Prestes a completar 54 anos, o astrofísico paulista Rodney Guimarães tem uma certeza. O trabalho só faz sentido se tiver algum impacto social. Foi isso que o motivou a abandonar, em 2014, o pós-doutorado em biomedicina, na Universidade Politécnica de Valência, na Espanha, e voltar para o Brasil.
Retornou instigado pela médica Zilma Reis, professora do departamento de ginecologia e obstetrícia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Era outubro e a Fundação Bill & Melinda Gates lançara a chamada para o programa Grand Challenges, para financiamento de pesquisas brasileiras no tema “prevenção e manejo de nascimentos prematuros.”
A médica contou ao astrofísico que quanto mais precoce o bebê, mais fina é sua pele. Como Guimarães é especializado em ótica, Zilma quis saber se não daria para medir essa transparência - e, assim, ajudar a diminuir a mortalidade e a incidência de sequelas neuropsicomotoras em crianças pré-termo.
Anualmente, no mundo todo, um em cada dez bebês nasce antes de completar a 37ª semana de gestação. Desses 15 milhões de recém-nascidos, cerca de 1,1 milhão não sobrevivem. Deles, 965 mil vão a óbito antes dos 28 dias e os 125 mil restantes, do primeiro mês aos quinto ano – o que faz da prematuridade a principal causa de morte infantil, no mundo.
Conhecer o tempo de vida intrauterina do neonato torna-se, portanto, crucial para o prognóstico de sua evolução. Sem uma informação confiável, o problema pode ser ignorado, reduzindo as chances de sobrevida da criança. O padrão-ouro para determinar a idade gestacional é o exame de ultrassonografia obstétrica, realizado até a 12ª semana de gravidez.
Muitos países, porém, não dispõem de um programa de pré-natal adequado. O Brasil, por exemplo. Cerca de 55% das gestantes não fazem o ultrassom. Ou seja, os dados sobre o recém-nascido são limitados e imprecisos. Todos os anos, 340 mil crianças nascem, no país, antes do tempo; o equivalente a 12% do total de partos e um índice duas vezes superior ao registrado na Europa.
Guimarães fez as malas e veio embora. Em 2015, com os US$ 100 mil da ONG do cofundador da Microsoft, mais US$ 50 mil, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), a dupla deu início aos estudos. Três anos depois, eles tinham em mãos o primeiro teste do mundo projetado para determinar a idade gestacional de recém-nascidos.
Não invasivo e rápido
Batizado Preemie-Test, o dispositivo é não invasivo e lembra, em formato e tamanho, um termômetro digital. Por meio da reflexão da luz, uma LED infravermelha mede a maturidade da pele do recém-nascido, a partir do pé da criança.
Somadas ao peso do bebê, essas informações são analisadas por um algoritmo de inteligência artificial. Em três minutos, no máximo, sai o resultado. A precisão do Preemie-Test ultrapassa 90%, conforme estudo realizado com quase 800 bebês e publicado na revista científica Plos One.
O teste está aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, agora, discute-se sua incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, a inovação é vendida pela Olidef, especializada no desenvolvimento, produção e comercialização de equipamentos médico-hospitalares.
Quatro hospitais particulares manifestaram interesse na compra, conta ao NeoFeed, Everton Buzzo, diretor de marketing e inovação da companhia. O aparelho custa R$ 20 mil, cada.
Internacionalmente, o Preemie-Test é distribuído pela empresa Maternova. A tecnologia já está na Índia, Costa Rica, Guatemala, México, Colômbia, Trinidad e Tobago e Moçambique. O próximo passo é conseguir a aprovação para os mercados americano e europeu.
Em busca de precisão
Em geral, sem o ultrassom, a idade gestacional dos recém-nascidos é determinada com base na última menstruação da mulher, um cálculo bastante impreciso. Na sala de parto, o neonato é avaliado pelo peso, o que também é limitante.
Para aprimorar e agilizar a tomada de decisão dos profissionais de saúde, o Preemie-Test avalia também o amadurecimento dos pulmões do recém-nascido, estimando os riscos de complicações respiratórias, principal causa de morbidade entre prematuros.
“A maturidade da pele está diretamente relacionada à maturidade pulmonar”, explica Guimarães, ao NeoFeed. Mesmo entre os prematuros tardios, com idade gestacional entre 34 e 36 semanas, com peso adequado, a probabilidade de o bebê precisar de ventilação mecânica e medicamentos é nove vezes maior do que entre os nascidos a termo.
A avaliação baseada apenas no peso da criança pode privar de assistência a criança que ainda não está com suas funções pulmonares plenamente desenvolvidas. “E o bebê que recebe o surfactante sem precisar, pode vir a ter também problemas respiratórios”, completa o astrofísico.
Surfactante é o remédio usado para ajudar no amadurecimento dos pulmões de recém-nascidos. Normalmente, o tratamento requer três doses, a US$ 600, cada uma. Ou seja, o Preemie-Test pode ajudar ainda a racionalizar custos.
Apoio nacional e internacional
Para fabricar o teste, Guimarães fundou a BirthTech. A startup está sediada em Portugal, devido às facilidades de produção e exportação. A nova tecnologia tem atraído a atenção de instituições de financiamento públicas e privadas.
No Brasil, o Preemie-Test já recebeu o apoio do Fundo Nacional de Saúde, Fiocruz e BiotechTown, hub de inovação, sediado em Nova Lima, Minas Gerais. Entre os patrocinadores internacionais estão o Fundo Social Europeu, a ONG Grand Challenges Canada e o fundo português de capital de risco COREAngels/LC Ventures.