Conhecido mundialmente pela produção de salmão, o Chile começa a entrar também no sofisticado mercado de esturjões, ou melhor, de suas desejadas ovas. Resultado da aposta de longo prazo feita por Felipe Vial, fundador da Kenoz, marca de caviar que começa a desembarcar no Brasil este mês.
A aposta é que em alguns anos o Brasil se torne o principal mercado da empresa, que tem hoje no Chile 20% de suas vendas. O restante está dividido entre Peru, Colômbia, alguns países da Europa e a indústria de cruzeiros marítimos.
Com parceria firmada com a Nordsee, empresa de importação especializada em peixes e frutos do mar, Andres Vial, filho de Felipe e atual CEO da empresa, começa a testar a logística de exportação para o País.
Antes, ele fez uma rodada de negócios e degustações para potenciais restaurantes compradores em São Paulo. Entre eles, o hotel Grand Hyatt. “Temos um produto muito bom e competitivo, que fala por si só, basta provar”, diz Vial, ao NeoFeed.
Por enquanto, está agendada para a primeira quinzena de julho o envio de 5 kg da iguaria à capital paulista, com a perspectiva de “ir crescendo aos poucos". "O Brasil é um mercado muito grande e importante para nós”, afirma Vial.
Em sua avaliação, há potencial para o consumo de até 1 tonelada de caviar ao ano no Brasil, mas "dados oficiais" apontam a importação de não mais de 25 kg/ano atualmente. Grande parte do que entre no país, dizem especialistas, é pelo "mercado informal".
Estimulado pelo boom do consumo mundial e pelos bons resultados da criação do peixe pré-histórico fora das águas frias do Mar Cáspio - habitat natural dos esturjões -, o advogado Felipe Vial, que também atua no board de empresas de mineração, cimento e cerâmica, entre outras, começou em 2010 a investigar viabilidade da produção em seu país.
Isso tendo em vista a perda da hegemonia russa para países como China, Estados Unidos, Polônia, Irã, Itália e Espanha. Abaixo da linha do Equador, apenas Uruguai, para onde a espécie foi trazida há quase 30 anos, Madagascar e agora o Chile possuem pequenas produções de caviar.
Apoiado no know-how para a aquicultura desenvolvido no Chile há quase 50 anos com o surgimento das primeiras fazendas de salmão - espécie nativa da Noruega, Canadá e Alasca -, Felipe Vial conseguiu permissão do governo em 2013 para importar as primeiras 200 mil ovas fecundadas de esturjão ossetra ao país.
Foi uma operação complexa. Havia uma janela muito apertada de, no máximo, 35 horas, para levar as ovas refrigeradas entre 0ºC e 8ºC da Itália para a Espanha. E, de lá, para Parral, cidade na região de Maule, a quatro horas de carro de Santiago, onde está a Kenoz. "Apenas 7% sobreviveram”, lembra Andres Vial.
Junte a esse tipo de dificuldade o fato de que das poucas ovas que vingam parte serão machos que não poderão se acasalar com as “irmãs” por questões genéticas – o que exigiu novas importações. Além disso, o longo período de desenvolvimento das fêmeas de ossetra, que precisam de no mínimo oito anos para começar a produzir as desejadas ovas torna o negócio de alto risco e paciência. Muita paciência.
“Estamos falando de um negócio geracional, que precisa de ao menos 50 anos para ser sustentável, mas que uma vez em produção começa a se pagar muito rápido”, afirma o CEO.
Iniciada em 2020, a primeira extração de caviar em solo chileno rendeu parcos 25 kg. Volume que no ano seguinte passou a 80 kg. E no fim de 2023 deve chegar à marca de 300 kg ao ano. Estima-se que a produção mundial de caviar gire em torno de 200 toneladas ao ano.
“Com a maturação dos peixes, nossa expectativa é produzir um total de seis toneladas ao ano até 2028”, diz Vial, que já encontrou o equilíbrio financeiro da operação com o quilo do caviar ossetra sendo vendido a US$ 4 mil.
Localizada na região central do Chile, longe do mar, a área de produção de 7 hectares conta com 12 lagunas de 500 m³ de água doce regularmente bombeada para garantir a oxigenação perfeita para os 60 mil peixes, existentes hoje.
Cada qual pesando de 10 kg a 20 kg e com capacidade para produzir de 10% a 15% de seu peso em caviar. Nos próximos dois anos, quando outras seis lagunas estarão em atividade, o volume de peixes deve chegar a 90 mil unidades.
Com isso, a expectativa é que o investimento de “sete dígitos de dólares” feito desde o início do projeto se pague “em mais três anos”. Já o lucro deverá vir efetivamente com o início das extrações nos plantéis de esturjões das variedades sevruga, prevista para 2027, e beluga, que chegam a valer o dobro.
No site da Petrossian, uma das marcas mais famosas de caviar no mundo e que já teve loja em São Paulo em 2011, o quilo do caviar beluga começa em US$ 7.900, enquanto o Kaluga Huso, um híbrido feito com a espécie (existem 27 variedades) que promete “sabor limpo, suave, grãos firmes e aveludados”, sai por US$ 17.600. O valor ainda depende do tamanho, firmeza e delicadeza de sabor dos grãos.
Iniciado em 2016, o cardume de belugas da Kenoz só poderá começar a ser abatido em 2032 (as fêmeas precisam de 16 anos para chegar à maturidade, quando são mortas para a extração das ovas), e deverá encontrar estabilidade de reprodução e produção apenas 2048.
“É um negócio que exige muito discernimento a cada tomada de decisão. Em um cultivo de 16 anos, qualquer erro custa muito caro”, aponta o CEO.
Do ponto de vista do cultivo, colher um peixe no ponto perfeito de maturação das ovas requer disciplina, observação e um acompanhamento muito cuidadoso da evolução de cada peixe. Processo que envolve seções de ultrassom, biópsias e provas ao longo de meses.
Há ainda o risco de perder o trabalho de anos com a salga desequilibrada das ovas não-fertilizadas e frescas que serão vendidas. “É um trabalho extremamente delicado e detalhista. Um passo em falso pode arruinar uma boa colheita”, afirma Vial.