Conhecido pelo arrojo nos negócios, o investidor americano Warren Buffett, de 93 anos, foi cauteloso no tópico mais surpreendente de sua carta anual aos acionistas divulgada no fim desta semana, no qual desaconselhou a compra de ações de empresas fora dos Estados Unidos.
Com 16 páginas e recheada de tiradas irônicas e conselhos, a carta anual do “Oráculo de Omaha” – numa referência à sede da holding Berkshire Hathaway, comandada pelo investidor e com US$ 168 bilhões em caixa - é um dos relatórios mais aguardados e lidos no mundo dos negócios.
Entre outras dicas, Buffett chamou a atenção ao sugerir muita cautela para investimentos em ações de empresas fora dos EUA, citando sua falta de capacidade de prever oscilações de movimentos cambiais.
“Não consigo me lembrar de um período desde 11 de março de 1942 – a data da minha primeira compra de ações – em que não tenha tido a maior parte do meu patrimônio líquido em ações, ações baseadas nos EUA”, escreveu Buffett dessa forma, grifando o trecho final da frase.
Segundo ele, “essencialmente não há candidatos que sejam opções significativas para aplicação de capital na Berkshire fora dos EUA”.
Buffett conta que, quando decidiu investir, o Dow Jones Industrial Average havia caído abaixo de 100 pontos, perdendo cerca de US$ 5 no primeiro dia. Mas assegura não ter ficado vermelho por muito tempo.
“Logo as coisas mudaram e agora esse índice gira em torno de 38 mil pontos”, escreveu Buffett. “A América tem sido um país excelente para investidores. Tudo o que eles precisavam fazer era ficar sentados em silêncio, sem ouvir ninguém.”
Em sua vitoriosa carreira de investidor, no entanto, Buffett fez várias aquisições no exterior - algo que segue fazendo, embora em pequenas quantidades diante potencial da Berkshire.
Um exemplo foi o grande investimento em ações da montadora chinesa BYD em 2008, quando a empresa de energia e fabricante de carros elétricos ainda era uma aposta. Buffett, porém, vendeu a maior parte dessas ações no ano passado.
Entre as empresas brasileiras, Berkshire também encerrou em 2023 a posição que mantinha na Stone desde outubro de 2018, no IPO da fintech. Mas segue com participação relevante no Nubank, com cerca de US$ 1,1 bilhão em ações.
Em outro investimento de peso, a Berkshire gastou 1,6 trilhão de ienes (US$ 10,6 bilhões no câmbio atual) desde 2020 na compra de uma participação de cerca de 9% em cinco grandes empresas japonesas: Itochu, Marubeni, Mitsubishi, Mitsui e Sumitomo. Essas participações valem agora 2,9 trilhões de ienes – um aumento de 81% em ienes ou de 61% em dólares.
Em uma mostra de sua cautela, no entanto, Buffett não usou os fundos da Berkshire para comprar as ações japonesas. Em vez disso, ele captou empréstimo de 1,3 trilhão de ienes no mercado de dívida japonês, numa jogada que nada lembra um verdadeiro investimento vitalício ao estilo da Berkshire.
Na segunda-feira, 26 de fevereiro, a Berkshire Hathaway aproximou-se do valor de mercado de US$ 1 trilhão, após registrar um lucro anual recorde pela segunda vez consecutiva. A empresa de Buffett está avaliada em US$ 900 bilhões.
Tributo e sucessão
Na carta, Buffett faz um tributo ao “parceiro do crime” Charlie Munger, vice-presidente da Berkshire Hathaway que morreu aos 99 anos no final do ano passado, e citou Greg Abel, vice-presidente executivo desde 2018, como “pronto para ser o CEO da Berkshire amanhã”, confirmando-o como seu sucessor.
Em outros trechos, Buffett distribui vários conselhos aos investidores. Num deles, faz referências pouco elogiosas aos traders do mercado acionário.
“Embora o mercado de ações seja imensamente maior do que era nos nossos primeiros dias, os participantes ativos de hoje não são nem mais estáveis emocionalmente nem mais bem ensinados do que quando eu estava na escola”, escreveu. “Seja qual for a razão, os mercados apresentam agora um comportamento muito mais semelhante ao dos casinos do que quando eu era jovem.”
Em outro trecho, adverte que uma regra de investimento na Berkshire que não mudará é nunca correr o risco de perda permanente de capital.
“Graças ao vento favorável americano e ao poder dos juros compostos, a arena em que operamos tem sido – e será – gratificante se você tomar algumas boas decisões durante a vida e evitar erros graves”, sugeriu.
Buffett também pediu a investidores que estejam sempre preparados para o pior, mantendo a calma diante de momentos caóticos do mercado de ações. Segundo ele, a história dos mercados americanos também incluiu quedas dramáticas, um fenômeno que só foi amplificado nos últimos anos pela velocidade com que a informação viaja na internet.
"Isso não vai mudar tão cedo", advertiu Buffett. “Esses pânicos instantâneos não acontecerão com frequência, mas acontecerão."