Depois da fraude contábil de R$ 25 bilhões, que veio à tona no início de 2023 e precipitou a sua recuperação judicial, a Americanas vem, trimestre a trimestre, tentando mostrar ao mercado que pode se reerguer. Uma mudança no calendário prejudicou, porém, o capítulo mais recente dessa agenda.

Divulgado na noite de quarta-feira, 14 de maio, o balanço do primeiro trimestre trouxe um gosto amargo aos investidores. E o grande vilão, segundo o grupo, foi o descasamento entre as datas da Páscoa, realizada no mês de março, em 2024, e em abril, em 2025 - o que impactou as comparações dos dados.

“A Páscoa é importantíssima no calendário da Americanas”, afirmou Leonardo Coelho, CEO da varejista, em call com analistas na quinta, 15. “É como se o Natal caísse em janeiro e, portanto, turvasse um pouco as comparações.”

Para ressaltar a dimensão dessa data para a sua operação, a Americanas ressaltou que as vendas contabilizadas na Páscoa de 2024 representaram um índice de aproximadamente 32% da sua receita total no varejo físico no primeiro trimestre daquele ano.

Sem essa contribuição, a receita líquida consolidada da varejista foi justamente um dos números impactados, com uma queda de 17,4%, para R$ 3,05 bilhões. Nessa esteira, o grupo apurou um prejuízo de R$ 496 milhões, revertendo o lucro de R$ 453 milhões apurado um ano antes.

A última linha do balanço também foi impactada pela comparação com uma base mais forte registrada em 2024, que trouxe efeitos contábeis, extraordinários e receitas decorrentes da execução do plano de recuperação judicial, da ordem de R$ 1,3 bilhão.

Em outros indicadores impactados por essas prateleiras, o Ebitda foi negativo em R$ 35 milhões, contra um Ebitda positivo de R$ 1,39 bilhão, um ano antes, sob os efeitos da recuperação judicial, em questões como as despesas do processo e com as investigações sobre as fraudes.

Excluindo esses fatores, o Ebitda ajustado do período ficou negativo em R$ 20 milhões, contra os R$ 243 milhões positivos reportados no primeiro trimestre de 2024. Já a margem bruta veio no patamar de 29,1%, uma queda de 4,1 pontos percentuais.

Diante desses dados, os executivos da empresa dedicaram um bom tempo da call para destacar números que, em sua visão, trariam uma comparação mais justa e um retrato mais fiel de como a operação está evoluindo. E, para isso, usaram como referência a Páscoa e os primeiros quatro meses de 2024 e 2025.

No quadrimestre, as vendas mesmas lojas cresceram 14,2% sobre o ano passado, enquanto na Páscoa, as vendas mesmas lojas avançaram 16%. Na data, houve uma expansão de 8% no volume de transações e, segundo a companhia, uma evolução de 1,3 ponto percentual do seu market share.

“A comparação por quadrimestre elimina o efeito do descasamento. Esse efeito sazonal já era esperado e planejado. E não representa uma desaceleração operacional da companhia”, disse Camille Faria, CFO da Americanas. “Seguimos na nossa trajetória de melhoria, trimestre a trimestre.”

Como parte desse contexto, a executiva ressaltou a queda de 10,1% nas despesas gerais e administrativas do trimestre, para R$ 991 milhões. Assim como uma disponibilidade total de caixa de R$ 2,09 bilhões, sendo R$ 863 milhões em disponibilidades e R$ 1,2 bilhão em recebíveis de cartão.

Já a dívida bruta da companhia ao fim do trimestre chegou a R$ 1,8 bilhão, composta por R$ 1,8 bilhão em debêntures públicas e R$ 61 milhões em empréstimos e financiamentos de curto e longo prazo de empresas que pertencem ao grupo e não integram a recuperação judicial.

“As debêntures têm vencimento de quatro a cinco anos, com carência de dois anos. Só começaremos a pagar no segundo semestre de 2026”, disse Faria. “Temos ainda o compromisso de quitação de dívidas anteriores a RJ, em até 60 parcelas, que começaram a ser pagas em abril de 2024 e que, trazidas a valor presente, somam R$ 484 milhões.”

Novos projetos

Parte da apresentação também foi dedicada a uma atualização dos projetos que estão sendo tocados na empresa. E a grande novidade foi o lançamento de um cartão de crédito em parceria com a Brasilcard, que trará, entre outras questões, acúmulo de pontos, descontos e parcelamento de até 12 vezes.

“Nossa expectativa é emitir um milhão de cartões nos primeiros doze meses”, afirmou Fernando Soares, COO da varejista. “Esse é um primeiro marco do que estamos fazendo e o cartão de crédito será o protagonista do nosso programa de fidelidade.”

A partir do plano do grupo de relançar seu programa de fidelidade até o fim de 2025, ele ressaltou que o cartão trará um conhecimento mais apurado do comportamento de compras dos clientes. E destacou que, em abril, a empresa alcançou um volume de quase 50% de vendas identificadas nas lojas físicas.

Como parte da volta ao foco em lojas físicas, Soares também falou sobre a inauguração do primeiro espaço do Conecta, modelo que irá reunir produtos e serviços de parceiros complementares ao mix da varejista, dentro do conceito batizado de Galeria. Nesse caso, de reparos e acessórios de celulares.

“Nosso objetivo é maximizar a rentabilidade do metro quadrado das lojas, além de aumentar frequência, recorrência e fidelização”, disse Soares. “Já temos mais dois parceiros assinados e teremos outras novidades no segundo semestre.”

Enquanto trabalha nessas estratégias, no primeiro trimestre, o GMV (volume bruto de mercadorias) total da operação caiu 24,8%, para R$ 4,12 bilhões. Assim como o GMV Físico e o GMV Digital, que tiveram quedas, respectivamente, de 21,1% e 60,9%, para R$ 3,12 bilhões e R$ 360 milhões.

“É uma jornada longa. Não vamos conseguir melhorar a Americanas do dia para a noite. Temos restrições de capital, da própria RJ e do fato que ficamos muito tempo sem protagonismo”, disse Coelho, o CEO. “Mas reforçamos o compromisso de apresentar resultados melhores a cada trimestre.”

O discurso, porém, pareceu não ter eco entre os investidores. As ações da Americanas recuavam 7,49% por volta das 13h10, cotadas a R$ 5,31. No ano, os papéis registram uma desvalorização de 14,3%, dando à companhia um valor de mercado de R$ 1,06 bilhão.