Há muitos anos discutimos no ecossistema de empreendedorismo brasileiro a prática de mover o controle do negócio para o exterior, com estruturas em Delaware e Cayman. Esse arranjo visa possibilitar rodadas de captação com grandes fundos estrangeiros e movimentos de IPO, M&A, montagem de planos de stock options e sell sides.
Mas, da mesma forma, ouvimos histórias de empreendedores que, por falta de conhecimento, sofreram com sérios riscos jurídicos e econômicos em momentos decisivos da sua jornada, como o exit. A história pode ficar mais complicada quando vemos que o Brasil tem uma nova lei de offshores, em vigor desde janeiro deste ano e publicada pela Receita Federal em abril.
Com base nos insights de especialistas jurídicos do ecossistema de tecnologia, a Endeavor produziu um estudo sobre os impactos da taxação de offshores, que decodifica essa nova Lei e dá impressões sobre como ela está em relação a outros países.
Destaco as principais conclusões e seus impactos:
A Lei não está alterando a dinâmica do ecossistema: As novas normas tornam a manutenção de uma estrutura mais cara, tanto em termos de tributação quanto de compliance. Porém, isso não tem sido suficiente para empresas com um captable complexo repensar a estrutura.
A Lei segue uma tendência internacional: segundo dados da OCDE, mais da metade dos países atualizaram suas normas nos últimos 15 anos. Entre 130 países, 50 tributam offshores, principalmente países de média e alta renda. Na América Latina, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México tributam — todas economias com ecossistemas vibrantes de inovação.
A norma tributária não está fora do padrão internacional, com devidas precauções. É necessário um nível de controle do capital social de pelo menos 50% para ser tributado, mesmo nível adotado nos Estados Unidos. Contudo, nossa Lei é mais exigente sobre a composição da carteira da offshore: entidades que tenham a partir de 40% de renda passiva serão tributadas, enquanto o limite tolerado nos EUA é de 75%.
O principal ponto de atenção é a tributação automática: no final de cada ano, 15% dos lucros da offshore serão tributados em nome do sócio brasileiro, mesmo que o valor não tenha sido efetivamente disponibilizado. Isso é um risco principalmente para (i) empresas lucrativas, (ii) com investimentos de portfólio ou (iii) que não optem pelo regime de transparência.
O regime de transparência é uma opção que a Lei dá para o sócio declarar a offshore no Imposto de Renda, mas como tudo nesse universo é baseado em “talvezes”, isso deve ser analisado com muita calma, pois uma vez feita, a decisão é irrevogável.
Há redução na tributação de mútuos conversíveis (SAFEs), um instrumento relevante para investimentos em estruturas latino-americanas que podem se tornar listadas publicamente. Anteriormente, a alíquota do Imposto de Renda variava de 15% a 22,5%. Com a Lei, passa a ser 15% em qualquer caso.
Para um investidor estrangeiro, o impacto não é significativo, pois as regras valem para pessoas físicas residentes no Brasil. Porém, há um possível impacto dos custos indiretos da manutenção da companhia no exterior, em conjunto com os investidores brasileiros.
Para um investidor minoritário, não há muito com o que se preocupar. A nova Lei reduz o Imposto de Renda para saídas de até R$ 5 milhões. Além disso, o minoritário não é afetado pela tributação automática.
Gustavo Cruz é diretor do Scale-Up Ventures, fundo de venture capital early-stage da Endeavor