Instalado em uma área de dez mil metros quadrados, o galpão situado no número 360 da avenida Manuel Bandeira foi um dos primeiros a transformar a paisagem da Vila Leopoldina, bairro da zona oeste de São Paulo, ainda na década de 1950. Na época, a vizinhança, até então dominada por chácaras e olarias, ganhou, de fato, um perfil industrial.
Passados 70 anos de sua construção, o espaço ainda guarda resquícios que remetem ao tempo em que o local abrigava uma metalúrgica do grupo Votorantim. Mas, pouco a pouco, as tubulações e o pé direito de 15 metros ganham a companhia de novos elementos que sugerem uma nova vocação para o lugar.
Desde o fim de outubro, o galpão é o endereço do State, empreendimento que pretende se firmar como um novo hub de inovação na capital paulista. “Nossa ideia é atrair e conectar as áreas de inovação das grandes empresas, startups e laboratórios”, afirma Jorge Pacheco, idealizador e fundador do State.
O projeto vai além do conhecido eixo formado pelos arredores das avenidas Faria Lima, Berrini e Paulista, que hoje abriga boa parte das iniciativas nesses moldes, como o Cubo, do Itaú Unibanco, e o inovaBra, do Bradesco.
“Esse eixo já está saturado”, afirma Pacheco. “Está na hora da cidade expandir os seus limites. Nós acreditamos que a Vila Leopoldina tem tudo para abrigar esse novo circuito. E queremos ser um dos protagonistas desse movimento.”
Alguns elementos sustentam essas perspectivas para o bairro. Um primeiro componente são os custos de locação, em média, 20% menores se comparados aos das regiões citadas. Nesse cenário, a Vila Leopoldina atualmente já é a sede de agências de publicidade, produtoras de audiovisual e de outras empresas da indústria criativa.
A proximidade da USP e de polos como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia), são outro aspecto citado. Bem como o fato de a região estar no centro de um projeto do governador João Doria, batizado de Citi, que planeja transformar a área hoje ocupada pelo Ceagesp em um grande hub de inovação.
Esse contexto ganha ainda um reforço com um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) proposto pelo grupo Votorantim, dentro das possibilidades abertas pelo Plano Diretor Estratégico da cidade, aprovado em 2014. Em fase de consulta pública, a iniciativa prevê um investimento de R$ 180 milhões para revitalizar o bairro.
Paixão à primeira vista
O projeto do State começou a tomar forma quando Pacheco, à frente da Plug, empresa de coworking do qual é sócio-fundador, era responsável pela gestão operacional do Cubo. “Na época, fui procurado por várias empresas interessadas em montar o seu próprio Cubo”, explica. “As primeiras conversas evoluíam bem. Mas, em um segundo momento, não avançavam, por diferentes motivos.”
A Vila Leopoldina atualmente já é a sede de agências de publicidade, produtoras de audiovisual e de outras empresas da indústria criativa
Com a ideia na cabeça, ele passou a buscar espaços que pudessem abrigar diferentes iniciativas desse porte em um mesmo local. Em março de 2017, Pacheco conheceu o galpão da Votorantim. “Foi paixão à primeira vista”, conta. Até então, o destino da estrutura, desativada desde 2012, era a demolição, como parte dos planos de revitalização desenhados pelo grupo.
Pacheco convenceu a empresa, por meio da Votorantim Empreendimentos Imobiliários, a “comprar” o projeto. No acordo, o State tem um contrato de locação com validade de dez anos, renovável por mais dez anos ao fim desse período.
Como dono do galpão, o grupo Votorantim ficou responsável por boa parte das reformas, dentro de um projeto concebido pelo State, que prevê a ampliação do espaço para 20 mil metros quadrados.
As demais mudanças incluídas ficaram sob responsabilidade do State. Para isso, o hub atraiu quatro investidores, por meio da Sangha Investments, gestora da qual Pacheco é sócio-fundador. O aporte na iniciativa não é revelado.
Em operação parcial desde outubro, o State tem inauguração oficial programada para fevereiro. Com sete mil metros quadrados, a primeira fase das obras já foi entregue. A previsão é de que todo o espaço estará pronto até junho de 2020.
