A pesquisa foi feita com consumidores americanos e britânicos. Mas seus resultados servem de alerta para os players da indústria plant-based de todo o mundo. Com 625 milhões de adeptos ao redor do planeta, os vegetarianos não estão engolindo os alimentos vegetais análogos aos de origem animal.
E pior. Na comparação com estudos anteriores, o nível de satisfação não cai pouco, não. Cai é muito, abrindo um abismo entre os vegetarianos e os alimentos à base de plantas. Se as empresas não prestarem a atenção, correm o risco de perder um grupo de consumidores em franca expansão. No Brasil, por exemplo, o vegetarianismo cresceu 75% nos últimos oito anos e conta hoje com 30 milhões de pessoas.
Divulgado agora, no início de 2024, o levantamento foi encomendado à SurveyGoo pela Ingredient Communications, agência inglesa de inteligência de mercado, focada em alimentação. O estudo ouviu mil americanos e britânicos, em dezembro do ano passado.
Atualmente, apenas 8% dos vegetarianos se dizem contentes com as soluções plant-based. Em 2018, o índice era de 47%. Nos Estados Unidos, o baque foi maior do que no Reino Unido. Saiu de 38% para menos 10%, uma oscilação negativa de 48%. Entre os britânicos, a variação foi de 55% para 20%.
“Os altos níveis de insatisfação e o declínio das taxas líquidas de satisfação entre os vegetarianos indicam uma tendência preocupante”, diz Richard Clarke, diretor administrativo da Ingredient Communications, em entrevista ao NeoFeed. “Na pressa de se tornar 100% vegetal, será que as marcas não estão negligenciando as necessidades desses consumidores?”
Entre os veganos, porém, o trabalho indica um movimento diametralmente oposto. Em geral, nesse grupo, o grau de contentamento cresceu de 2% para 17%. Ou seja, apesar do aumento, a aceitação ainda é baixa.
Como acontece com o vegetarianismo, o veganismo está arregimentando mais e mais seguidores para suas fileiras. No mundo, 80 milhões de pessoas não consomem absolutamente nada relacionado a animais --nem comida, nem roupa, nem entretenimento. Como costumam dizer, ser vegano é um estilo de vida.
Paladar mais exigente
Os vegetarianos, por sua vez, são mais permissivos. Nesse grupo, mais diverso, ninguém come carne, mas alguns consomem ovos, leite e derivados. Há os que só fazem concessão aos laticínios, e os que, de bicho, só topam o ovo.
Como não baniram por completo os produtos de origem animal do cardápio, eles tendem a ser mais rigorosos em relação às alternativas vegetais, avalia Clarke. A eliminação do leite e/ou do ovo pode afetar o prazer deles em relação aos alimentos sem esses ingredientes.
“Em qualquer caso, os resultados da nossa pesquisa reforçam a regra de ouro da produção de alimentos: é essencial usar os melhores ingredientes para proporcionar ao consumidor a melhor experiência”, completa o executivo da Ingredient Communications. “Já se foi a época em que os veganos e os vegetarianos ficavam satisfeitos com qualquer coisa.”
Comidas insossas nunca mais
Como costuma dizer a escritora americana Alicia Kennedy, especializada em cultura alimentar, por muito tempo, prevaleceu a ideia de que quem abolia integral ou parcialmente os alimentos de origem animal de suas dietas estava preocupado apenas com a ética e a sustentabilidade e não se importam com a comida. O que, historicamente, está associado a comidas insossas.
Mas, conforme as tecnologias alimentares avançam, o paladar dos consumidores se refina. E esse é o grande desafio da indústria plant-based para conquistar novos clientes. Apesar de todo o progresso científico, as alternativas vegetais ainda deixam a desejar em relação às características sensoriais do alimentos de origem animal.
As chamadas carnes verdes, por exemplo, ainda não conseguem proporcionar a água na boca conferida por um belo steak. Na busca pelo bife perfeito, algumas startups estão cultivando células de gordura animal em laboratório, enquanto outras buscam uma forma de “encapsular a suculência”.
Os leites vegetais também precisam avançar. A maioria ainda mantém, lá no fundo do paladar, o gosto dos vegetais com os quais é feito, sobretudo de ervilha.
Em relação aos ovos, grande parte das marcas não conseguiu sair os produtos líquidos ou em pó. A israelense Yo Egg promete a “experiência de um ovo”, mas, apesar do sucesso, seu produto ainda precisa de ajustes.
Todas essas inovações estão na disputa por um mercado de altas potencialidades. Até 2030, a indústria plant-based deve quintuplicar e movimentar US$ 162 bilhões globais. Para percorrer esse caminho a contento, porém, não podem perder de vista as novas preferências dos consumidores.
A pesquisa inglesa não avaliou as preferências dos “carnívoros da onda plant-based”. Também cada vez mais numerosos, os flexitarianos querem incrementar a dieta com verduras, legumes e frutas, sem abrir mão, vez ou outra, da proteína animal.
Cerca de 52% dos brasileiros se definem como “flex”, indica pesquisa do The Good Food Institute, em parceria com o Ibope. Deles, quatro em cada dez já reduziram o consumo de carne a três dias por semana.