A criação de soluções inspiradas na natureza é um dos movimentos mais fascinantes do ecossistema global de inovação. Na agricultura, as novidades são de encher os olhos. Imagine que alguns cientistas agora "cultivam" tempestades em laboratório. Dentro de caixas, eles colecionam raios.

Batizada “água ativada por plasma” (PAW, na sigla em inglês), a tecnologia pode ser usada na produção de fertilizantes, no controle de pragas e doenças e no tratamento de sementes, para aumentar a germinação e a produtividade.

Para entender como o sistema funciona, é preciso voltar às aulas de ciências dos tempos de escola. Espécie de gás eletricamente carregado, o plasma é um dos cinco estados físicos da matéria — o mais predominante no universo.

Os raios, por exemplo, são plasma. Durante uma tempestade, em contato com a água da chuva, acabam por enriquecê-la, com substâncias imprescindíveis para que as plantas cresçam robustas e saudáveis.

Graças aos avanços das tecnologias, hoje é possível "fabricar" tempestades dentro de uma caixa de tamanho e aparência semelhantes a um forno de micro-ondas. Lá dentro, a partir da combinação de ar, água e eletricidade, é possível produzir nitrato, dióxido de nitrogênio, ozônio e peróxido de hidrogênio, entre outros compostos. E não só isso.

Como explica o químico Péricles Inácio Khalaf, professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em conversa com o NeoFeed, os cientistas conseguem controlar o tempo ao qual a água ficará exposta ao plasma.

Dessa forma, é possível desenvolver produtos sob medida, conforme as necessidades dos agricultores.

Uma das startups mais avançadas do setor é a holandesa Vitalfluid. Nascida em 2014 de um spin-off da Universidade de Tecnologia de Eindhoven, a empresa acaba de levantar € 5 milhões. Na terceira rodada de investimentos, Future Food Fund, Graduate Entrepreneus Fund, Horticoop e Innovation Industries se juntaram aos investidores existentes VDL Group e BOM.

Com um total arrecadado de € 9,35 milhões, ao longo da última década, a água plasmática da Vitalfluid já está irrigando plantações de tomate e alface, entre outras culturas, na Europa e nos Estados Unidos.

O professor Péricles Inácio Khalaf, da UTFPR, é um dos principais pesquisadores de água ativada por plasma do Brasil (Crédito: Arquivo Pessoal/Péricles Khalaf)
O professor Péricles Inácio Khalaf, da UTFPR, é um dos principais pesquisadores de água ativada por plasma do Brasil (Crédito: Arquivo Pessoal/Péricles Khalaf)

Frente à emergência climática e o aumento na demanda por alimentos, encontrar alternativas aos fertilizantes e defensivos sintéticos é condição sine qua non para avançar rumo a sistemas agroalimentares mais sustentáveis, produtivos e resilientes aos efeitos do aquecimento global.

O uso massivo de insumos químicos não só aumenta a pegada de carbono ao longo de toda a cadeia de produção de alimentos como, no decorrer do tempo, empobrece o solo, diminui a taxa de germinação das sementes e contamina o meio ambiente.

Ao substituir os agrotóxicos por um produto feito apenas de ar, água e eletricidade, protege-se as lavouras e a saúde dos agricultores, frisa o professor da UTFPR.

Um dos principais nomes nas pesquisas sobre PAW no Brasil, Khalaf é fundador e CTO da Plasma Fert, a primeira startup dedicada à produção de água plasmática do Hemisfério Sul. Lançada em 2019, a startup está conversando com fabricantes de fertilizantes na busca por parcerias.

O ecossistema dedicado à produção de PAW ainda é pequeno. Além da holandesa e da brasileira, destacam-se a americana Redhill Scientific e a norueguesa N2 Applied.

O potencial da nova tecnologia, no entanto, é enorme. O mercado global de fertilizantes movimenta anualmente US$ 202 bilhões. O de controle de pragas, outros US$ 22,2 bilhões; e o de tratamento de sementes, mais US$ 10,2 bilhões.

A água ativada por plasma tem um grande espaço para se desenvolver. No Brasil, o campo é vastíssimo.

Para se ter ideia, o País importa 80% dos fertilizantes, enquanto os bioinsumos representam apenas 3% do total usado pelos agricultores na nutrição e proteção de suas lavouras.

Como a máquina de água plasmática é pequena, o produtor pode levar a "fábrica de raios" para a fazenda. "Dessa forma, evitaria a produção de CO² tanto na  produção como no transporte dos fertilizantes e defensivos", diz Khalaf.

Tem mais. A "caixa" pode trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana. Com ela, os agricultores podem fazer as vezes de Zeus, o todo poderoso do Olimpo, na mitologia grega. O Deus da tempestade, frequentemente, é representado com sua arma mais poderosa em mãos: os raios.