Um dos principais fóruns de discussão do mundo sobre direitos humanos, diversidade, meio ambiente e governança, o chamado SDGs in Brazil, promovido pelo Pacto Global no Brasil, aconteceu na semana passada e antecede a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, com abertura na terça-feira, 19 de setembro.

Tive a honra de participar e pude debater, junto a lideranças de diversos setores, temas urgentes para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Agenda 2030.

A educação, tema central que move a nossa agenda, integrou o evento – mas de forma indireta, o que acende um sinal amarelo sobre o protagonismo que a pauta merece ter em um encontro dessa magnitude e projeção.

Os ODS foram estabelecidos na Cúpula das Nações Unidas, em 2015, e têm por ambição estabelecer os principais desafios de desenvolvimento mundial para promover pautas econômicas, ambientais e sociais para que todas as pessoas desfrutem de um futuro de paz e prosperidade.

A agenda é composta por 17 objetivos e 169 metas para envolver governos, empresas e a sociedade para construir e promover ações que viabilizem o alcance das metas propostas até 2030. Os objetivos se dividem em diferentes áreas como acesso à educação e saúde de qualidade, igualdade de gênero, segurança alimentar, sustentabilidade.

No centro financeiro mundial, houve discussões sobre a preservação do planeta e de como direitos básicos podem ser garantidos a todos. O evento promoveu o intercâmbio multilateral de ideias, mostrando como as organizações e líderes estão atuando com iniciativas para acelerar a adoção da Agenda 2030.

Em especial, os painéis apresentaram importantes provocações sobre a urgência da mudança e apontaram caminhos potenciais de ação, trazendo tendências e referências. Os dados mostram que não há mais tempo para esperar que as empresas e a sociedade atuem em boas práticas em prol do planeta, cada um tem um importante papel nessa transformação que precisa acontecer.

Para mudar precisamos também pensar sobre qual o futuro que queremos construir e seus impactos, o que envolve uma mudança de mentalidade para priorizar a visão de longo prazo e estar dispostos a correr mais riscos e fazer investimentos mais estratégicos e intencionais.

A preocupação com a sustentabilidade foi o foco principal do encontro - que levou o tema para o palco principal e contou com salas específicas de Meio Ambiente e Amazônia - abordando desde a sensibilização sobre a riqueza da nossa biodiversidade, até o potencial de desenvolvimento para novas economias.

Transversal a todas essas transformações, teve destaque também a pauta dos direitos humanos, presente na fala das lideranças na abertura e ao longo da condução do evento, desde o cuidado com a presença de pessoas diversas, especialmente no que tange à gênero e raça.

Entre painéis sobre o “amanhã”, meio ambiente e direitos humanos, uma notória falta de ênfase: o debate sobre educação. Parece consenso que o tema também é uma causa transversal que cria bases para cidadãos que contribuam com os ODS e suas bandeiras. O tema não deixou se ser apontado, mas seria importante aprofundar em mais painéis sobre o impacto para a educação formal, inclusive em sala de aula, e sobre como mobilizar as futuras gerações. Qual teria sido o impacto se as lideranças atuais tivessem sido preparadas e sensibilizadas desde cedo?

Ao olharmos para a educação, constatamos que a área financeira ainda é uma frente bastante sensível. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), mostra que o Brasil está em 17º no ranking de letramento financeiro entre os 20 países analisados, e segundo levantamento do Serasa, em maio deste ano, há uma parcela de 8,6 milhões de jovens entre 18 e 25 endividados. Além disso, há dados que demonstram o impacto das finanças na vida pessoal, atualmente 97% dos brasileiros têm dificuldade em lidar com o próprio dinheiro e 49% evitam até mesmo pensar em dinheiro para não ficar triste. A má relação com o dinheiro pode levar à ansiedade, depressão e problemas nos relacionamentos. Estes fatos fortalecem a percepção da importância de conversar desde a infância sobre a relevância da educação financeira para que essas pessoas cresçam com maior autonomia.

Os desafios que enfrentamos são complexos e não possuem uma saída simples, exigem ações sistêmicas e coordenadas, que envolvam olhar para as raízes, que vão desde a forma com que as organizações atuam até o comportamento dos indivíduos, o que inclui um importante fator cultural.

No Brasil os desafios com a educação afetam de diferentes maneiras os ODS, e por isso precisam ser priorizados. No geral, o país ainda investe menos do que as nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o relatório recente Education at a Glance, publicado na semana passada, o Brasil investiu em 2020 cerca de R$ 21,5 mil por estudante, em média, considerando a trajetória do ensino fundamental até o superior, enquanto os países da OCDE, mais que o dobro, ou R$ 57,8 mil, na mesma base de comparação. Sem uma mudança cultural fica mais difícil conseguir sustentar mudanças estruturais e consistentes como precisamos, e elas exigem o trabalho desde a base.

Não à toa, uma das principais agendas da área é a de como a educação contribui com a forma como o brasileiro se relaciona com o dinheiro, ainda um grande tabu no país, a começar pelas escolas. É preciso garantir que o tema esteja na pauta global, para que todos tenham acesso à educação financeira desde cedo. Só assim é possível uma mudança cultural profunda, que permita que crianças e jovens desenvolvam competências socioemocionais, de cidadania e confiança.

Independente de setor ou indústria, porte ou recursos, todas as organizações e cidadãos, em seus diferentes papéis, devem contribuir para que a transformação aconteça, desde já. É urgente fazermos essa mudança, e precisamos da articulação e colaboração de todos os setores da sociedade, e a nível global, para que a pauta tenha no debate público o tamanho transformador que ela tem na vida das pessoas.

*Gabriela Torquato é head do Instituto XP e trabalha há mais de 10 anos como liderança em organizações de impacto social. Também é responsável pelos investimentos sociais do grupo XP Inc., professora da XP Educação e de outras instituições.