A região de Rioja, localizada ao Norte da Espanha, é a denominação de origem de vinhos mais antiga da Espanha, criada em 1925. Ela está no nível mais elevado da pirâmide qualitativa, com status de DOCa (Denominación de Origen Calificada), tendo ao lado apenas o Priorato.

Apesar de toda essa tradição e qualidade, que inclui vinícolas renomadas como La Rioja Alta, Marques de Murrieta, Marques de Riscal, Muga e Contador, as vendas não estão bem há tempos. Desde 2017, elas caíram 20%, para 229,8 milhões de litros. As exportações sofreram menos e tiveram uma queda de 11,8% no mesmo período, para 95,5 milhões de litros.

Para recuperar a região vinícola mais tradicional da Espanha, a DOCa Rioja, entidade que controla a denominação de origem dos vinhos produzidos em Rioja, partiu para uma estratégia pouco usual: contratou a KPMG, consultoria que tradicionalmente ajuda grandes empresas em projetos de reestruturação.

O plano da KPMG partiu de algumas premissas, definidas pelos próprios produtores da região. As principais eram limitar a área para se plantar novos vinhedos, estabelecer preços para viticultores terem uma renda justa com as uvas e concentrar os esforços na promoção da imagem dos vinhos no exterior.

Por conta disso, a meta é registrar um salto de 44% nas exportações nos próximos cinco anos, saindo de 95,5 milhões de litros, em 2020, para 137,2 milhões de litros, em 2025. Em dezembro de 2020, a consultoria entregou o relatório final do projeto, que já leva em conta os efeitos da pandemia e traz quatro pilares: qualidade, sustentabilidade, digital e turismo.

“Nesse tipo de trabalho não há milagres ou soluções mágicas”, afirma Raquel Presa González, que atua na DOCa Rioja. “Temos uma cadeia produtiva unida, onde a grande maioria se compromete com as execuções dos processos necessários para chegar lá.”

Os pilares de sustentabilidade e digitalização do plano estratégico 2025 de Rioja, por exemplo, foram inspirados e estão alinhados com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da agenda 2030 da ONU e com o plano Next Generation EU e seus fundos financeiros de apoio.

“A KPMG nos ajudou a diagnosticar as frentes de atuação em cada pilar definido e sistematizar a rota para cada um deles”, afirma Raquel. “Além de colocar no papel a função de cada um dos muitos stakeholders da cadeia produtiva do vinho”.

Para que as vendas somadas do mercado interno e externo saiam de 229,8 milhões de litros, em 2020, para 312,5 milhões de litros, em 2025, o Conselho Regulador de Rioja conta com orçamento anual médio de € 16 milhões (mais de R$ 100 milhões).

Levando-se em conta a venda somada do mercado interno e externo, a meta é sair de 229,8 milhões de litros, em 2020, para 312,5 milhões de litros, em 2025

No pilar da qualidade, além dos já consolidados estilos Rioja Crianza, Reserva e Gran Reserva, onde o longo tempo mínimo de amadurecimento já representa um filtro de qualidade (um Gran Reserva tinto só pode ser comercializado no sexto ano após a colheita), a nova qualificação “Viñedos Singulares”, criada em 2019, promete mais um salto qualitativo nos vinhos.

Viñedos Singulares trazem o conceito de “single vineyard” para Rioja, onde o nome do vinhedo, uma vez aprovado pelo Conselho, pode ser estampado no rótulo do vinho. Para tanto, o vinhedo deve ter ao menos 35 anos de idade, a colheita deve ser manual e o rendimento 20% menor em relação à média autorizada para os vinhos regulares de Rioja, entre outos requisitos.

O plano também prevê a certificação orgânica de 5% dos vinhedos da região. Hoje, apenas 1% possui certificação orgânica. Outra meta estipula que cerca de 20% dos vinhedos sejam mantidos com idade superior a 40 anos.

