Na busca por um futuro mais limpo, a energia solar se consolida como líder da transformação. De toda a eletricidade consumida no mundo, 2% vêm do sol. No Brasil, por exemplo, já ocupa o segundo lugar como maior fonte, atrás apenas da hídrica e à frente da eólica. É possível, no entanto, tornar os painéis fotovoltaicos ainda mais potentes – uma missão à qual se lançam pesquisadores e empreendedores de todo o mundo
Na corrida por células de alto desempenho, o cristal perovskita orgânica-inorgânica se revela tão eficiente quanto o tradicional silício.
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“A eficiência de ambas as tecnologias gira em torno de 26%”, diz o físico Carlos Frederico de Oliveira Graeff, em entrevista ao NeoFeed. Professor do departamento de física e meteorologia, Faculdade de Ciências, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ele pertence a um dos primeiros grupos de acadêmicos brasileiros no estudo da perovskita (que recebeu esse nome por ter sido descoberta nos Montes Urais, na Rússia, em 1839, pelo mineralogista Lev Petrovski).
Esses 26%, explica Graeff, é o limite das células fotovoltaicas baseadas em um único material. Por questões de composição química, não se vai muito além disso. A associação do silício com a perovskita, em uma tecnologia chamada tandem, porém, aumenta a eficiência energética para 36%.
Não à toa o cristal promete revolucionar a produção de energia solar. Seu impacto, avaliam os especialistas, equivale ao da criação da primeira célula fotovoltaica de silício, em 1954, nos centros de pesquisa da empresa americana Bell Labs.
Os olhos dos capitalista de risco brilham. Fundada em 2020, pelo CEO Vijay Chandraeskhar e pelo CTO Joel Li, a startup singapurense Cosmos Innovation já levantou US$ 19,7 milhões. O último financiamento foi liderado pelo Xora Innovation, fundo da gigante chinesa Temasek, focado em “deep tech”.
O aporte contou ainda com a participação de pesos pesados do venture capital, como Innovation Endeavors, de Eric Schmidt, ex-CEO da Alphabet; Demis Hassabis, CEO da DeepMind; Tomaso Poggio, professor do prestigioso Massachussetts Institute of Technology (MIT), e o cientista da computação Richard Socher, CEO da You.com, entre outros.
O chamariz da Cosmos Innovation é sua inteligência artificial Mobius. A plataforma decuplica o tempo de criação das “receitas” com as melhores combinações entre os compostos de silício e de perovskita. O número de associações possíveis equivalem a cinco elevado a 72ª potência, nos cálculos da startup de Cingapura. Imagine fazer esses cálculos a mão? O tempo gasto com esse trabalho seria enorme.
Uma das vantagens da perovskita, segundo o professor da Unesp, é coeficiente de absorção de luz solar do cristal – “altíssimo, maior do que o do silício”, diz ele. Com isso, é possível produzir mais energia com menos material. O que torna os painéis ficam mais finos, leves e flexíveis. Enquanto as células de silício são medidas em micrômetros, as de perovskita, em nanômetros. Ao fim e ao cabo, o cristal tem uma pegada ecológica menor.
Até em relação ao preço, os dois materiais se equiparam. Entre 2010 e 2020, o custo médio global da eletricidade gerada por painéis fotovoltaicos caiu 85%, informa a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês). Hoje, um watt (W) gerado por uma placa solar gira em torno de US$ 0,27.
A principal desvantagem da perovskita é a sua instabilidade. De sua estrutura extremamente complexa, fazem parte alguns elementos orgânicos. Com isso, fatores externos, como umidade e até a própria luz, podem levar a reações que mudam a configuração do cristal. Em laboratório, uma célula fotovoltaica de perovskita funciona bem durante um ano e meio. A de silício, por sua vez, tem garantia de 30 anos.
Mas, se depender dos avanços tecnológicos registrados até agora com a perovskita, o problema da instabilidade deve ser resolvido em breve. Tanto que o professor Graeff calcula que em um ano a tecnologia deve estar disponível no mercado. E que mercado. Avaliado em US$ 193,5 bilhões, em 2022, deve fechar 2023 em US$ 217,4 bilhões. Em quatro anos, está previsto movimentar US$ 339 bilhões.