Fundada em 2021, a biotech Nintx ilustra à perfeição a potência da ciência brasileira. A empresa acaba de inaugurar em Campinas, no interior paulista, o primeiro laboratório privado da América Latina para pesquisas em torno do microbioma intestinal humano.
O farmacêutico bioquímico Miller Freitas, o engenheiro químico Cristiano Guimarães e o estrategista em negócios Stephani Saviero apostam na inovação radical para desenvolver uma nova geração de medicamentos produzidos a partir da biodiversidade nacional.
É uma abordagem inédita para a prática milenar da fitoterapia; agora, sob o olhar das tecnologias 4.0.
Sob o comando da pesquisadora Katia Sivieri, PhD em tecnologia bioquímico-farmacêutica, a equipe da Nintx criou uma réplica do sistema digestório humano. Batizada xGIbiomics, a máquina é usada para aprofundar e testar a interação de compostos de plantas com os microrganismos que habitam o organismo humano, em especial os do trato gastrointestinal.
A ideia é chegar a extratos capazes de controlar, a partir do intestino, doenças cardiometabólicas, endócrinas, imunológicas, infeciosas e neurodegenerativas – áreas da medicina com alta demanda por tratamentos mais efetivos do que os disponíveis atualmente.
A tecnologia foi desenvolvida com parte dos US$ 3 milhões, levantados em agosto de 2022, pela biotech. A rodada seed foi liderada pela gestora Pitanga, de Fernando Reinach, reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes cientistas brasileiros.
O financiamento contou ainda com a participação do fundo Maraé, o family office de Guilherme Leal, um dos fundadores da Natura&Co, e do empresário Peter Andersen, presidente do Grupo Centroflora, gigante nacional na fabricação de extratos vegetais para remédios. Aliás, o laboratório da Nintx está incubado no hub de inovação da companhia.
Progresso acelerado da Nintx
Nos últimos anos, graças aos avanços da química analítica, das técnicas de sequenciamento genético e das metodologias de data science e analytics, a flora intestinal, repositório de 95% dos micróbios no corpo humano, tornou-se uma linha de pesquisa importante para os estudos das doenças e novas terapias.
Os medicamentos focados na microbiota do aparelho gastrointestinal devem movimentar globalmente, em 2023, US$ 570 milhões, contra os US$ 390 milhões, do ano passado. Não é nada em comparação, por exemplo, à bilionária indústria dos tratamentos oncológicos.
Mas é muito, quando analisada a taxa de 45,6% de crescimento anual composta prevista para o segmento –o mercado das terapêuticas com ação nos microbiomas, em geral, deve avançar 17,6%, no mesmo período, indicam os consultores da The Business Research Company.
Somos 90% bactérias
Citando o livro da bióloga inglesa Alanna Collen, de 2016, Freitas e Guimarães, respectivamente CEO e CSO da Nintx, explicam que somos apenas 10% humanos. Os 90% restantes das cerca de 100 trilhões de células de nosso organismo pertencem às bactérias.
Além de bactérias, o intestino é rico também em neurônios. Uma rede neural tão extensa que, hoje, o órgão é considerado o “segundo cérebro”. Portanto, o que acontece em nosso trato digestivo impacta diretamente nossos sistemas nervoso central, imunológico e endócrino, entre outros. É impossível pensar em saúde e doença sem olhar para o equilíbrio da microbiota intestinal.
E, ao focar em plantas, a Nintx está pegando carona em um processo da natureza, que, ao longo de milhões de anos, tem se revelado bastante eficiente. Os microrganismos que nos habitam vêm da ingestão de vegetais e carnes e do contato com a terra.
“O solo é o grande repositório de microrganismos que populam todas as espécies vegetais e animais”, diz o CSO da biotech, em conversa com o NeoFeed. Em sintonia, os micróbios garantem o bom funcionamento do organismo. Em desequilíbrio, adoecemos. Não à toa, o símbolo da Nintx é a imagem de uma árvore, com as raízes avançando dentro da terra.
Além da xGIbiomics, a startup desenvolveu ainda uma ferramenta de inteligência artificial que, a partir de um arquivo com cerca de 700 mil moléculas vegetais, indica aos pesquisadores as possíveis candidatas para o tratamento de uma determinada doença. Chamada Gaia Path, o nome da tecnologia faz referência à Mãe-Terra, na mitologia grega.
O movimento das big pharmas
O modelo de negócios da Nintx prevê o licenciamento dos extratos para a indústria farmacêutica. “Quando entrarmos na fase de pesquisas clínicas em humanos e quando já for possível pensar na manufatura, iniciaremos a conversa com as grandes corporações”, afirma Freitas. “A partir daí, ocorre a transferência de tecnologia e a monetização da startup.”
O trio de fundadores da biotech tem vasta experiência nas big pharma, tanto aqui como fora do Brasil. E, com essa estratégia, integram a Nintx a um movimento cada vez mais forte entre as grandes companhias; o da descentralização dos departamentos de pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos. As empresas de tecnologia farmacêutica são mais ágeis e mais propensas a assumir riscos.
Como o core business da biotech é o estudo da microbiota intestinal, a startup pode marcar presença também na indústria alimentícia. Em especial, junto às empresas que trabalham com lactobacillus, um dos micróbios mais comuns do trato digestório, frequentemente, incorporados às fórmulas de produtos lácteos.
Prova desse alcance foi dada recentemente, quando a multinacional francesa Lactalis procurou a biotech. Os representantes do maior grupo de laticínios do mundo estão interessados em usar a inovação made in Brazil, da Nintx.