De que é feita a moda? De roupas, vocês podem pensar de imediato e, sim, estão certos. Também. Mas um breve passeio pela exposição “A Arte da Moda – Histórias Criativas”, em cartaz no Farol Santander, no centro de São Paulo, até o dia 4 de abril, permite vislumbrar que a moda significa também vanguarda, trabalho artesanal, arte, rupturas e emoções.
Já na entrada – em uma linha do tempo que começa em 1850 e vai até os dias de hoje – o espírito de vanguarda fica evidente. Afinal, se por um lado, desde tempos imemoriais as pessoas precisaram proteger e cobrir seus corpos, por outro a moda como sistema baseado em novidades sazonais tem uma data (quase) certa de nascimento.
Foi na década de 1860 que o britânico Charles Frederick Worth decidiu que seu ateliê – na Place Vendôme, em Paris – não era lugar de reproduzir os mesmos vestidos de sempre. Ele queria mesmo criar – e, além de roupas, criou a figura das manequins, já que sua esposa e musa, Marie Vernet, desfilava modelos pela loja.
O espírito de vanguarda percorre essa linha do tempo e chega aos anos 80, nos plissados do estilista japonês Issey Miyake, que combinam vanguarda e um trabalho artesanal impressionante. O feito à mão, a propósito, é a alma de uma moda exclusiva – que, quando é criada em Paris e segue uma série de critérios, pode ser considerada Alta Costura.
É o feitio artesanal que faz com que um vestido de Alta Costura custe algo em torno de 25.000 euros enquanto uma calça em uma rede fast fashion como H&M saia por menos de 20 euros. É também a raridade de uma peça costurada ponto a ponto por mãos hábeis e muito bem treinadas que cria uma atmosfera de luxo.
Enquanto a Riachuelo produz cerca de 150 milhões de peças por ano, a Dior dedica semanas inteiras (ou quase 1.000 horas de trabalho) ao corte, aos bordados, às aplicações de rendas e à montagem de um único vestido.
E, nesse quesito do savoir-faire artesanal, como mostra a exposição, o Brasil tem representantes à altura. Se a capital francesa tem o atelier Lésage (que faz os bordados da Chanel), aqui temos a paranaense Fernanda Nadal e as técnicas do belíssimo bordado Lunéville.
Se Lyon é conhecida por suas seculares tecelagens de seda, o sul de Minas Gerais tem tecelãs reunidas pelo artesão carioca Renato Imbroisi no projeto Muquém, que, em teares igualmente seculares, reinventa o resíduo têxtil da Sissa, marca de Alessandra Affonso Ferreira, e cria tecidos completamente originais e sustentáveis.
As peças fazem parte dos 170 itens em exposição, alguns deles exibidos pela primeira vez. É o caso da capa branca em brocado forrada de veludo e do corset criados por Paul Poiret para o vestido usado por Tarsila do Amaral em seu casamento com Oswald de Andrade, em 1926.
Poiret também é autor da roupa vermelha que Tarsila usa no quadro “Autorretrato em Manteau Rouge” (1923). “Os ateliês de alta-costura conquistaram as mulheres de vanguarda que circulavam em Paris nos anos 20: Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Yolanda Penteado eram assíduas do meio cultural e dos ateliês franceses, e abriram caminho para trocas na moda e nas artes”, diz Giselle Padoin, curadora da mostra.
Nos dois andares que a mostra ocupa, são as roupas e acessórios que mais chamam a atenção dos visitantes: dos vestidos da francesa Rhodia nos anos 60 e 70 à alta-costura da Dior em 2019, passando pelo icônico sapato bicolor da Chanel.
Mas, de novo, não é só sobre cortes e tecidos. É sobre Dior, um mestre costureiro mostrando para a mulher em 1947, em um mundo pós-guerra, que ela podia voltar a se encantar com o que vestia.
É sobre Chanel, uma mulher quase subversiva transformando o guarda-roupa masculino em peças femininas, leves e cheias de liberdade de movimento há exatamente um século.
É sobre Jum Nakao, apresentando na SPFW em junho de 2004 “A Costura do Invisível”, coleção-performance com requintes de alta costura toda criada em papel e... rasgada ao final. É sobre rupturas. É sobre inspiração.
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