O vinho foi eleito a bebida da pandemia. O crescimento das importações foi de 30% em 2020 em comparação a 2019, e 20% no ano passado frente à 2020, segundo dados da Ideal Consulting. Supermercados e ecommerces foram os principais canais de venda quando as pessoas passaram a cozinhar em casa e a investir em harmonização, simulando no ambiente doméstico o que seria uma experiência num restaurante.
Passado o período de reclusão, contudo, empreendedores apostam que esse encantamento com o vinho vai se manter também fora de casa e, assim, têm investido em winebars em diferentes configurações pelo país.
Um dos mais recentes exemplos é o Bazzar à Vins, em Ipanema (RJ). Aproveitando a mudança de endereço (agora na badalada Garcia d’Ávila), Cris Beltrao, proprietária do grupo Bazzar, mudou o conceito de seu empreendimento. “O Bazzar existe há quase 25 anos. Nosso perfil contemporâneo requer constante atualização. Então, com o novo imóvel, foi o momento perfeito para colocar em marcha o modelo de bar de vinhos que venho incubando por cinco anos.”
Para o empreendimento carioca, o momento coincide com a notícia que o governo estadual eliminou a substituição tributária do ICMS do vinho, que exigia a antecipação do pagamento do tributo. O restaurante precisava estimar uma margem de lucro na compra de vinho de um importador sediado em outro estado. “Tenho o exemplo de um vinho raro e que adoro, o Vin Jaune (Jura, França). A partir de maio, em vez dos 800 reais que costumava pagar, o vinho custará 500 reais. Isto viabiliza a venda do vinho por taça”, comenta Beltrão.
Como o Bazzar à Vins conta com um Coravin, acessório que permite o serviço do vinho em taça sem a retirada da rolha (mantendo o vinho remanescente íntegro por meses ou até anos), praticamente toda a carta está disponível para a venda por taça. Mas a empresária percebe que o formato com maior demanda é o pichet, pequena jarra com 250 ml de vinho.
Entretanto, na questão de custos o Bazzar à Vins tem se revelado mais desafiador para a empresária. "O staff de salão e de cozinha cresceu cerca de 30% em relação ao endereço antigo, apesar do salão ter menos assentos, de 80 para os atuais 70”, disse Beltrão.
A restauratrice confessa que há boa dose de paixão envolvida neste modelo, inspirado em restaurantes como o Prado, de Lisboa, e o Frenchette, de Nova York, que servem pratos para serem colocados no centro da mesa e compartilhados entre os comensais e com grande atenção aos ingredientes locais e pouca intervenção nos sabores dos mesmos.
“Nas minhas viagens constatei essa tendência, não há mais entradas e pratos, seja na Europa, Estados Unidos e até Nova Zelândia, a nova orientação é uma série de pequenos pratos compartilháveis”.
Em São Paulo, ainda com cenário incerto sobre a reabertura do comércio, nascia em setembro do ano passado o Paloma, dos mesmos sócios do bar de cocktails Fel, no térreo do edifício Copan. "O negócio nasceu pelo ponto comercial. Por ser vizinho ao Fel, primeiro vimos o espaço. Depois o conceito entrou no plano de negócio e na região não havia um bar de vinhos, uma vertente de um negócio que já dominamos”, disse Bruno Bocchese, sócio do Fel e do Paloma.
O Paloma é uma mescla de boteco de vinho com ares upscale, para funcionar de "segunda à segunda". O boteco transparece pelo cardápio, com receitas simples, com embutidos, miúdos e até manjubinhas fritas (porção típica dos botecos), e pelo serviço do vinho em copos, com formato de taça mas sem a haste.
A carta de vinhos do Paloma, é a grande estante de vinhos que está no meio do salão. Ali estão opções que parte de R$ 90,00 e chegam a R$ 800,00, em comum, vinhos que sejam fáceis de beber, o que significa nada de vinho de guarda.
No mesmo cenário adverso da pandemia mas observando o crescimento do consumo, a dupla de sommelière Lua Sampaio e Renata Figo, meteu literalmente a mão na massa para transformar a garagem da casa que vivem em um bar de vinhos. No início de 2021 abriram o Flua Ipojuca, inspirado no Sede 261, de Daniela Bravin, com quem Lua já havia trabalhado.
