Entre um copo de refrigerante e um copo de suco natural, qual é o mais saudável? A segunda opção, certo? Não, necessariamente.
Se o parâmetro for a quantidade de açúcar, ambas as bebidas estão muito próximas. Duzentos mililitros das variedades gaseificadas possuem entre dez e 22 gramas do carboidrato. A mesma porção do sumo de laranja, por exemplo, 18 gramas.
E, não importa muito de onde venha, o açúcar é um dos vilões da boa alimentação. Em excesso, está associado a um aumento nos riscos de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, entre outros distúrbios.
Frente à crescente preocupação dos consumidores com a saudabilidade de suas dietas, a indústria alimentícia aposta no desenvolvimento de novos produtos ou na reformulação dos já existentes de modo a levar para o mercado comidas e bebidas com baixos teores de açúcar.
Um dos movimentos mais recentes nessa direção é a parceria entre a Ingredion e a foodtech israelense Better Juice. A Ingredion Ventures, braço de venture capital da gigante americana de ingredientes, acaba de liderar uma rodada série A na startup.
Fundada em 2018, na cidade de Asdode, pelo bioquímico Eran Blachinsky e a engenheira Gali Yarom, a startup desenvolveu uma tecnologia capaz de reduzir os níveis de açúcar de sucos e concentrados de frutas entre 30% e 80%; sem comprometer o valor nutricional, o aroma e a textura das bebidas. O dulçor cai de 15% a 20%.
Desde então, a Better Juice arrecadou quase US$ 9 milhões, informa a plataforma Crunchbase. Na conta, não entra o aporte da Ingredion - o valor do negócio não foi revelado.
Já investiram na Beter Juice a The Kitchen FoodTech Hub, iAngels, Maverick Ventures Israel, Semillero Partners LLC e a Emil Capital Partners, entre outros fundos.
O poder das enzimas conversoras
A tecnologia da Better Juice usa microrganismos, não modificados geneticamente, como miniusinas de enzimas. Com a função de acelerar reações químicas, as enzimas transformam os açúcares dos sucos em outros compostos, alguns bioativos.
A sacarose é convertida em fibra; a frutose, em sorbitol; e a glicose, em ácido glucônico (ou glucanato, como também é conhecido).
No processo desenvolvido pela startup israelense, a quantidade de açúcar a ser removido é determinada pela velocidade com a qual o suco passa pela máquina.
Quanto mais rápido o fluxo, menos tempo as enzimas têm para agir sobre a frutose, glicose e sacarose e, portanto, menor será a redução dos níveis de açúcar do produto – e vice-versa.
Como o ritmo de conversão pode ser ajustado no biorreator, os fabricantes têm controle total sobre os teores de açúcar de seus produtos.
250 milhões de litros de suco, por ano
Blachinsky e Gali não pretendem produzir suco. A ideia é operar no B2B, vendendo as enzimas e o maquinário proprietários da Better Juice para a indústria de bebidas.
A construção e implantação dos biorreatores, bem como o suporte às máquinas, ficam a cargo do GEA Group. De origem alemã, o grupo é um dos maiores fornecedores mundiais de sistemas e componentes para o processamento de alimentos.
Como as enzimas têm vida útil de dois meses, o modelo de negócios proposto pelos fundadores da startup lembra o do café em cápsulas, diz Blachinsky à plataforma especializada FoodNavigator. Acabou o estoque? É só encomendar um novo lote.
“Agora estamos preparados para entrar no mercado, com capacidade para processar 250 milhões de litros de suco, por ano”, revela o coCEO Blachinsky, em comunicado.
Com os novos cheques de venture capital, a ideia é testar a tecnologia em outras bebidas, naturalmente doces, como leite, cerveja e vinho.
Consumidores mais bem informados
Mercado há. Em todo o mundo, os alimentos e bebidas com pouco açúcar estão previstos movimentar US$ 79,5 bilhões em 2028. Até lá, estima a consultoria Research and Markets, devem avançar a uma taxa de crescimento anual composta de 8,6%.
À frente do movimento estão consumidores cada vez mais bem informados e exigentes. Segundo o estudo global Sensibly Sweet, do grupo alimentício irlandês Kerry, quase 80% das pessoas estão convictas de que os melhores produtos são os de baixos teores de açúcar.
A maioria topa, inclusive, pagar mais caro por eles. Na prática, sete em cada dez já restringem o ingrediente em seu dia a dia. Divulgado em junho de 2023, o levantamento ouviu 2.784 pessoas, em 24 países – o Brasil está entre eles.
Setor em ebulição
As novas preferências dos consumidores somadas aos avanços da ciência da nutrição vêm mobilizando players tradicionais da indústria alimentícia. Fundada em 1906, em Westchester, Illinois, e avaliada em US$ 7,164 bilhões, a Ingredion ilustra à perfeição a efervescência do setor.
Nos últimos seis anos, das quatro áreas de growth da companhia, a batizada “redução de açúcar e adoçantes especiais” atraiu US$ 300 milhões dos US$ 850 milhões investidos, aponta o relatório Barclays Global Consumer Staples Conference.