Em agosto, fez um ano. E o leitor mais atento há de se lembrar do fato que sinalizou o início de uma curva de alta do tema sustentabilidade no mundo corporativo: 181 grandes empresas norte-americanas, ligadas à Business Roundtable (BRT), apresentaram uma “Declaração de Propósito Corporativo”, propondo o que, no Fórum Econômico Mundial, em janeiro, viria a ser denominado “capitalismo de stakeholders” — um novo jeito de pensar e fazer negócios mais ético, justo e cuidadoso na geração de valor para todas as partes interessadas.

Anunciado sem economia de barulho, na primeira página do Financial Times, o manifesto revisou a última declaração feita pela BRT, em 1997, segundo a qual “o principal objetivo de uma empresa é gerar retornos econômicos para os seus proprietários.”

Para se ter ideia da extensão do ato, é como se os dirigentes de futebol dos clubes mais importantes do mundo comunicassem, após um período de reuniões, uma mudança radical nas seculares regras do esporte.

No Brasil, a reação foi de otimismo — e nem poderia ser diferente. Afinal, uma decisão de “aperfeiçoar” o capitalismo, tomada pelos grandes capitalistas, soou como uma possível resposta no combate às mudanças climáticas e ao esgotamento dos recursos naturais.

Nos EUA, as opiniões se dividiram. Parte das pessoas mostrou entusiasmo. Outra parte, mais cética, enxergou na nova declaração um truque dos escritórios de Relações Públicas para melhorar a imagem de empresas manchadas com passivos sociais e ambientais. Ou ainda um modo de tirar proveito do conceito de propósito, altamente cultuado pela geração X, para turbinar ativos em tempos de valorização do ESG.

Não bastassem algumas dúvidas, um recente estudo realizado por dois professores, um da Escola de Economia de Londres, e outro da Escola de Negócios da Colúmbia, jogou mais na lenha nessa fogueira, afirmando que o grupo da BRT apresentou desempenho socioambiental inferior ao de outras companhias.

Este cenário ajuda a explicar o regresso de uma expressão que andava sumida, há 10 anos: greenwashing, ou lavagem verde. Cunhado pelos norte-americanos, o termo foi muito utilizado na primeira década deste século para designar empresas que alardeavam serem sustentáveis, sem rigor e critério.

Nunca gostei da palavra. Talvez porque não acredite, de fato, que, com a integração do mundo via redes sociais, alguém consiga ter a coragem – ou audácia – de mentir ou sustentar mentiras por tanto tempo. Quando ela aparece, no entanto, é porque os públicos desconfiam da honestidade dos compromissos empresariais.

Com o mais recente boom de interesse por sustentabilidade e ESG no Brasil, a expressão greenwashing voltou à cena corporativa. Isso significa um sinal de alerta para as empresas que estão ingressando agora nesse debate

Com o mais recente boom de interesse por sustentabilidade e ESG no Brasil, a expressão greenwashing voltou à cena corporativa. Isso significa um sinal de alerta para as empresas que estão ingressando agora nesse debate, seja por que formaram uma consciência (no âmbito do Conselho de Administração e C-Level) de que não há melhor jeito gerir negócios, seja porque compreenderam, de modo pragmático, que deixar a sustentabilidade fora da estratégia pode ser um tiro no pé. Experiência vivida, recomendo três reflexões para afastar os riscos do fantasma da “lavagem verde”

1) Antes de sair falando quão sustentável é sua empresa, sob argumentos, no mínimo, inconsistentes, como o de que “sustentabilidade está no nosso DNA”, mergulhe para dentro. Verifique se já identificou corretamente os grandes temas (impactos  socioambientais e de governança) e os seus riscos. Avalie se já dispõe de estratégias para reduzi-los, eliminá-los e, melhor ainda, regenerar comunidades e ecossistemas. Pondere sobre quanto as externalidades, riscos e ações de mitigação/eliminação impactam sua estratégia para o futuro. Se já chegou até esse estágio, estabeleça e comunique publicamente metas, festeje os avanços, corrija rumos. Organize a sua estratégia. Produza evidências. Evidências fortes,  risco zero de parecer greenwashing.

2) Se está na dúvida sobre quais seriam hoje, em termos globais, os grandes temas valorizados no ESG, arrisco uma dica: (1) Mudanças climáticas (planos de mitigação e adaptação); (2) Redução de impactos a recursos naturais (água, energia, solo, resíduos); (3) Diversidade (políticas); (4) Biodiversidade (respeito à integridade dos ecossistemas); (5) Direitos humanos (política aplicáveis à cadeia de valor); (6) Redução de riscos à segurança de colaboradores, comunidades e clientes; (7) Ética nas relações com públicos de interesse; e (8) Investimento social privado (políticas de desenvolvimento local). Se esses são os temas de sustentabilidade que mais chamam a atenção dos mercados, comece por eles. Ao fazê-lo, com rigor, sua comunicação deixa de ser uma “propaganda” e passa a ser um serviço para as partes interessadas.

3) Organizar as ações de sustentabilidade numa estratégia clara é parte importante do processo de legitimação do conceito. Reúne os “o quês” e  os “comos.” Mas ainda ficam faltando os “porquês.” É possível que a sua empresa se satisfaça em resumir todas as intenções de sustentabilidade ao fato de que isso vai resultar em premiação dos ativos. Eu e 100% das pessoas das gerações X e Z acharemos pouco. E estaremos no direito de duvidar de sua execução prática. Se não quiser que o discurso soe apenas uma pragmática “jogada de negócio”, recomendo algo não tão óbvio mas poderoso: a elaboração de um propósito, um texto curto (uma a duas páginas), claro (substantivos no lugar de adjetivos), caloroso (baseado em compromissos e valores humanos) e propositivo (com o olhar lançado nos desafios do futuro) que sintetize a visão de mundo da empresa para além de ganhar dinheiro. Não falo de um texto escrito por uma área específica da empresa ou por sua assessoria de comunicação. Penso como o professor Robert Eccles, da Universidade de Oxford: o Propósito só faz sentido se discutido, redigido e assinado pelo Conselho de Administração. Qualquer coisa diferente disso é só palavra sobre papel branco.

Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV.

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