A Fórmula E, categoria de automobilismo de carros totalmente elétricos, dá início à sua 12ª temporada neste sábado, 6 de dezembro. E, pelo segundo ano consecutivo, a primeira etapa da competição acontece em São Paulo.

O campeonato foi criado há 11 anos, quando os veículos a bateria ainda pareciam apenas uma promessa. Desde então, a corrida conquistou 422 milhões de fãs em todo o mundo. Mas o inglês Jeff Dodds, CEO da Fórmula E, quer muito mais, como revela ementrevistao ao NeoFeed.

Para o executivo, ao unir tecnologia, sustentabilidade e inovação, os carros elétricos podem ser ainda mais velozes e chegar a 322 quilômetros por hora (km/h), uma marca não muito distante dos 375 km/hora da Fórmula 1, a elite do automobilismo.

E ele vai ainda mais longe: com todos os avanços registrados nos últimos anos, não é difícil imaginar que o carro elétrico ultrapasse os limites de um F1 — o que atrairia uma base ainda maior de fãs. "Nos próximos quatro a cinco anos, nossos carros serão mais rápidos do que os da Fórmula 1", diz Dodds.

Qualquer evolução nos carros da Fórmula E é uma boa notícia para a indústria de veículos elétricos em geral. Muitas das inovações nos automóveis elétricos em circulação nas ruas das grandes cidades do mundo vieram das pistas de corrida, como a potência dos motores e o peso das baterias.

"Hoje são 20 milhões de carros elétricos vendidos", afirma. "Não podemos dizer que todos esses carros foram vendidos por nossa causa, mas nós definitivamente fizemos parte desse resultado", afirma.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista, na qual Dodds conta sobre as próximas inovações, sustentabilidade e a importância do Brasil no cenário global de Fórmula E.

A categoria nasceu como laboratório de tecnologia elétrica e evoluiu para entretenimento. Como você vê o desenvolvimento da Fórmula E?
Em 2011, nós não tínhamos fãs e existiam apenas 300 mil veículos elétricos circulando nas ruas. Hoje, somos 420 milhões de fãs e 20 milhões de carros elétricos vendidos.  Não podemos dizer que todos esses carros foram vendidos por nossa causa, mas nós definitivamente fizemos parte desse resultado.

Como assim?
Conseguimos mostrar às pessoas que elas não perdem desempenho ao ter um carro elétrico. Eles podem correr a quase 300 quilômetros por hora e acelerar pelas ruas mais rápidas do mundo.

Como você vê a mudança de mentalidade nesse processo?
Isso ajudou as pessoas a se sentirem confortáveis com a mudança de carros a gasolina e diesel para veículos elétricos, o que faz o mundo parecer um lugar muito diferente depois de 11 anos. Mas nós ainda não terminamos. A nossa ambição é muito maior e não ficaremos satisfeitos até ultrapassarmos a Fórmula 1. Sobre o mercado tradicional, a estimativa é de que, na próxima década, o número de veículos elétricos dobre, chegando a cerca de 40 milhões de unidades vendidas por ano. Quase todo mundo estará dirigindo um veículo elétrico ou híbrido, eu suspeito.

A Fórmula E costuma testar tecnologias que depois chegam às ruas. Qual inovação recente você acredita que terá impacto mais rápido na indústria automotiva?
A tecnologia do trem de força está se desenvolvendo o tempo todo. Este carro que está na pista hoje pode alcançar 350 kilowatts (KW), mas o próximo carro chegará a 600 kW. É um salto enorme na potência do motor. Acho que os maiores avanços que você vai ver estarão em duas áreas: a bateria e o software.

Você pode dar detalhes desses avanços?
A bateria, obviamente, vai evoluir para uma bateria de estado sólido com o tempo — e essa bateria vai significar maior densidade de energia. Ou seja, teremos menos variações em clima quente ou frio, mais eficiência e será mais leve. Tudo isso é ótimo para as corridas, mas também é bom para os carros de rua. No caso do software, que é o que determina a eficiência entre o motor e a bateria, a tecnologia avança ainda mais rápido, então temos um futuro brilhante pela frente.

"O Brasil é praticamente o ponto ideal, porque é um mercado de alta tecnologia e tem uma economia de rápido crescimento. Há uma vibração no ar"

Pensando nas tecnologias internas do campeonato, como vocês equilibram a busca por performance e o compromisso da sustentabilidade?
Para nós, isso não é um compromisso. Eu costumo dizer que temos um “e”, não um “ou”. Nós acreditamos que podemos ter sustentabilidade e melhorar a performance na pista. Não precisamos escolher entre as duas coisas. De um lado, meu time está focado em tornar os carros mais rápidos, aumentar o número de fãs, aumentar o número de eventos. E, do escritório, nossa equipe de sustentabilidade está focada em reduzir o impacto de carbono que geramos.

