Em um movimento iniciado no pós-guerra, nos anos 1960, a indústria alimentícia entrou na era dos ultraprocessados e da conveniência — dos produtos de preparo rápido e refeições prontas, dos adoçantes artificiais e dos corantes e conservantes sintéticos. Por isso, a ideia de um casal de japoneses nos Estados Unidos pareceu uma loucura.

Macrobióticos, Aveline e Michio Kushi sonhavam em criar um pequeno mercado de alimentos orgânicos. E eles conseguiram: em 1966, o Erewhon foi inaugurado em Boston. Seis décadas depois, hoje, com dez lojas na Califórnia, a marca é sinônimo de estilo de vida saudável. Um modo de viver, frise-se, de luxo.

Entre morangos vindos de Tóquio (US$ 19, a unidade), água hiperoxigenada (US$ 26, a garrafa de 1,8 litro) e gel de alga marinha (US$ 88, o pote de 470 mililitros), a grande sensação do Erewhon, porém, são seus smoothies — aquela bebida cremosa e espessa, feita, em geral, a partir de frutas frescas ou congeladas.

O frisson em torno dos smoothies ganhou recentemente novo fôlego com o relançamento do sabor Strawberry Glaze Skin, agora sob a forma de um kit para ser preparado em casa. A US$ 100, a embalagem com quatro porções, o produto esgotou em poucos dias.

O fenômeno tem nome e sobrenome: Hailey Bieber, modelo e dona da Rhode, empresa de cosméticos e produtos para a pele — por isso skin no nome da bebida. Mistura de leite de amêndoa com morangos orgânicos, bananas, abacate, tâmaras, xarope de bordo, peptídeos de colágeno, gel de alga marinha e creme de coco, o smoothie foi desenvolvido por ela para a rede de mercearia.

A primeira parceria entre Hailey e a Erewhon foi em 2022. Nas 48 horas depois da chegada da bebida às prateleiras, a hashtag #HaileyBieberSmoothie acumulou quase 9 milhões de visualizações no TikTok, segundo cálculos da plataforma Influencer Marketing Hub. Depois disso, o mercado passou a vender cerca de 40 mil unidades do produto por mês.

Frente ao sucesso, a empresa decidiu ampliar seu quadro de colaboradores famosos. Há smoothies assinados por celebridades como as modelos Kendall Jenner e Bella Hadid, as cantoras Katy Perry e Olivia Rodrigo, o rapper Travis Scott, a ex-modelo e apresentadora Heidi Klum e a übermodel Gisele Bündchen. Até Steve Tyler, da banda Aerosmith, entrou na onda.

Do Nobu à Balenciaga

A cada novo smoothie signature, o roteiro se repete. A invenção ganha escala nas redes sociais e as lojas lotam. Nas contas da consultoria Marketing Scoop, nessas ocasiões, o Erewhon registra um aumento médio de 300% no fluxo de clientes e um aumento de 250% nas vendas em comparação com um dia normal.

Outro apelo forte é a promessa de que, a cada copo vendido, US$ 3 são repassados para uma instituição de caridade. “Em 2024, tivemos um ano incrível, doando mais de US$ 2,5 milhões por meio de nossas colaborações de smoothies com celebridades”, afirma o Vito Antoci, vice-presidente da rede, em postagem em seu LinkedIn.

O Erewhon descobriu nas parcerias a fórmula para despertar desejo — e, consequentemente, se transformou os smoothies em uma máquina de fazer dinheiro.

Todos querem colaborar com a mercearia. No ano passado, a empresa lançou uma edição limitada de 50 caixas bento, com a assinatura dos restaurantes japoneses Nobu, três estrelas Michelin. As collabs, porém, saíram do universo das comidas e bebidas e chegaram ao mundo da moda. Tem chinelo Erewhon com a Ugg e roupa de ginástica com a Lululemon.

Criado por Hailey Bieber, o smmothie Strawberry Glaze Skin chegou a vender 40 mil unidades por mês depois do lançamento

O Erewhon tem dez lojas na Califórnia e todas seguem o estilo da unidade de Bverly Hills

A sacola de compras transparente do Erewhon virou objeto de desejo

A rede de mercado criou uma caix de bento em parceria com os restaurantes Nobu

Na parceria com a Lululemon, o Erewhon chegou ao mercado de roupas fitness

Com as palmeiras que lembram Los Angles, o chinelo da Ugg em colaboração com o Erewhon compôs uma edição limitadíssima

A Balenciaga levou o mercado para as passarelas. T-shirts, agasalhos, aventais de cozinha, boné de beisebol e uma bolsa desfilaram na coleção outono/inverno da grife espanhola, com preços entre US$ 435 e US$ 1,15 mil. Na ocasião, por tempo limitado, a dupla lançou uma bebida, cuja receita incluía carvão vegetal — para tingi-la de preto, combinando com o vestuário.

O próprio Erewhon lançou uma linha de roupas e acessórios variados: moletons, camisetas, bonés, meias, garrafinhas, toalhas de praia e bolsas. A Erewhon Clear Bag, de plástico reciclado, que deixa as compras à mostra, custa US$ 80.

Para Daniel Langer, CEO da consultoria de luxo Équité, o sucesso da estratégia adotada pela mercearia se deve a uma mudança no comportamento dos consumidores. “Eles enxergam suas escolhas de alimentação e de consumo como extensões de sua marca pessoal”, afirma o executivo à revista Vogue US.

“O Erewhon soube capitalizar isso ao borrar as fronteiras entre comida, moda e estilo de vida. Suas colaborações com marcas de moda e celebridades refletem a forma como o consumidor moderno enxerga o luxo — como uma escolha de estilo de vida completa, e não como compras isoladas”, completa ele.

Para a especialista em varejo de luxo Pamela Danziger, a empresa conseguiu se posicionar como o equivalente a uma marca de alta moda, só que no lifestyle — setor que se mantém forte na crise que assola o luxo tradicional.

“O Erewhon está na interseção de duas tendências que estão transformando o mercado de luxo atualmente: o luxo como uma experiência, e não apenas como um produto”, afirma Danziger, também à revista americana.

Em uma sociedade distópica

Lá atrás, no começo de tudo, o casal Kushi escolheu o nome de seu pequeno mercado de alimentos saudáveis inspirado no romance satírico homônimo, escrito em 1877 pelo inglês Samuel Butler.

Na obra, Erewhon, anagrama de "nowhere" ("lugar nenhum"), é uma sociedade em que as pessoas são responsáveis ​​por sua própria saúde e, caso fiquem doentes, são processadas pelo crime de adoecerem.

Por cerca de 45 anos, mesmo tendo mudado de mãos algumas vezes, o mercado seguiu com o propósito inicial de Aveline e Michio. A virada aconteceu em 2011, quando a marca foi adquirida por  Tony e Josephine Antoci.

Eles expandiram, o negócio e inventaram o tonic bar, um balcão de bebidas funcionais. Se eles ofereciam sucos e shakes, por que não smoothies? Se as celebridades caíram de amores pela bebida, por que não convidá-las para assinar alguns sabores? O resto é história.