Muitos especialistas do mercado de aviação acreditavam que a pandemia seria a pá de cal sobre a primeira classe. O argumento era compreensível, pois a demanda pelos assentos mais exclusivos dos aviões já vinha afunilando pelo menos nas últimas duas décadas. Algumas companhias aéreas chegaram a extinguir a first class para focar recursos na reinvenção da classe executiva, substituta que mantém conforto e exclusividade a um preço mais modesto.
No entanto, a grande surpresa é que as maiores companhias aéreas do mundo estão reativando a primeira classe e voltando a investir pesado no segmento dos assentos premium que ficam na frente do avião.
A alemã Lufthansa acaba de embarcar em uma reforma de £ 2,5 bilhões nos voos de longa distância. Já a americana Delta disse que reinstalará os assentos premium em toda a sua frota de aeronaves - são mais de 1.300 aviões que circulam dentro e fora dos Estados Unidos.
A Etihad, dos Emirados Árabes Unidos, estreou em maio suas novas suítes nos Airbus A350. O mesmo fez a francesa Air France, que inaugurou em fevereiro uma nova business class, reformando 12 Boeings 777 e escolhendo Rio de Janeiro e Nova Iorque como as primeiras cidades do mundo a receber a novidade. Por sua vez, a australiana Qantas disse que investirá US$ 100 milhões em seus lounges para dar mais comodidade em terra aos turistas gastões.
O motivo da agitação? Diferentemente do pré-pandemia, quando o principal consumidor dos assentos premium era o viajante corporativo, quem está puxando a demanda e lotando a primeira classe em 2023 são os passageiros de lazer.
Os especialistas da indústria apontam as chamadas “viagens de vingança” como a principal causa do frenesi. O turista endinheirado que economizou com lazer nos últimos anos agora quer gastar sem freio, iniciando a experiência da viagem antes mesmo de o avião decolar.
O presidente da Lufthansa, Carsten Spohr, disse que a empresa acredita que a alta taxa de ocupação dos assentos executivos e de primeira classe deve ser permanente. Ele também falou que essa mudança está alinhada a uma tendência de crescimento do mercado de luxo observada nos últimos anos.
“Nunca pensei que ouviria isso. Este é o primeiro ano em que toda a minha equipe me diz que precisamos crescer a primeira classe”, disse Spohr, na divulgação dos resultados do primeiro trimestre.
“Nunca pensei que ouviria isso. Este é o primeiro ano em que toda a minha equipe me diz que precisamos crescer a primeira classe”, disse Spohr, da Lufthansa, na divulgação dos resultados do primeiro trimestre.
O mercado de luxo cresceu 21% só no ano passado, indo a € 1,38 trilhão. Mesmo com resquícios de pandemia, guerra da Ucrânia e inflação na Europa, quem tem para gastar está gastando em diversos segmentos, incluindo nos assentos de primeira classe.
Segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), o volume de passageiros premium, que considera primeira classe e executiva, recuperou-se mais rápido do que o tráfego total de viajantes nos maiores mercados do mundo. O número de passageiros premium atingiu 86% dos níveis de 2019, em comparação com um total de 81% em todo o setor.
Os Estados Unidos lideram o mercado, com volume de tráfego premium 108%. Ou seja, o país está com mais demanda do que oferta de cabines premium. Em seguida, a IATA destaca a ocupação das classes premium do Oriente Médio, com 97%, e da Europa, com 93%.
“As pessoas estão mais dispostas a investir em conforto e comodidade, principalmente nas viagens de lazer e nos momentos junto da família”, conta ao NeoFeed Marco Fragali, CEO da Flyby, uma startup brasileira especializada na emissão de bilhetes de primeira classe e classe executiva com até 50% de desconto.
No primeiro trimestre do ano, a agência que usa um sistema de milhas para baratear o custo do tíquete aéreo para o cliente emitiu 61% mais bilhetes em relação ao mesmo período do ano passado, totalizando 6.120 assentos vendidos, com tíquete médio de US$ 2.331.
Para o CEO da startup que possui escritórios no Brasil e em Miami, os valores praticados pelo mercado estão mais acessíveis com a entrada de novos players. Hoje em dia, mais de 90% dos clientes da empresa são casais e famílias viajando à lazer. Desse total, 70% fidelizam voltam a comprar os bilhetes premium. “O passageiro de lazer virou uma tendência principalmente depois da pandemia, quando reuniões e conferências corporativas começaram a ser online”, diz Fragali.
Para acomodar esses passageiros que pagam até 10 vezes mais do que os da econômica, as aéreas investem em verdadeiros quartos voadores. A nova primeira classe da Lufthansa, que ganhará o céu em 2024 nos Airbus A350, terá paredes que vão até o teto e assento com quase um metro de largura que poderá ser convertido em uma cama de casal.
A Air France também reformulará sua primeira classe, que deve ser apresentada até o final do ano. Segundo a companhia, a futura cabine promete ser “a mais longa do mercado” e oferecerá até três configurações modulares: um assento, um sofá e uma cama totalmente plana.
A nova cabine equipará um número maior de aeronaves. Atualmente, a La Première da Air France está presente em 19 Boeings 777. Com 4 suítes de primeira classe em cada avião, a mordomia está disponível em 11 destinos, incluindo Brasil, EUA, México, Nigéria, Japão, Singapura e Dubai.
A Emirates, que possui uma das melhores primeiras classes do mundo com direito a banheiro com ducha e bar, investiu US$ 2 bilhões na reforma dos assentos premium no ano passado. Entre as novidades que se juntarão ao champanhe e caviar de sempre, estão a reforma completa das cabines, novos menus estrelados e um serviço de cinema a bordo.
Para agradar ainda mais, a tripulação receberá um treinamento de hospitalidade pela Ecole Hôtelière de Lausanne, a mais prestigiada da Suíça, para garantir um serviço digno de primeira classe.