Não é apenas na localização que o hub pretende se diferenciar de outras iniciativas. Mas também na proposta. “Queremos dar um grande foco em questões como indústria 4.0, hard science e deep tech”, diz Pacheco. “Nossa ideia é aproximar o chão de fábrica do consumidor final.”
O escopo inclui, por exemplo, equipamentos para a prototipagem de produtos e laboratórios de biotecnologia. “Todos os outros hubs têm muito valor, mas ainda são muito centrados no digital”, afirma o empreendedor. “Eu coloco qualquer máquina aqui dentro. Não importa o peso, a carga de energia, a logística.”
Para Pacheco, o fato de o galpão ser uma estrutura horizontal, em um contraste com os prédios de seus pares, também favorece a maior conexão entre as empresas residentes. Ao mesmo tempo, diz ele, esse cenário permite que todos, e não apenas o hub em si, tenham protagonismo.
Planos e desafios
Hoje, o State abriga 200 pessoas, entre elas, as equipes de startups como PicPay, Flag e Emerge. A partir de janeiro, o local já tem programadas as chegadas de novas companhias. A lista inclui nomes como a Atech, empresa controlada pela Embraer.
Hoje, o State abriga 200 pessoas, entre elas, as equipes de startups como PicPay, Flag e Emerge. A partir de janeiro, o local já tem programadas as chegadas de novas companhias
Um dos destaques, no entanto, é o projeto La Fabrique, projeto capitaneado por um grupo de empresas francesas formadas por BNP Paribas, Carrefour, Edenred e Ingenico.
A princípio, a iniciativa vai ocupar um espaço de mil metros quadrados, que será compartilhado por essas companhias e por startups que estejam dentro de suas áreas de interesse. A escolha dessas novatas contará com a curadoria do State.
Em uma das frentes, o BNP Paribas já fechou uma parceria com a Endeavor para desenvolver um programa de aceleração de fintechs nessa estrutura.
Outro projeto do State, ainda em fase de negociação, envolve uma empresa israelense, de nome não revelado. A parceria prevê a montagem de um ambiente de simulação de ataques cibernéticos. “Estamos tentando atacar tudo o que não está sendo explorado como deveria no Brasil”, diz Pacheco.
Nessa direção, o hub tem encontrado dificuldades para avançar no pilar de indústria 4.0. Apesar do interesse demonstrado por diversas empresas, o STATE ainda não conseguiu assinar, de fato, nenhum contrato para a instalação de espaços voltados a esse segmento.
“Ainda estamos esbarrando nos baixos orçamentos de inovação e nas incertezas que dominam a indústria, que foi bastante afetada pela crise”, diz o empreendedor.
Para driblar esse desafio, uma das estratégias é focar na indústria farmacêutica, que, na visão de Pacheco, vive dias mais favoráveis na comparação com outros setores. Para isso, o State está formatando um projeto e vai buscar patrocinadores para a montagem de um grande laboratório de biotecnologia.
Nesse processo, o hub já selecionou oito startups da área, que desenharam o layout do espaço e selecionaram todos os equipamentos necessários. A proposta é que essas novatas compartilhem o laboratório com as companhias farmacêuticas patrocinadoras.
Além de abrigar eventos, os planos do hub passam ainda pelo uso do prédio de três andares anexo ao galpão, para a instalação de laboratórios, salas de reunião e espaços para cursos. Nesse âmbito, já há conversas com instituições como o IPT, Cietec e a Escola Politécnica da USP.
Inspirado em outros hubs distribuídos pelo mundo, como o New Lab, de Nova York, e, em especial, o Station F, de Paris, o State também prepara outros atrativos. A ideia é aproveitar o espaço para abrigar uma galeria de arte digital, espaços gastronômicos e também exposições e outros eventos culturais.
“Queremos que o hub seja um destino e que qualquer pessoa venha até aqui com a expectativa de ver algo novo”, afirma Pacheco. “É um grande desafio, mas estamos trabalhando para que o State se torne uma referência. E se chegarmos a esse patamar, o caminho natural é a expansão para outros locais.”
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