Nova York — Há pouco mais de um mês, a israelense Liora Eilon, que perdeu a casa e o filho de 46 anos nos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023, sentou-se ao lado de Arab Aramin, um palestino de 31 anos, cuja irmã de 10 anos foi morta há mais de uma década por soldados israelenses. Ambos estavam ali, juntos, em uma sinagoga do Brooklyn, perante uma plateia de nova-iorquinos ávidos para ouvir suas histórias. Ninguém estava ali para rezar.
Enquanto as mídias sociais se tornaram palco de guerras de narrativas — muitas delas distorcidas e fabricadas — sobre os conflitos entre Israel e Palestina, Liora e Arab estavam ali com lugar de fala. Ao contrário das ofensas e ataques que ocorrem online por gente que nem mora lá, eles compartilham suas mensagens com calma, compostura e fluência em inglês.
Eles são integrantes do Parents Circle — Families Forum (PCFF), uma organização fundada em 1995 e formada por cerca de 800 famílias israelenses e palestinas enlutadas em defesa da paz. Delas, 100 se juntaram depois da ofensiva de dois anos atrás.
O PCFF é um grupo cujo objetivo é “deixar de existir": cada um ali perdeu um membro da família, assassinado ou assassinada pelo "outro lado". Em vez de aumentar o ódio e as retaliações, essas pessoas se unem para pôr fim ao ciclo de violência e estabelecer o diálogo.
Até 7 de outubro de 2023, as reuniões eram presenciais, mas hoje são virtuais por questões logísticas. Nelas, acontecem dinâmicas de grupo, debates, campanhas de alimentos e iniciativas conciliatórias. O grupo dispõe até de uma colônia de férias na Ilha de Chipre. Em 2024, o acampamento reuniu 39 jovens.
Todo este trabalho é apoiado financeiramente por fundações e por indivíduos, por meio dos escritórios da organização em Israel, na Palestina, em Nova York e em Londres.
No ano passado, o grupo organizou 29 viagens internacionais, 35 visitas a universidades americanas e 150 encontros, alcançando 1,8 mil israelenses e palestinos e 3 mil estrangeiros, além da doação de milhares de artigos de primeira necessidade e material escolar na Faixa de Gaza.
Também em 2024, eles receberam quatro prêmios pelos esforços de paz, como o World Freedom Prize, concedido pela PL-Foundation, da Dinamarca.
No evento do Brooklyn, do qual o NeoFeed participou, Liora se levantou e, por meia hora, detalhou cada instante das 35 horas em que ficou presa com seus netos em um quarto de sua casa durante os ataques. Ela vivia no Kibutz Kfar Aza, uma comunidade de 950 pessoas a três quilômetros da fronteira com Gaza.
Naquela manhã, cerca de 250 terroristas invadiram o kibutz atirando para todos os lados, deixando 62 mortos e sequestrando 19 pessoas. Sua casa virou uma piscina de sangue ao receber soldados feridos. Até então, ela não sabia da pior notícia que uma mãe poderia receber: seu filho, Tal, que também era pai, saiu de casa para proteger a família e morreu a tiros.
“Antes de 7 de outubro, eu fazia parte de uma organização chamada The Road to Recovery, levando e trazendo palestinos de Gaza para tratamentos de câncer e outras doenças crônicas em hospitais de Israel”, contou Liora. Sete voluntários israelenses do projeto foram mortos em suas casas durante o massacre do Hamas, incluindo a ativista canadense Vivian Silver, que ganhou manchetes internacionais na época.
“Após essa tragédia, percebi que o mundo ao meu redor tinha mudado. No entanto, decidi que o mundo não mudaria quem eu sou: conheço meus valores e minhas crenças”, completou a senhora.
Durante a shivá, os sete dias de luto no judaísmo, duas pessoas do Parents Circle foram lhe visitar. “Eu já conhecia a organização e, imediatamente, disse a eles que gostaria de participar”, lembrou.
Ao lado de Liora, Arab escutava tudo em silêncio. Em seguida, ele se levantou e contou sobre seu pai, que vive na Cisjordânia e foi preso por soldados israelenses, além da morte de sua irmã pequena. Para se vingar de ambas as tragédias, Arab começou a atirar pedras em israelenses e a faltar à escola por isso. Ao descobrir, o pai lhe puxou a orelha: aquela não era a melhor forma de expressar sua revolta.
Arab vive em Jerusalém Oriental, o que significa que ele tem identidade israelense e pode votar nas eleições municipais, mas não nas presidenciais. Ele também pode circular por Israel, ao contrário dos palestinos que vivem em Gaza ou na Cisjordânia, que precisam de um passe especial.
“Nós, como uma pequena família, nunca pudemos ir ao mar com meu pai, porque ele não teve permissão para ir conosco ao litoral de Tel Aviv, Haifa, Acre ou para qualquer lugar em Israel. E na Cisjordânia não há mar”, contou Arab. “A mesma situação acontece com a minha esposa, que também tem identidade palestina. Quando viajo com meu filho, vamos sem ela.”
Quando ele explica para o pequeno por que a mãe não vai junto, a criança diz: “Então a gente a coloca no carro e diz que ela tem identidade como a nossa”. “Não moro na Cisjordânia, mas visito meu pai, que vive lá. Se eu morasse lá, perderia minha identidade de Jerusalém”, explica. “Meus filhos são palestinos, e eu tenho identidade israelense e passaporte jordaniano. É uma mistura e muito confuso.”
Além de fluente em inglês e hebraico, Arab viajou por diversos países. Inclusive, visitou campos de concentração e de extermínio da Europa para entender a história recente do povo judeu. A experiência de olhar para fora o levou a ver para dentro: ele passou a estudar também a história dos palestinos. “Em cada canto do mundo, existem pessoas boas e pessoas ruins. E você não pode dizer que todos os palestinos são perfeitos ou que todos os israelenses são ruins”, reforçou.
Foi com esta ideia que ele convenceu um de seus melhores amigos a fazer parte da PCFF. “No primeiro encontro, chegou lá bravo e não falou com nenhum palestino ou israelense. E, no segundo, passou a conversar com meninas israelenses”, recordou Arab. “Hoje, ele tem uma mente aberta e é um dos maiores ativistas do grupo. As coisas levam tempo e precisamos ter paciência.”
Já Liora passa o ano palestrando tanto em escolas israelenses de ensino médio (que antecedem a entrada no exército) quanto no exterior. Ela diz que, assim como muitos habitantes de sua região, passou a ser refugiada em seu próprio país. Seu kibutz foi praticamente destruído: 500 residentes, incluindo bebês e crianças, estão vivendo em trailers espalhados por outros kibutzim. E outras 150 estão espalhadas pelo país, alugando casas.
“Tentamos manter a nossa comunidade. Cuidamos uns dos outros. Ainda não sabemos como, ou se, poderemos voltar a Kfar Aza. Precisamos da permissão do Estado, que, a princípio, estipulou a data de 1º de agosto de 2026. No entanto, muitos de nós não se sentem suficientemente seguros para viver lá”, explica. “Não sei que tipo de comunidade haverá em Kfar Aza nos próximos anos — provavelmente uma comunidade completamente diferente da que conhecíamos. Há muito a dizer sobre isso, mas provavelmente vou voltar.”
Ao fim do encontro no Brooklyn, Liora e Arab se levantaram e se abraçaram.