Em 2019, 37 especialistas, de 16 países, formaram a Comissão EAT-Lancet. Vindos de diversas áreas do conhecimento, eles se reuniram em torno de um dos principais desafios da contemporaneidade: como oferecer a uma população em ritmo acelerado de expansão uma alimentação saudável e, ao mesmo tempo, ecológica.

“Uma dieta rica em plantas, com menos alimentos de origem animal é a que confere mais benefícios à saúde e ao meio ambiente”, pontuou o médio especialista em nutrição Walter Willett, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e copresidente do grupo.

O encontro resultou em um artigo na revista científica inglesa The Lancet. Nele, os pesquisadores propunham a “dieta da saúde planetária”. O cardápio reduzia em mais de 50% o consumo global de carne vermelha e dobrava a ingestão de frutas, verduras, legumes e oleaginosas, como nozes, castanhas e amêndoas.

O prato tido como ideal preveniria, anualmente, no mundo todo, 11 milhões de mortes, e aliviaria a pressão sobre o meio ambiente. Agora, quatro anos depois, um trabalho apresentado na The Lancet Planet Health coloca em xeque a dieta proposta em 2019.

Os nutricionistas Ty Beal e Flaminia Ortenzi, da Global Alliance for Improved Nutrition (GAIN), e a médica Jessica Fanzo, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, defendem que o regime da EAT-Lancet é pobre em micronutrientes essenciais ao bom funcionamento do organismo. O editorial assinado pelo trio é uma espécie de alforria para as proteínas animais.

“Uma dieta de saúde planetária constituída principalmente de alimentos de origem vegetal com baixos teores de alimentos de origem animal não fornece necessariamente os nutrientes adequados, particularmente os minerais, como ferro, cálcio e zinco”, lê-se na conclusão do estudo.

Para atingir as necessidades nutricionais da população, sem ter de recorrer à suplementação ou fortificação, é necessário incrementar o prato com mais ovos, peixes, aves e carnes. Mas, calma. Ninguém está liberado para se empanturrar de picanha. Se antes o sugerido era um hamburguer por semana ou um filé grande por mês, hoje está liberado um bife pequeno por dia.

Os pesquisadores Beal, Flaminia e Jessica propõem ainda a redução no consumo de grãos integrais, leguminosas e oleaginosas. Esses alimentos, explicam os autores do artigo recém-lançado, são ricos em fitatos. Importante para a germinação das plantas, essas substâncias dificultam a absorção de vitaminas e minerais pelo organismo humano.

Dieta saudável

A dieta da saúde planetária propõe que, de um total de 2,5 mil calorias ingeridas todos os dias, 172 sejam fornecidas por feijões, lentilhas e ervilhas. Segundo o levantamento divulgado mais recentemente, o ideal seria cortar essa quantidade em 80%. Na prática, seria trocar pouco mais de duas conchas de feijão por meia porção diária.

É preciso levar conta, como escreve Beal em artigo para a plataforma AgFunder, que, com as mudanças climáticas, as concentrações de ferro e zinco nos grãos devem diminuir, “tornando esses nutrientes ainda mais difíceis de obter, especialmente em dietas à base de vegetais”.

Como vários especialistas, o trio de estudiosos argumenta que a alimentação proposta pelo EAT-Lancet, ao propor uma dieta planetária, desprezando as particularidades de diferentes contextos culturais e condições ambientais, não é factível.

O ideal seria, segundo Beal, sugerir dietas locais. Que levassem em conta também as preferências do consumidor. “Em geral, as pessoas querem mais carne vermelha do que o recomendado”, defende o pesquisador da GAIN. Se essas características não são levadas em conta, é difícil mudar hábitos, sobretudo os alimentares.

Para que 10 bilhões de pessoas tenham o que comer, em 2050, a produção de alimentos deve aumentar em 70%, nos cálculos da FAO, a agência para agricultura e alimentação da Organização das Nações Unidas. A adoção de um cardápio nutritiva e ecológico é apenas uma parte da equação de como combinar dietas saudáveis com sistemas agroalimentares sustentáveis.

“Isso exigirá um esforço incrível e a união da sociedade, governos, academia e organizações não governamentais”, defendem os pesquisadores Beal, Flaminia e Jessica. “A saúde humana e a preservação do meio ambiente são dois dos maiores desafios de nosso tempo e estão intrinsecamente ligados. Não devemos deixar ninguém para trás tampouco negligenciar as questões ambientais.”