Nos últimos anos, a sensação que boa parte dos empreendedores tinha era: parece que só eu que não estou virando unicórnio. O que era para ser uma maratona, no jogo de longo prazo que é o empreendedorismo, parecia ter virado uma corrida de 100 metros. Já não bastava mais virar unicórnio, tinha que ser em tempo recorde: menos de três anos, menos de dois, e até menos do que um...
Os últimos acontecimentos no mercado, com a queda vertiginosa das ações das empresas de tecnologias, mostraram que a festa, pelo menos do jeito que estava sendo dançada, acabou. A Conferência Brazil at Silicon Valley, que reuniu nesta semana no Vale do Silício boa parte dos principais empreendedores de tecnologia do Brasil, juntamente com os principais fundos brasileiros e alguns americanos, reforçou isso, porém com alguns sinais interessantes para quem notou nas entrelinhas e nos bastidores.
Fundos de venture capital brasileiros ainda têm bastante capital para ser alocado em startups, frutos das fortes captações dos últimos anos. Eles, porém, afirmam que vão alocar de forma criteriosa. O “FOMO” (Fear of missing out, o medo de ficar de fora) dá lugar à racionalidade. Não há pressa para investir e a recomendação aos empreendedores é cuidar muito bem do caixa. Mas ficarão de olho para aproveitar as boas oportunidades, ou seja, empresas que crescem bastante, porém de forma eficiente, palavra pouco lembrada nos últimos anos.
Outro olhar interessante que chamou a atenção na conferência foi a afirmação, vinda de alguns fundos americanos importantes, de que as startups brasileiras estão no radar e vão continuar mesmo com esse cenário. Possivelmente seja o momento de se posicionar ainda mais em nosso mercado. Talvez o contrário do esperado. Explico a seguir.
Kevin Efrusy, um dos principais investidores de tecnologia do mundo através da Accel, e um apaixonado pelo Brasil, falou no palco que a oportunidade no País é muito grande, por conta de tantos problemas que temos. Lembrou que, de tempos em tempos, uma nova tecnologia abre uma grande avenida de novos negócios, como foi com os computadores pessoais na década de 1970 e, mais recentemente – ou não tão recente –, os smartphones e as redes sociais, que permitiram uma avalanche de negócios que se beneficiaram dessas criações.
Acontece que, no início desses ciclos, aparecem os melhores negócios. E, com o tempo, vai ficando mais difícil e mais caro pegar essa onda, o que observamos nesse exato momento. Isso dura até que alguma nova plataforma seja criada por alguém com 19 anos e abra uma nova avenida de oportunidades.
No Brasil, no entanto, os problemas são tantos, que as oportunidades seguem firmes como nunca, e provavelmente melhores do que nos países desenvolvidos. Efrusy ainda encorajou os brasileiros a criarem negócios a partir dos problemas locais, no lugar de replicar modelos de negócio de sucesso americanos.
Com o capital ainda disponível, mesmo que de forma mais criteriosa, resta aos empreendedores fazerem a sua parte. Ajustes serão necessários
Com o capital ainda disponível, mesmo que de forma mais criteriosa, resta aos empreendedores fazerem a sua parte. Ajustes serão necessários. As startups que captaram até três rodadas de investimento no mesmo ano e viraram unicórnios quase que do dia para noite, é provável que precisem ajustar bem as velas para seguirem navegando firme. Quem mais se aproveitou da festa são os que mais devem corrigir a rota, pois não haverá capital para sustentar o mesmo ritmo de gastos.
O dinheiro não vai mais aceitar desaforo. Pelo menos, não como antes. Voltaremos a falar em modelos de negócio de SaaS (Software as a Service) no lugar do CaaW, o Capital as a Weapon (Capital como uma Arma), piada recorrente nos últimos anos dada a abundância de capital e o tamanho das rodadas de investimento.
A maior racionalidade também voltará ao mercado de trabalho, o que traz efeitos positivos. Com a euforia recente, profissionais em início de carreira, especialmente de tecnologia, eram contratados para vagas sêniores, pois não havia como preencher a posição, mas o RH tinha meta para bater. O aumento de salários foi altíssimo.
Rodadas de investimentos aumentavam, pois para contratar o mesmo número de profissionais precisava-se cada vez de mais recursos, num ciclo que parecia interminável. As tentações eram grandes: fundos com cheques maiores, startups com valuations maiores, funcionários com salários maiores. Em momentos de euforia, é muito difícil resistir as tentações.
Nunca me esqueço de uma entrevista do Elie Horn em um evento da Endeavor, refletindo sobre seus erros na euforia do mercado imobiliário antes da crise de 2008, na qual ele não entendia como havia entrado na onda do mercado financeiro de expandir rapidamente a Cyrela para todo Brasil, em busca de crescimento, num negócio em que uma rápida expansão geográfica claramente traria grandes problemas. Mesmo não fazendo sentido nenhum aquela corrida pela expansão geográfica, alguém tão experiente quanto ele entrou na onda.
Um cenário mais racional pode ser muito positivo para o empreendedor que estiver bem preparado, ou aquele que se ajustar rápido
Um cenário mais racional pode ser muito positivo para o empreendedor que estiver bem preparado, ou aquele que se ajustar rápido. A briga por talentos deve ficar mais racional. Custos de marketing podem ser mais favoráveis também. A racionalidade de capital também pode e deve trazer mais criatividade e inovação. E o foco será maior em negócios que cresçam, porém sejam sustentáveis, e não em máquinas de cupons de descontos para clientes.
Assim como no cenário de euforia, neste cenário mais racional teremos novos vencedores. Como aprendemos no painel em que o ex-CEO global da AB InBev Carlos Brito entrevistou o ex-CEO da Amazon Consumer, os ingredientes que fazem uma empresa escalar são os três Cs: coragem, competência e comunicação. Aliada a responsabilidade e eficiência, pode ser o momento da coragem.
*Claudio Mifano é fundador e CEO da Livance Consultórios Inteligentes