É o encontro do cinema com o videogame e o parque de diversão. Talvez essa seja a melhor maneira de explicar a experiência inédita proposta pela Dreamscape, empresa de storytelling virtual fundada em 2016, na Califórnia, por Walter Parkes e Kevin Wall.
Apoiada por grandes nomes do cinema, como o cineasta Steven Spielberg, e comandada por Bruce Vaughb, um ex-executivo da Disney, a companhia explora uma tecnologia pioneira de mapeamento corporal, desenvolvida pelo instituto suíço Artanim.
Pensado para fins medicinais, o software europeu consegue entender e reproduzir o esqueleto e seus movimentos com poucos sensores, a fim de permitir a melhor compreensão de pacientes em tratamento de recuperação da capacidade motora.
Embora as raízes nobres da invenção continuem dando frutos, a veia para o entretenimento agora pulsa com exclusividade nas mãos da Dreamscape, que tem o licenciamento da tecnologia neste segmento.
É essa ferramenta que permite que os usuários, com apenas seis pontos de mapeamento (nos pés, nas mãos, no tronco e na cabeça) consigam ser "catapultados" para um ambiente virtual junto a outros cinco participantes. Trata-se de um negócio que, de certa forma, pode reinventar a indústria do cinema no futuro.
"Já trabalhei com realidade virtual em diversas oportunidades, assim como os fundadores da Dreamscape, mas uma coisa nos impressionou muito nesta nova tecnologia: ela é invisível. Quer dizer, depois de alguns minutos na sala, você esquece que está com aqueles sensores e se sente parte daquilo tudo", diz Bruce Vaughn, CEO da empresa, ao NeoFeed.
Além de impressionar o executivo que por 25 anos comandou o departamento de criação da Disney, a Dreamscape fisgou também Hollywood. Estúdios como 21st Century Fox, Warner Bros e MGM, além das redes de cinema AMC e IMAX, entre outros players importantes no mercado de entretenimento, aportaram US$ 36,7 milhões na companhia.
Com uma média de 94% de ocupação em suas sessões, a empresa tem todos os seus ingressos quase esgotados diariamente. "Há dias mais desafiadores que outros, como quarta-feira, por exemplo, como acontece com o cinema", conta Vaughn.
Apesar da comparação, o CEO garante que a estratégia para a empresa que lidera é completamente diferente, bem como o modelo de negócio. Para ele, as pessoas buscam atividades sociais que não peçam grande comprometimento de tempo, que é o caso dos filmes, com cerca de duas horas de duração.
Os três shows em cartaz na Dreamscape, que começou suas atividades com a flagship de Los Angeles e há pouco abriu sua segunda unidade em Dallas, têm duração de 15 minutos cada. Os ingressos custam US$ 20.
Todas as unidades são instaladas dentro de shopping centers. "Estamos tirando muito proveito do fato de que o shopping parece estar se afastando do varejo tradicional e buscando mais experiências", garante Vaughn.
A estratégia está surtindo efeito: 60% dos participantes do Dreamscape em Dallas foram ao shopping apenas com o intuito de vivenciar a brincadeira virtual. Em Los Angeles, a porcentagem é de 45%.
Dentre todos os usuários, 30% voltam para mais uma "dose" da experiência, sendo que, desse montante, 90% buscam vivenciar um outro show. Entre idas e vindas, 12% de todo o tráfego do Dreamscape acabam consumindo algo para além da experiência inicial.
Aberta ao público em geral, as sessões da Dreamscape têm poucas restrições: é preciso ter mais de 10 anos e mais de 1,20m de altura. Menores de 13 anos precisam estar acompanhados dos pais. Vestimentas também são importantes por conta dos sensores. Roupas casuais ou esportivas são as mais indicadas – nada de saias, vestidos ou salto alto, por exemplo.
Não é permitido entrar com nenhum gadget dentro da sala, o que torna tudo ainda mais especial. "Por não termos celulares ou nenhuma outra distração, estamos todos ali, realmente presentes. É curioso: um ambiente e uma história totalmente virtuais e, no entanto, todos estão ali, juntos", ressalta Vaughn.