Semanalmente há uma seleção surpresa de rótulos por taça, comunicada principalmente em suas redes sociais. Como tempero extra, às segundas, fazem a “xepa” do vinho: garrafas que foram abertas ao longo do fim de semana são vendidas à preço promocional na segunda-feira seguinte.
Expansão por franquia e winebar itinerante
Outra novidade de winebar é o itinerante Kombinet, uma Kombi reformada e adaptada para transportar uma adega e todos os acessórios para servir os vinhos nas calçadas e eventos fechados, que começou a circular pelo bairro do Campo Belo-SP em abril. O idealizador do projeto Rafael Ilan é um dos mais experientes no segmento por ser sócio do Bardega, uma referência entre os winebars em São Paulo.
Nascido em novembro de 2012, o Bardega se tornou famoso graças às 12 enomatics, (máquinas de serviço de vinho em taça, como a wine station citada acima), cada uma com capacidade para oito garrafas. “Até hoje somos conhecidos como a Disneylândia do vinho, por servimos 96 vinhos em taças”, disse Rafael Ilan, sócio do Bardega. Na época, cada enomatic custou R$ 55 mil, o que dá a dimensão do investimento. “Meu termômetro era a empresa de logística que minha família possui. Atendemos algumas importadoras e vi o crescimento do mercado de vinhos”.
Com o Kombinet, além de levar o winebar para eventos e festas, a ideia é se aproximar e trabalhar em parceria com restaurantes, já que vendem apenas vinhos e nada de comidas. O investimento para reformar e equipar a kombi 1982 ficou na casa dos R$ 50 mil, o que permite escalar o modelo. "Inclusive já tenho outra kombi sendo preparada para circular”, diz Ilan, que em meados de maio também deve abrir um bar de vinhos em Capivari, no borbulhante centro de Campos do Jordão-SP.
Um bom termômetro que o crescimento do consumo de vinhos encontrou no winebar um modelo de sucesso é o caso da Vino! A rede criada por Raphael Zanette é de origem curitibana e no começo de 2021 lançou o programa de franquias. Entre 2015 e 2021 foram consolidadas oito unidades, nas cidades de Curitiba, Florianópolis e São Paulo. Com as franquias, entre começo de 2021 até hoje, a Vino! alcançou 40 unidades de bar de vinhos e estão presentes em todas as regiões do país.
Antes de 2015, a Vino! funcionava como loja de vinhos e restaurante. “Nessa época o varejo de vinhos com lojas físicas começou a sofrer com a concorrência dos supermercados e lojas on-line. O restaurante ajudava a manter um fluxo de pessoas na loja, mas continuaríamos sofrendo com a concorrência. A ideia foi migrar do varejo para a experiência do vinho, em um contexto de descontração e jovial”, disse o sócio e fundador, Raphael Zanette, sobre a motivação para transformar a Vino! em winebar.
A série de inaugurações deixa o empresário otimista. “Pretendemos chegar no fim de 2023 com 80 unidades da Vino!. Descobrimos que há potencial até mesmo em cidades com cerca de 300 mil habitantes, como Indaiatuba-SP ou Cascavel-PR”, disse Zanette. Para chegar nesta escala o cardápio é simplificado, facilitado pelas tábuas de frios e embutidos, além pequenas porções compartilháveis. “Nosso modelo é bem mais barato que um restaurante, pois temos uma cozinha central que distribui boa parte dos ingredientes já fracionados para cada unidade”.
Mesmo entre os bares de vinhos abertos antes da pandemia, o formato enxuto, sem grandes complicações na cozinha, impera. A experiente sommelière Daniela Bravin, ao lado de sua parceira Cassia Campos, inaugurou em 2018 o Sede 261. A ideia do bar era dar suporte ao clube de vinhos que já possuíam, e o local funcionaria como ponto de encontro para estarem próximas de seus assinantes.
