AUSTIN - Presença histórica nas quase quatro décadas do South by Southwest (SXSW), a ausência do Canadá este ano tem sido sentida por quem acompanha o evento de perto. A retirada da tradicional 'Canada House', anunciada semanas antes do início do festival, adiciona um novo capítulo às tensões comerciais entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o país vizinho.
Além da ausência do Canadá, participantes do SXSW também notaram uma redução no número de ativações de grandes marcas em comparação com edições anteriores, quando estiveram presentes a Samsung, Reddit e Amazon Prime, por exemplo.
Outra mudança perceptível foi nas áreas de ESG e mudanças climáticas, que tinham ocupado espaço relevante dentro do evento nos últimos anos, mas, nesta edição, ficaram em segundo plano. As discussões sobre inteligência artificial (IA), por outro lado, seguem em alta, refletindo as prioridades do mercado e tendências tecnológicas do momento.
Hugh Forrest, copresidente e diretor de programação do SXSW, diz que o evento, historicamente ligado à contracultura e ao pensamento progressista, deve se tornar ainda mais relevante diante do cenário atual.
"Estamos passando por tempos interessantes nos Estados Unidos. Mas esses tempos não mudam o foco do South by Southwest e, na verdade, acho que tornam nosso propósito mais relevante do que nunca", afirmou Forrest, em um evento fechado realizado pelo Itaú, patrocinador master do festival.
Se a política reforça o momento de tensão nos Estados Unidos, a programação do SXSW mantém o evento como um espaço para discussões sobre temas controversos. O amplo debate sobre os potenciais benefícios de drogas psicodélicas, mais uma vez presente no evento, reforça sua identidade de resistência cultural e inovação.
Mas é na cannabis que essa tensão se materializa. Enquanto a maconha medicinal continua altamente regulada no Texas, produtos derivados do cânhamo com efeitos psicoativos são vendidos livremente, inclusive em lojas, clubes e food trucks próximos às principais conferências do festival.
Esse contraste se deve a uma brecha na legislação federal. A Farm Bill de 2018 legalizou o cânhamo, permitindo a comercialização de compostos como Delta-8 THC e Delta-9 THC, que possuem efeitos similares à maconha tradicional, mas sem violar as leis estaduais mais rígidas.
Isso impulsionou um mercado alternativo no Texas, onde é possível encontrar produtos com THC em vending machines e até por delivery. O avanço contrasta com o perfil historicamente conservador do Texas, onde a legalização da cannabis enfrenta forte resistência política.
"O Texas tem uma das regulações mais conservadoras para a cannabis medicinal, mas também o maior mercado de derivados de cânhamo psicoativo do país", afirma Charlie Moctel, CEO da Cresco Labs.
Apesar do avanço na comercialização desses produtos, a fragmentação das leis estaduais cria um cenário desafiador para o setor. Cada estado estabelece suas próprias regras para cultivo, venda e consumo, impedindo um mercado nacional unificado e elevando os custos operacionais das empresas.
"Cada estado tem sua própria legislação e isso torna quase impossível operar em escala nacional. Não podemos transportar produtos entre estados, o que significa que cada mercado funciona de forma isolada, encarecendo tudo para o consumidor final", diz Safira Bishop, advogada especializada na indústria da cannabis.
*O jornalista viajou a convite do Itaú Unibanco