Levada, no século 16, do novo ao velho mundo, pelo navegador Cristóvão Colombo, a batata mudou o curso da história da humanidade. Cultivado desde 8 mil anos a.C., na cordilheira dos Andes, pelos incas, o tubérculo transformou culturas, remodelou a política e revolucionou a economia global.
Agora, 800 anos depois, duas cientistas do ecossistema de inovação israelense estão ressignificando a batata na tentativa de salvar o planeta do colapso climático — e nos levar a um futuro de sistemas agroalimentares mais sustentáveis, produtivos e inclusivos.
Graças aos avanços da biotecnologia e da engenharia genética, a CEO Maya Sapir-Mir e a CTO Raya Liberman-Aloni usam os princípios da agricultara molecular para transformar o legume em microfábricas de proteína animal.
Fundadoras, em 2022, da PoLoPo, na cidade Ness Ziona, ao sul de Tel Aviv, elas acabam de lançar a plataforma SuperAA, para a produção, a partir das sementes de batata, da principal proteína da clara de ovo, a ovalbumina.
O Good Food Institute (GFI) não descarta a possibilidade de a agricultura molecular crescer o bastante para, no futuro, como o plant-based, as carnes e frutos do mar cultivados em laboratório e a fermentação de precisão, tornar-se um pilar do setor de proteínas alternativas — um segmento em ritmo acelerado de expansão, previsto movimentar US$ 432 bilhões, na próxima década, a uma taxa de crescimento anual composta de 19%, no período.
Os primeiros estudos sobre a tecnologia datam do início dos anos 1990. Até bem pouco atrás, era usada sobretudo pelas companhias farmacêuticas.
Apenas recentemente, sua aplicação na indústria alimentícia começou a ser avaliada. E, até aqui, os resultados são animadores.
Ao tirar os animais da cadeia de produção de alimentos, os inovadores pretendem aliviar a pressão exercida sobre o meio ambiente, pela agropecuária intensiva.
Impactos ambientais da indústria de ovos
O cultivo de vegetais tem uma pegada ecológica menor do que a das criações de vacas, bois, porcos e galinhas, entre outros. Conforme o estudo Proteína Verde: Plantar a Alimentação do Futuro, um quilo de bife, pelos métodos tradicionais, contribui 80 vezes mais para o aquecimento global do que a mesma quantidade de feijão.
Os prejuízos ambientas decorrentes da produção de ovos são, claro, menores. Mas eles existem. Do volume total de gases de efeito estufa lançados globalmente por toda a cadeia de produção de alimentos (da fazendo ao prato do consumidor), 6% vêm das granjas poedeiras. E isso não é pouca coisa.
Pesquisadores da Universidade de Oviedo, na Espanha, avaliaram a criação de galinhas a partir de 18 parâmetros; como o uso de água e eletricidade, o transporte, a geração de resíduos e os materiais usados para embalar os ovos. Em 16 deles, a repercussão foi negativa, contribuindo sobretudo para a alteração e contaminação do solo e intoxicação da água.
“A fonte mais importante de impactos ambientais nocivos em todas as categorias avaliadas foi a produção de ração para galinhas e, em menor grau, a compra de novas galinhas poedeiras para substituir as antigas”, lê-se no artigo Environmental assessment of intensive egg production: A Spanish case study, publicado na revista especializada Journal of Cleaner Production.
E, como vivem a frisar os ativistas do bem-estar animal, há de se considerar ainda os maus tratos aos quais as galinhas e seus filhotes costumam ser submetidos em muitas granjas comerciais - o estresse das poedeiras pelas más condições do confinamento e o extermínio dos pintinhos machos.
A proteína cultivada nos laboratórios da PoLoPo vêm atender um setor em franca expansão. Sob a forma de pó, a ovalbumina é usada como ligante e emulsificante e para formar espuma na fabricação de uma série de produtos - de massa de panqueca e bolo a cremes e sorvetes.
Avaliado em US$ 5,4 bilhões, em 2022, o o mercado global do composto está previsto movimentar quase US$ 10 bilhões, em 2032, evoluindo a uma taxa de crescimento anual composta de 6,2%, informam os analistas da consultoria Allied Market Research.
Pioneiras da batata
Em tese, qualquer vegetal pode ser transformado em fábrica de proteína. Uma das startups mais antigas do setor, a Nobell Foods, se dedica à criação da caseína, do leite, em pés de soja. A Moolec Science também usa o grão, mas para a produção de proteína de porco.
Outras empresas testam a alfafa, cevada, açafrão, milho e a ervilha, entre outras culturas. A PoLoPo é pioneira na batata. O ineditismo rendeu a Maya e Raya, até o momento, US$ 2,3 milhões, em investimentos pré-seed, informa a plataforma Crunchbase.
Entre os fundos de venture capital que apostam na empresa israelense estão FoodLabs, Plug and Play Ventures, CPT Capital, Siddhi Capital, Milk & Honey Ventures e HackCapital.
Maya e Raya optaram pela batata porque o tubérculo está entre os cinco alimentos mais populares do mundo. Também pela sabedoria adquirida pelos agricultores no manejo do vegetal, ao longo dos últimos milênios.
Além disso, o cultivo não é caro e o vegetal já se provou resistente às mudanças climáticas. Tem mais. Como a batata é composta basicamente por água e amido, não é tão complicado convertê-la em fábrica de proteínas.
Funciona assim: os cientistas da PoLoPo injetam nas sementes do tubérculo o trecho do DNA da galinha responsável pela síntese da ovalbumina.
Depois, basta fazer como os agricultores tradicionais. Semear, cuidar da plantação e esperar o tempo de colher.
Mas, calma. Dito assim até parece simples.
Ainda deve demorar um tempo até que as lavouras da agricultura molecular rendam proteínas animais, seguras para o consumo humano.