A seleção surpresa de cerca de 40 rótulos abertos semanalmente costuma ser de ótimo padrão e valorizam a experiência dos que buscam bater um papo com as especialistas. “Excepcionalmente servimos ostras aos sábados, que chegam de Santa Catarina, alguns queijos e embutidos”, diz Cassia Campos. No entanto é cena comum entre os frequentadores pedirem comidas nos aplicativos para acompanhar os vinhos do bar; atitude incentivada pela dupla.
Inspiração na Califórnia
Apesar da distância entre Florianópolis e Brasília, Eduardo Araújo, proprietário do Wine Pub (sede em Florianópolis), e Eduardo Nobre, do IVV SwineBar (Brasília), tiveram inspiração californiana para montar seus respectivos negócios. O primeiro visitou a costa oeste norte-americana em 2010 para fazer seu curso na Court of Master Sommelier (reputada certificação do setor) e se encantou com a diversidade de rótulos oferecidas nos winebars da região. “Conseguia completar meus estudos provando os vinhos por taças”, diz Araújo.
Em 2017 inaugurou o Wine Pub e vem mantendo cerca de 250 rótulos na carta, 10% deles servidos por taças, em wine stations (máquinas que mantêm a garrafa com gás inerte), evitando a oxidação. “Com as máquinas, tenho 30 dias para terminar as garrafas com os vinhos em ótimas condições; assim tenho conseguido colocar vinho de até R$ 1 mil, para serem vendidos em taças de 30ml, 50ml ou 75ml, pelo preço proporcional da garrafa inteira”, comenta Araújo.
Para trabalhar unicamente com vinhos, sem cozinha, o Wine Pub buscou a referência nos bares de vinhos no mercados da Ribeira (Lisboa, Portugal) e San Miguel (Madri, Espanha). Todas as três unidades do Wine Pub, em Florianópolis-SC (Passeio Primavera), Gramado-RS (Biomarkt Haus) e Itajaí-SC (Bravamall), estão dentro de foodhalls. “Isto barateia o custo de implementação do winebar, sem equipamentos de cozinha, cozinheiros, ingredientes e tributos incidentes sobre uma operação de restaurante”, diz Araújo.
No caso de Eduardo Nobre, a experiência veio dos cinco anos que viveu na Califórnia, trabalhando nas vinícolas. Em 2016 inaugurou seu IVV SwineBar, um clube de vinhos junto com winebar. “Brasília tinha um cenário conservador para vinhos, apenas restaurantes e sommeliers com terno e gravata faziam parte da cena. Faltava algo informal, menos intimidador”, disse Nobre. Hoje mantém na carta mais de 400 rótulos de vinhos, mas apenas algumas unidades por taças. Ainda que seu ticket médio por garrafa tenha subido de R$ 120 para R$ 150 por garrafa, abrir muitos vinhos por taça ainda é considerado arriscado.
Tanto Rafael Ilan quanto Eduardo Nobre alertam para os riscos de empreender com um bar de vinhos. “De fato se nota uma explosão de winebars, porém poucos desenvolvem um foco e conceito”, alerta Rafael Ilan. “Assim como o negroni ou o gin tônica, o boom do vinho pode não se consolidar e apenas os formatos sólidos devem sobreviver”. O empresário ainda cita o Ovo e Uva e Gino Winebar como bons modelos e que não sobreviveram à pandemia.
"Recebi alguns clientes no SwineBar que no dia seguinte abriram um negócio parecido”, diz Eduardo Nobre. O empresário comenta que o problema não está na repetição da fórmula, mas na falta de identidade que coloca o negócio em risco. “A margem de lucro com vinhos é diferente de um restaurante, onde pratos, água e outras bebidas superam os 200%. O vinho requer treinamento, horas de estudo e a marcação não supera 100% do preço de compra”, alerta Nobre, com a ressalva que há uma realização pessoal que compensa o ritmo mais lento no retorno financeiro.
SERVIÇO:
Paloma - @paloma__sp
Bazzar à Vins- bazzar.com.br
The Wine Pub - thewinepub.com.br
IVV SwineBar - @ivvswinebar
Bardega - bardega.com.br
Kombinet - @kombinetsauvignon
Sede 261 - @sede261
Flua Ipojuca - fluaipojuca.com
Vino! - winebarvino.com.br