Foram sete anos de pesquisas, nos galpões da pequena Kärsämäki, cidade de pouco mais de 2 mil habitantes, a cerca de 500 quilômetros ao norte de Helsinque. Em 2019, finalmente, o primeiro produto da Tracegrow Oy chegou ao mercado.
Fundada uma década atrás, a cleantech de economia circular é pioneira na transformação de pilhas alcalinas em fertilizantes orgânicos certificados. Tão inusitada quanto revolucionária, a tecnologia desenvolvida pela startup consegue separar com extrema precisão um a um os compostos químicos presentes das pilhas.
De um lado, os metais pesados, como mercúrio, chumbo e níquel, tóxicos para a saúde humana. Do outro, os metais do bem, manganês, zinco, enxofre e cobre, micronutrientes imprescindíveis para uma agricultura robusta e pungente.
Purificadas, essas substâncias servem de base para a produção de três produtos de adubação foliar, aquela que se aplica diretamente nas folhas das plantas. Utilizado frequentemente nas lavouras de cereais, o zinco, por exemplo, é fundamental para a síntese de proteínas e a integridade da parede celular das plantas.
O manganês, por sua vez, participa da formação de enzimas responsáveis pelo crescimento vegetal, além de ajudar na produção de clorofila. Já o cobre é essencial para o desenvolvimento dos citros, ao estimular o metabolismo das plantas. Lavouras bem nutridas resultam em produtos mais saudáveis e resistentes, além de mais bonitos e coloridos.
Com a crise climática, as práticas agrícolas insustentáveis, a superexploração dos recursos naturais e o crescimento populacional, os solos perdem cada vez mais nutrientes. Se a degradação se mantiver no ritmo atual, em 2050, preveem analistas da FAO, a agência da ONU para a Alimentação e a Agricultura, 10% da produção agrícola será perdida.
Pode parecer pouco, mas não é. De cada cem alimentos consumidos atualmente, hoje em dia, 95 dependem da terra. Outro fator importante para o empobrecimento dos solos é o uso abusivo ou inadequado dos fertilizantes sintéticos. Em excesso, os agroquímicos não só matam a terra, como poluem os cursos d’água e o ar.
Principal ingrediente dos aditivos tradicionais, a amônia consome muita energia para se fabricada, da qual a maior parte vem da queima de combustíveis fósseis. Nesse cenário, os bioaditivos, fabricados com baixa ou nenhuma emissão de gases de efeito estufa, surgem como uma promessa para a recuperação dos solos e o aumento da qualidade e produtividade das lavouras.
Por isso, tecnologias como a da Tracegrow são muito bem-vindas e chamam a atenção de agricultores e investidores. A startup está hoje em quinze países –Finlândia, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos, entre outros. E os resultados obtidos nas lavouras nas quais os produtos da Tracegrow foram aplicados são animadores.
As plantações de cevada, na Escócia, registraram um aumento de produtividade ao redor de 25%. Nas lavouras finlandesas de trigo, esse índice foi de 27% As beterrabas cultivadas na Inglaterra e fertilizadas pela startup de Kärsämäki renderam 23,5% mais. Ainda tem o milho alemão, a batata inglesa, o algodão, o tomate e os citros californianos... Todos foram banhados com os fertilizantes obtidos a partir das pilhas recicladas pela startup finlandesa.
A produção global de biofertilizantes está em ascensão. Os US$ 2,02 bilhões previstos para 2022 devem chegar, daqui a sete anos, a US$ 4,47 bilhões. É uma ótima notícia, claro, mas esses valores são fichinha perto da dinheirama movimentada pelos aditivos sintéticos – US$ 193 bilhões, em 2021, aumento de 12% em relação a 2020.
Novas no setor agroalimentar, aos poucos, as startups dedicadas a nutrir a lavouras, sem prejudicar o meio ambiente, vão conquistando seu espaço. O sucesso da Tracegrow, por exemplo, já despertou o interesse dos donos do dinheiro. Em junho passado, a startup recebeu um aporte de 1,5 milhão de euros, do grupo Taaleri Investiments, focado em iniciativas sustentáveis e sediado em Helsinque.
Com o reforço de caixa, os finlandeses pretendem construir uma segunda linha de produção, em Kärsämäki. Agora, em agosto, um novo investimento. Dessa vez, 2,5 milhões de euros vieram da sueca Nordic Food Tech VC. “A reutilização de recursos naturais não renováveis é importante para todos nós”, disse em comunicado Mika Kukkurainen, sócio fundador da empresa de venture capital.
“A tecnologia mágica da Tracegrow permite a verdadeira economia circular e oferece um potencial global notável”, disse o investidor. A estratégia da Tracegrow também serve de alerta para um grave problema ambiental –o descarte inadequado das pilhas. Uma parte muito pequena das 10 bilhões de unidades produzidas anualmente no mundo vai para a reciclagem. Na Austrália, por exemplo, apenas 3% entram na roda virtuosa da economia circular. No Brasil, 1%. Jogadas no lixo sem nenhum cuidado, as pilhas são um perigo para a saúde do planeta e das pessoas.