Zurique - Javier Bardem é contra a “volta à normalidade” mesmo quando a pandemia do novo coronavírus acalmar. O ator espanhol está entre as personalidades que lançaram um manifesto pedindo mudanças no estilo de vida e no consumo, diante da crise global da Covid-19.

Publicado no jornal francês “Le Monde”, o apelo foi assinado na última semana por Bardem, Madonna, Juliette Binoche, Cate Blanchett, Robert De Niro e outros. Nomes do mundo científico, como o astrofísico Aurélien Barrau e o físico Albert Fert, também defendem a revisão de “objetivos, valores e economias”.

“O mundo inteiro é ator e produtor desse filme. E aqui não há Dwayne Johnson nenhum capaz de nos salvar”, brinca Bardem, referindo-se ao ator de filmes de ação. “Nós todos somos protagonistas agora. Por isso, precisamos mudar o roteiro”, completa o ator de 51 anos.

No manifesto intitulado “Não ao retorno ao normal”, Bardem e os demais reconhecem que a pandemia da Covid-19 é uma tragédia. “Essa crise, no entanto, tem uma virtude por nos convidar a enfrentar as questões essenciais”, diz o grupo, no texto com cerca de 200 assinaturas.

“A avaliação é simples: os ‘ajustes’ não são mais suficientes, o problema é sistêmico”, afirmam os signatários. Eles alertam que o “atual desastre ecológico” faz parte de uma “metacrise”. E lembram que a “extinção maciça da vida na Terra não está mais em dúvida”.

Na carta, artistas e cientistas lembram ainda que “o consumismo nos levou a negar a própria vida: a das plantas, a dos animais e a de um grande número de seres humanos”. Para eles, a poluição, o aquecimento global e destruição de espaços naturais levam o mundo a um “ponto de ruptura”.

“A crise climática está muito mais rápida do que os especialistas previam há cinco anos”, conta Bardem, em entrevista ao NeoFeed, em Zurique, na Suíça. “Não se trata mais apenas de reciclar. Para parar o trem, que segue em alta velocidade, é preciso injetar dinheiro para mudar o sistema geopolítico e econômico do planeta.”

“A crise climática está muito mais rápida do que os especialistas previam há cinco anos”, diz Bardem

O primeiro espanhol a conquistar um Oscar, por “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007), de melhor ator coadjuvante, é embaixador do Greenpeace desde 2018. No ano passado, o ator discursou na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, pedindo um tratado global para proteger os oceanos.

A preocupação ambiental atualmente também norteia o seu trabalho na indústria do entretenimento. No ano passado, ele produziu e protagonizou o documentário “Sanctuary”, para o serviço de streaming da Amazon (a data da première no Brasil ainda não foi definida).

Com direção de Álvaro Longoria, o filme segue Bardem e seu irmão mais velho, o ator e escritor Carlos Bardem, em viagem pela Antártida. Sob condições climáticas extremas, eles observam a paisagem glacial, colônias de pinguins, baleias e ainda exploram a vida subaquática da região.

A bordo de um pequeno submarino, os irmãos acompanham uma expedição científica que identifica as espécies afetadas pelas mudanças climáticas. A ideia por trás do documentário é a criação do maior santuário marítimo que a Terra já viu.

“Não quero que meus filhos façam cobranças mais tarde, quando tiverem 18 ou 20 anos”, conta Bardem. Ele é pai de Leonardo e Luna, de nove e seis anos, da união com a atriz Penélope Cruz. “Eles me perguntarão: você sabia da crise ambiental e não fez nada a respeito?”

O caráter ecológico também está presente em seu próximo filme hollywoodiano, “Duna”, com lançamento previsto para 18 de dezembro. A princípio, a data não foi alterada pela crise do novo coronavírus, que mantém fechada a maioria das salas de cinema ao redor do mundo.

A aventura de ficção científica é inspirada no livro homônimo de Frank Herbert (1920-1986), que vislumbra um planeta deserto. O povo de Arrakis (também conhecido como Duna) precisa de roupas especiais para sobreviver em condições tão áridas.

Os trajes de Stilgar, personagem de Bardem, foram desenhados para absorver e reciclar tudo o que sai do seu corpo, como suor, saliva, urina e fezes. Isso para que o material coletado seja transformado em água.

“Apesar de o livro ter sido publicado nos anos 60, o escritor já tinha essa preocupação. O que Frank mostra aqui pode ser a nossa realidade em 30 anos”, alerta o ator.

A culpa pelo descaso ambiental pode ser atribuída, em parte, a nós mesmos, na visão de Bardem. “Nossas mentes não processam bem o conceito de extinção, criando uma barreira. Ainda bem que a geração mais jovem consegue imaginar o fim, por ela não ter tanto apego ao sistema que nós criamos.”

Bardem elogia o trabalho da ativista ambiental sueca Greta Thunberg, de 17 anos. “A juventude tem o poder de mudar, por eles serem os futuros consumidores e eleitores”, afirma o ator, que lamenta os ataques recebidos por Greta de presidentes como Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Em dezembro, Bolsonaro chegou a chamar a ativista de “pirralha”, por Greta defender indígenas após assassinatos no Maranhão. “Ela assumiu uma grande responsabilidade e pressão, enquanto cabeças vazias, como as de Trump e Bolsonaro, a insultam.”

Bardem continua: “Eu já sabia que eles eram nojentos, mas é demais vê-los confrontando uma menina que só está dizendo ‘pare’. Ela só quer que eles parem e ouçam os jovens que sentirão as consequências do que eles fazem hoje”, diz o ator, que é apaixonado pelo Brasil.

No início dos anos 1990, Bardem passou uma longa temporada em Búzios, no Rio de Janeiro, onde o irmão Carlos tinha um bar. “Mas depois do que falei aqui, acho que não serei mais bem-vindo no país”, diz ele.

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