Vocês têm metas em relação à sustentabilidade?
Nós aderimos a uma iniciativa de metas baseadas na ciência, que prevê uma redução de 45% entre a temporada 5 e a temporada 15, que está se aproximando. Estamos em um caminho para reduzir a quantidade de carbono e, em outro caminho, para tornar os carros maiores, mais rápidos e melhores. Estamos fazendo as duas coisas ao mesmo tempo.

Com governos acelerando (ou desacelerando) a transição elétrica, como isso impacta a estratégia de longo prazo da Fórmula E?
Os manifestos dos governos mudam muito rapidamente. A tendência de longo prazo diz que, com o tempo, o número de veículos elétricos vai subir, subir e subir. Haverá pequenos obstáculos à medida que as políticas mudam e os governos tomam decisões diferentes, mas a tendência de longo prazo é muito clara. Eu só me preocupo com as coisas que posso controlar. E eu não posso controlar a política dos governos sobre veículos elétricos, então nós simplesmente acompanhamos o movimento.

Em relação aos negócios, qual a estratégia de vocês em relação a parcerias com grandes marcas?
Para nós, cada parceria tem a sua função. Temos algumas parcerias que são incrivelmente importantes para nós em termos de eletrificação, ao mesmo tempo que fechamos um acordo recente com o Google, que nos traz expertise em tecnologia. Nesse sentido, também escolhemos empresas como a Arabia Saudita Saudi Air, que nos ajuda com projetos ambientais e assim por diante. Pensando na base de fãs, a Feastables, marca de chocolate do MrBeast, também é uma patrocinadora da categoria, que, apesar de ser menor, se conecta diretamente com outra geração de fãs e está abrindo um público totalmente diferente para nós.

Pelo segundo ano consecutivo, a temporada de Fórmula E começa em São Paulo (Foto: Divulgação)

Por falar em fãs, quais são os mercados mais interessantes no momento?
Nós queremos expandir para todos os lugares, mas os dois mercados prioritários para nossos fãs são a América do Norte e a China. A China é o maior mercado de veículos elétricos do mundo e a América do Norte ainda é o mercado de maior visibilidade para gerar barulho e reconhecimento. A Índia é outra ótima possibilidade, com 1,5 bilhão de pessoas. Temos três grandes parceiros indianos: Mahindra, Versus e Carter. Somos sortudos por estar crescendo tão rapidamente e não precisamos ser tão precisos. Podemos olhar para todos os lugares como um mercado em potencial.

E o Brasil, como se posiciona nesse mapa?
O Brasil é praticamente o ponto ideal, porque é um mercado de alta tecnologia e tem uma economia de rápido crescimento. É por isso que escolhemos começar nossa temporada aqui. Há uma vibração no ar. Isso cria uma energia em torno do início da temporada. Adoraríamos correr no Brasil pelo maior tempo que pudermos. Agora, com dois pilotos brasileiros, Lucas di Grassi e Felipe Drugovich, a história se torna ainda mais especial e estimulante.

Como você espera crescer ainda mais a base de fãs nos próximos anos?
Antes de tudo, o fato de o carro ficar mais rápido naturalmente atrai mais pessoas, porque elas amam velocidade. E a segunda coisa é que nós nascemos na era digital. Por isso, fazemos muito sucesso com os criadores de conteúdo. Isso é muito importante para nós. Vamos também ampliar o calendário, adicionando uma corrida por ano até 2030, o que nos fará ficar cada vez maiores como categoria de corrida.

Na Fórmula 1, o mercado de luxo está cada vez mais envolvido no negócio. Você pensa em seguir o mesmo caminho?
Claramente, queremos adicionar mais parceiros. Mas, quando você fala de parceiros de luxo, você torna o negócio mais caro e exclusivo. Nós queremos fazer o oposto. Queremos ser inclusivos, não exclusivos. Queremos estar disponíveis para todos. Queremos que famílias jovens e adultos jovens possam vir aqui, que tenham condições de pagar para assistir às nossas corridas e aproveitar.

O que você acredita que a Fórmula E precisa fazer para atrair mais pilotos estrelados?
É interessante porque nós já tivemos muito interesse de pilotos globais muito famosos me perguntando sobre a Gen 4 [carro a ser lançado na temporada 13]:  “Quão rápido ela realmente vai ser? Quais serão os tempos de volta?”. Com o tempo, esse novo carro vai abrir uma porta para que muitos pilotos de ponta queiram vir pilotá-lo.

Quais mudanças veremos na categoria nos próximos anos?
A temporada 13 é o início da quarta geração. As grandes mudanças serão a bateria — talvez a bateria mude para uma bateria de estado sólido. Talvez os pneus também mudem e sejam mais rápidos, porque hoje corremos apenas com pneus de rua. Estou muito confiante. Nos próximos quatro a cinco anos, nossos carros serão mais rápidos do que os da Fórmula 1.