O que você faz com um alimento fora do prazo de validade? A maioria de nós não pensa duas vezes: lixo! Se a data impressa na embalagem está vencida, a comida está estragada, certo? Errado. Em geral, dizeres como “válido até” ou “expira em” se referem ao limite de tempo, a partir do qual, os produtos começam a perder a qualidade tida como ideal, sua potencialidade máxima. Não têm nada a ver com segurança.
A confusão dos consumidores é comum no mundo todo. Pior do que isso; a falta de clareza em torno dos rótulos de datação agrava um dos problemas mais sérios da contemporaneidade; o desperdício de alimentos. A cada ano, o planeta põe fora um terço de toda a comida produzida, o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas e US$ 750 bilhões, em prejuízos financeiros. Desse total, 931 milhões de toneladas são descartadas no varejo, nos restaurantes e em nossas casas.
Nos Estados Unidos, segundo a ONG ReFed, 80 milhões de toneladas são descartadas anualmente porque expiraram, apesar de perfeitas para o consumo. Pelo mesmo motivo, as famílias britânicas se desfazem de quase 7 milhões de toneladas, o que representa cerca de 35% dos alimentos adquiridos. Nos supermercados brasileiros, quatro de cada dez produtos saem das gôndolas com destino ao lixo, por causa do vencimento. Adicionar dois dias ao prazo de validade reduziria o desperdício pela metade.
Em tempos de crise climática, crescimento exponencial da população e ameaça à segurança alimentar global, pesquisadores e inovadores do ecossistema agrifoodtech se empenham no desenvolvimento de ferramentas capazes de aferir com acurácia o frescor dos alimentos, sobretudo dos perecíveis.
Alguns dos resultados obtidos até agora soam animadores. Agraciado com o prêmio de inovação 2023, da Associação Internacional para Proteção de Alimentos (IAFP, na sigla em inglês), o Freshtag, da startup sueca Vitsab, funciona à base de um código de cores –verde, amarelo e vermelho, como os sinais de trânsito. Afixado na embalagem, a etiqueta indica, em tempo real, a qualidade do produto, a partir de sua temperatura.
A companhia está trabalhando também em uma tinta a ser incorporada no pacote. Se o alimento não for seguro para consumo, o pigmento faz o código de barras desaparecer. Sem o QRCode, o produto se torna invendável. Tanto essa tecnologia quanto a Freshtag podem ser calibradas conforme as características e necessidades de conservação de cada produto.
No centro de P&D da Southern Methodist University (SMU), nos Estados Unidos, a pesquisadora Khengdauliu Chawang criou um biossensor flexível, para ser colocado dentro da embalagem, em um membrana para que não entre em contato com o alimento. Com dois milímetros de comprimento e dez, de largura, a etiqueta mede o pH dos produtos.
Quanto mais alto o nível de acidez, menor é o frescor do alimento. Fungos e bactérias proliferam em ambientes mais ácidos. Nessas condições, o dispositivo de Khengdauliu muda de cor, indicando a deterioração. Nas experiências com peixes, frutas, leite e mel, funcionou.
Equipado com tecnologia de identificação por radiofrequência (RFID), o biossensor pode ser usado para verificar a qualidade dos alimentos ao longo de toda a cadeia. Nas experiências com peixes, frutas, leite e mel, funcionou.
“Toda vez que a embalagem passa por um ‘posto de controle’, como centros de logística, portos ou supermercados, a etiqueta pode ser digitalizada e os dados, enviados de volta a um servidor, que rastreia os níveis de pH”, explica a pesquisadora, ao portal da SMU. “Essa configuração permitiria o monitoramento contínuo do pH e detectaria com precisão os limites de frescor ao longo de toda a jornada; das fazendas às casas dos consumidores.”
Outra iniciativa de sucesso? A empresa britânica Mimica criou um hidrogel sensível à temperatura, que muda a textura da etiqueta conforme o produto envelhece. Acoplado ao interior de uma tampa de bebida, por exemplo, a peça se deforma, indicando a putrefação do conteúdo. Ideias, como se vê, não faltam.
“Tirá-las do laboratório e colocá-las em produtos e cadeias de suprimento em grande escala, sem aumentar os custos, é o grande desafio”, defende Silvana Andreescu, professora de química bioanalítica e chefe do laboratório de biossenssores da Clarkson University, ao site “Food Dive”.
Um dado é certo, “a indústria tem de inventar alguma coisa”, diz Jeff Desrosiers, CEO da Vitsab. “Os consumidores estão cada vez mais bem informados e atentos à rastreabilidade dos alimentos, de sua origem até chegar ao prato”, completa ele, em comunicado. Não há mais espaço para informações confusas, como são atualmente os prazos de validade dos alimentos.
Como escreve a microbiologista americana Jill Roberts, professora associada da University of South Florida, em artigo para a plataforma “The Conversation”, “um sistema de datação de produtos mais baseado na ciência pode tornar mais fácil para as pessoa diferenciar os alimentos que podem comer com segurança daqueles que podem ser perigosos”. Esse, sim, seria um grande passo contra o desperdício.