O projeto também sugere aumentar a produção de espumantes, brancos e rosés. Os vinhos brancos foram apontados com maior potencial de crescimento de vendas - 12% em volume até 2025 - mostrando que se trata de uma região completa na excelência dentro dos diversos estilos de vinhos.

Já no quesito sustentabilidade, a ideia é alcançar uma redução de 50% no uso de produtos fitossanitários no campo; diminuir em 10% a emissão de carbono na cadeia produtiva do vinho; e facilitar os contratos plurianuais de compra de uva, dando maior segurança e estabilidade aos viticultores.

Sobre a digitalização, Raquel comenta que esse “é um pilar transversal”, que implica tanto na rastreabilidade de cada garrafa de vinho (muitos registros ainda são manuais e apenas em papel), até uma nova interface no site da denominação de origem.

Também estão previstos o investimento na capacitação das vinícolas e o acesso às plataformas de venda online, além de ações de promoção para canais digitais nos mercados prioritários de exportação: Estados Unidos, Inglaterra, China, Alemanha e Japão.

Apesar das dificuldades de 2020, quando as vendas totais dos vinhos de Rioja caíram 10,2%, a exportação foi justamente o destaque. A região viu as vendas crescerem em dois países dessa lista de principais mercados no exterior, os Estados Unidos e a Inglaterra.

No caso do mercado americano, o valor exportado cresceu 8%. Já no britânico, as exportações avançaram 18% no período, respondendo, em valor, por um terço dos rótulos de Rioja destinados a outros países.

Em 2020, o Brasil ocupou a 22ª posição no ranking dos países importadores dos vinhos de Rioja, com 0,40% do volume total exportado pela região.

No ano passado, a região viu as vendas crescerem em dois países da lista de principais mercados no exterior, os Estados Unidos e a Inglaterra

Já na área de turismo, a meta do plano para 2025 é que Rioja receba 1,2 milhão de visitantes. “Sabemos que os visitantes buscam história e gastronomia, além de conhecer o terroir onde os vinhos são produzidos”, afirma Raquel.

Em 2019, Rioja recebeu 858 mil visitantes, sendo 52% deles estrangeiros e que gastam em média 42 euros em uma vinícola. Já em 2020, com os impactos da pandemia, foram 343 mil turistas.

Enquanto as viagens são restritas, é possível conhecer, no Brasil, duas feições de Rioja, cuja uva mais importante é a Tempranillo. Mas há outras castas usadas para a produção dos vinhos, como Garnacha Tinta, Viura, Mazuelo e Graciano. Esses dois vinhos mostram uma face tradicional e outra moderna da região vinícola mais importante da Espanha.

A linha Viña Tondonia

O maior símbolo da Rioja tradicional é a vinícola López de Heredia, conhecida por muitos apenas pela sua emblemática linha Viña Tondonia. Fundada em 1877, Tondonia é um cult para enófilos. Seus brancos são raros de encontrar em qualquer parte do mundo e seus tintos denotam a qualidade e paciência envolvida na produção.

O Reserva Tinto 2007, por exemplo (R$ 755,89 e recém-chegado na Mistral), estagia por seis anos nos tonéis de carvalho e mais dois anos na garrafa, antes de ser liberado ao mercado, período muito superior ao mínimo pedido pelas regras da DO.

Do lado moderno, e tão celebrado quanto o anterior, estão os vinhos de Olivier Rivière. O francês, nascido na região de Cognac, trabalhou no Domaine Leroy antes de empreender em Rioja.

Em nenhum dos rótulos de Rivière encontra-se os termos crianza, reserva ou gran reserva. Em seu lugar, estão os nomes dos vinhedos ou dos vilarejos, como Pozo Alto, Viñas de Eusebio ou La Bastid. Esse último, um branco (R$ 415, safra 2018, na Clarets) que justifica a aposta do Conselho Regulador nesse estilo de vinho.