A produção de cada um de seus shows requer, em média, 8 ou 9 meses de produção, e custa cerca de US$ 1 milhão. Para fins comparativos, o mais recente filme do diretor Quentin Tarantino, "Era Uma Vez em Hollywood", precisou US$ 90 milhões. Mais: o tempo médio de produção total e um longa estrelado é de um ano e meio.
Com um show temático do "Homens de Preto" já em andamento, Vaughn também antecipa que a próxima unidade da Dreamscape será internacional. A empresa vai inaugurar uma sala em Dubai, em dezembro deste ano. Depois desse lançamento, o executivo garante que volta a pensar no mercado doméstico e a se preparar para planos ambiciosos em outros países. Toda a estrutura de tradução e eventuais adaptações para mercados já está pronta.
Em todos os casos, porém, a estratégia de marketing será a mesma: nenhuma. A Dreamscape não investe em outdoors ou publicidade comprada. "Nossos participantes são nossos únicos anúncios", comenta, validando o poder do bom e velho boca-a-boca.
Esse fator social, dentro e fora das instalações, faz o executivo acreditar que o negócio seja particularmente bem-sucedido nos países da América Latina, como o Brasil. E, embora não tenha nada a divulgar sobre ações na região, a expansão global deve por aqui.
Indiana Jones da vida real
Mais do que investidor, Steven Spielberg foi também inspiração – mesmo que indiretamente. Os três shows produzidos e disponibilizados pela Dreamscape nos fazem sentir, de alguma forma, como uma espécie de Indiana Jones hi-tech.
Todas as experiências começam com um check-in. No balcão, usando a tela de um tablet, os usuários são convidados a preencherem um rápido formulário, com nome, informação para contato e outros dados simples e, ao final, escolhem o avatar que encarnam na experiência – a disponibilidade dos personagens é por ordem de chegada, e em nada afeta o enredo da história.
Na hora marcada, o grupo, que é composto, no máximo, por seis pessoas, é convidado a acessar uma pequena antessala. Ali, seis cadeiras esperam pelos presentes. A instrutora explica em poucos minutos como funciona a brincadeira e demonstra a forma correta de colocar os sensores.
Devidamente equipados, somos convidados a entrar numa sala toda preta, sem nada. A sala não é muito grande; tem cerca de um quarto da área de uma sala de cinema convencional.
Ficamos todos alinhados, seguindo as passadas desenhadas por um projetor. Todos em posição, a brincadeira começa: a instrutora pergunta se todos podem enxergar os colegas – e é curioso ver esse mundo virtual em primeira pessoa, olhando a própria mão e constatando os demais usuários maravilhados fazendo o mesmo.
Os enredos têm todos uma linha exploratória. "The Blu", o show mais popular, é uma jornada pelo fundo do mar. Os usuários fazem parte de uma equipe de mergulhadores de resgate de elite, e pilotam uma espécie de moto aquática para libertar uma baleia presa em uma rede. Focas, peixes coloridos e naufrágios garantem a emoção dessa missão, que pede que os participantes interajam apertando botões e acessando novos ambientes. Já o "Allien Zoo", como diz o nome, é uma espécie de zoológico alienígena, onde é possível desvendar novos mundos – e criaturas.
Spielberg, diretor de Indiana Jones, deve estar particularmente orgulhoso do "The Curse of The Lost Pearl", que transporta os usuários para a floresta intocada da Mesoamérica. Ali, o Templo da Cobra Dourada está prestes a ruir, mas é preciso recuperar a pérola perdida antes que tudo desabe.
Os participantes têm de segurar tochas, esquivar das teias de aranha, desviar de paredes com espinhos de ferro e ficar constantemente atentos para chegar até uma montanha-russa que só era possível ver nos filmes.
Ao final da experiência, todos voltam para a sala e devolvem os equipamentos. Tudo, então, volta a ser o que era antes, menos os participantes. Diante da experiência, que chega tão próxima da realidade, impossível não concordar, pelo menos em partes, com a premissa de Vaugn de que "se eu consigo ver, ouvir e sentir, então é verdade". A realidade virtual já é, mesmo, uma realidade.
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