (70% direcionado à exportação), no papel parecido como a de um sócio de um clube (pessoas físicas, restaurantes e hotéis). São 4.500 títulos emitidos e há uma fila de espera de 2.500 interessados em comprar os vinhos diretamente da vinícola.
A demanda maior que a oferta e a consistente e elevada pontuação que os vinhos de Vega-Sicilia alcançava, levou o diretor-geral do grupo, Antonio Menéndez anunciar em 2018 que os vinhos sofreriam reajustes anuais na faixa dos 5% até se equiparem aos preços médios dos 1er. Grand Cru Classé de Bordeaux, o alegado status compatível com o vinho.
A safra 2009 de Vega-Sicilia Único está à venda na Mistral por R$ 6.789,00, enquanto os 1er. Cru Classé Châteaux Margaux 2006, Haut-Brion 2007 ou Latour 2012 superam os R$ 10.000,00 por garrafa (na World Wine). A baliza na Galícia pode ser considerada os 200 euros pedidos na garrafa de Sorte o Soro, que levou os mencionados 100 pontos.
Disputas familiares
A chegada de Antonio Menéndez para dirigir Tempos Vega-Sicilia em 2015 não chegou a apaziguar os ânimos na turbulenta relação entre os sete irmãos da família Álvarez, mas o executivo egresso da Paramount Pictures, onde era diretor de marketing, colocou no eixo a gestão da empresa alcançando resultado operacional recorde em 2021 e permitindo a expansão com a vinícola galega Deiva.
No ano de sua chegada, em 2015, o Ebitda do grupo alcançou a cifra de 14,4 milhões de euros. Em 2021, o mesmo resultado alcançou 37 milhões de euros, deixando as disputas familiares em segundo plano.
O patriarca da família Álvarez, David Álvarez, comprou a vinícola Vega-Sicilia em 1982, nomeando Pablo Álvarez como gestor em 1985. Desde então Pablo Álvarez é, reconhecidamente, o grande motor que impulsionou a qualidade dos vinhos do grupo até o panorama atual.
David é o fundador do Grupo Eulen, especializado na área de serviços. O grupo atua em mais de 10 países, possui mais de 75.000 colaboradores e faturamento superior a 1,4 bilhão de euros (exercício 2020). Em 2009, aos 82 anos de idade, casou-se com sua então secretária, 38 anos mais nova.
O episódio causou discórdia entre seus filhos, com María José e David ficando ao seu lado e Pablo, Marta, María Elvira, Emilio e Juan Carlos contrariados com a decisão. Antes de morrer, em novembro de 2015, o patriarca acabou por distribuir suas ações a favor de María José e David filho, blindando a primeira como presidente do Grupo Eulen e acionista majoritária.
Aos outros filhos restou o controle das propriedades rurais, o que inclui as vinícolas. Desde então, as disputas judiciais (ainda abertas) contestam as administrações dos dois grupos empresariais.