Flávio Suchek vinha de uma passagem de onze anos pelo BTG Pactual quando chegou ao BV, em julho de 2020. Sua missão? Buscar novos negócios e reduzir a dependência do financiamento de veículos, o carro-chefe da operação, com uma fatia de 56% da carteira de crédito de R$ 75,3 bilhões do banco.
No apagar das luzes de 2021, uma das fontes alternativas dentro dessa estratégia de diversificação começa a despontar como um dos negócios mais promissores no horizonte do BV: o financiamento de projetos de energia solar.
No terceiro trimestre de 2021, o segmento registrou um salto anual de 219,4%, para R$ 2,1 bilhões. Com essa evolução, a área alcançou uma participação de 50% no portfólio de novas apostas crédito do BV no varejo, que inclui ainda frentes como financiamentos com veículos como garantia, crédito como serviço e consignado privado. Ao mesmo tempo, essa conta exclui os cartões e financiamentos de veículos.
De olho nesses números e nas boas perspectivas desse segmento, o banco começa a estruturar um ecossistema em torno dessas linhas, com mais produtos e serviços. E está desenvolvendo um programa de fidelidade para os integradores que vendem e instalam esses projetos.
“O financiamento solar tem um potencial enorme e cai como uma luva nessa visão de diversificação”, diz Suchek, diretor-executivo de novos negócios e empréstimos do BV, ao NeoFeed. “Em três anos, essa vai ser uma das principais portas de entrada para novos clientes no banco.”
Foi também há três anos que o banco passou a olhar com mais atenção para o setor. Um dos principais movimentos desde então veio em 2019, quando investiu no Portal Solar. Em setembro de 2020, as duas empresas tornaram-se sócias no marketplace Meu Financiamento Solar.
Já em agosto deste ano, o BV ampliou sua participação – não revelada – no portal, com um investimento de R$ 45 milhões. O acordo, que ainda depende de aprovação de órgãos regulatórios, envolveu também a opção de assumir, em um prazo não divulgado, 100% das operações do Meu Financiamento Solar.
“Precisávamos nos posicionar e fazer esse movimento estratégico agora. Não podíamos esperar esse mercado alcançar um volume maior”, explica Suchek. “Com o acordo, vamos pisar no acelerador e injetar capital no marketplace.”
A plataforma é o braço digital de financiamentos do banco no segmento e reúne mais de três mil integradores. Essa oferta tem ainda o apoio dos gerentes e da rede física de mais de 4 mil pontos de atendimento do BV distribuídos no País.
“Na prática, é possível fazer um paralelo desse mercado com o de financiamento de veículos”, afirma o executivo. “Esse é um negócio B2B2C e é um modus operandi que conhecemos e sabemos fazer bem, além dos tíquetes serem semelhantes.”
Em média, os tíquetes dos financiamentos de placas solares para pessoas físicas no BV variam de R$ 25 mil a R$ 30 mil. Já no segmento de pessoas jurídicas, o valor gira entre R$ 80 mil e R$ 150 mil. Os limites concedidos por projeto são, respectivamente, de R$ 500 mil e de R$ 3 milhões
Recentemente, o BV estendeu o prazo de financiamento de sete para até dez anos. As taxas variam de acordo com o projeto. Já o período de carência é de até 120 dias, o prazo médio para que os sistemas sejam instalados e para que os consumidores e empresas comecem a se beneficiar do seu uso.
“Em boa parte dos casos, o valor da parcela é muito semelhante ao da conta de energia desse consumidor”, observa Suchek. “Mas, uma vez que se encerra o financiamento, há uma queda absurda, que pode chegar a 95%.”
Para dar mais escala a esses negócios, outro passo recente do BV foi a emissão, em junho do ano passado, de R$ 500 milhões em Letras Financeiras Verdes. A operação tem vencimento de três anos e os recursos serão destinados ao financiamento dos painéis de energia solar.
Além de turbinar essas linhas, o banco quer aproveitar o fato de estar “dentro” da casa dos consumidores, por meio das placas solares, para associar outros produtos e serviços para ampliar sua relação com esses usuários. E o portfólio de seguros é um dos focos dessa investida.
O banco já está ofertando um seguro prestamista a esses clientes. O leque em avaliação inclui ainda seguros residenciais, das próprias placas solares, de garantia estendida e de aparelhos domésticos, entre outros. “Vejo um bom caminho para 2022, a começar pelos produtos mais tradicionais”, diz Suchek.
Serviços ligados a dados também estão no radar. “Há um universo relacionado ao controle de consumo e geração de energia”, explica o executivo. “Podemos oferecer, por exemplo, um upscale do projeto ou manutenções preventivas dos sistemas.”
Ele acrescenta que a evolução desse portfólio para o conceito de um ecossistema pode envolver frentes como contas e carteiras digitais, além de meios de pagamento. O BV não descarta aquisições ou novos investimentos em participações em outras empresas ligadas a esses e outros segmentos.
“Depois do acordo com o Portal Solar, não vejo, a princípio, grandes movimentos nessa direção, e sim, acordos mais periféricos”, afirma Suchek. Uma das fontes para eventuais aquisições é o fundo de corporate venture capital do BV, de R$ 300 milhões, dos quais, metade já foi destinada a outros aportes.
Em outra ponta, o banco prepara um programa de fidelidade voltado aos integradores de projetos de energia solar conectados à sua plataforma. Depois de uma etapa inicial de cadastramento dos interessados, já concluída, a iniciativa está em fase de pré-lançamento.
Com previsão de chegar ao mercado nesse primeiro trimestre de 2022, o programa vai oferecer incentivos e remunerações à medida que esses parceiros ampliem suas operações com a instituição.
“Ainda estamos estruturando o produto, que não está 100% azeitado, mas, basicamente, o conceito é estimular esses parceiros a venderem mais”, diz Suchek. “E dar aos clientes mais opções para financiarem seus projetos.”
Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) dão uma medida do avanço desse mercado no Brasil. Em 2021, o País ultrapassou 12 gigawatts de potência instalada, o que supera, por exemplo, fontes como as termelétricas movidas a petróleo e outros fósseis.
Dessa capacidade total, 7,5 gigawatts vêm de pequenos projetos e residências, o que equivale a investimentos de mais de R$ 37,1 bilhões. Além da promessa de redução nas contas de energias, da crise hídrica e da agenda de ESG, outras questões alimentam as projeções otimistas para esse mercado.
“O custo da tecnologia, que vinha recuando historicamente e, nesse ano, estacionou, deve voltar a cair em 2022, com a logística global se equacionando”, diz Guilherme Susteras, coordenador de geração distribuída da Absolar.
“A aprovação do marco legal de geração distribuída, em agosto desse ano, é um tempero adicional, pois acaba com a insegurança injurídica nesses investimentos”, afirma. “E a oferta crescente de crédito na área, seja por fintechs ou instituições tradicionais, só reforça esse ciclo positivo.”
Esse cenário vem atraindo, de fato, cada vez mais competidores. Além de grandes bancos, como Itaú Unibanco e Bradesco, no plano das fintechs e startups, há exemplos como a Solar21, que investe em um modelo de assinatura para a instalação de painéis solares.
Entre as fintechs, o destaque é a Solfácil, que captou R$ 160 milhões, em junho de 2021, em um aporte liderado pelo fundo americano QED Investors. Em novembro do ano passado, a startup captou R$ 1,28 bilhão com a emissão de títulos verdes, com a expectativa de financiar R$ 2,5 bilhões em projetos em 2022.