Put é a opção de venda de um contrato financeiro por um valor pré-determinado. Nas últimas semanas, o mercado financeiro global vem tentando descobrir qual é a "put do Trump", uma metáfora usada por investidores para indicar o momento em que o governo abandona uma estratégia devido ao impacto negativo nos ativos financeiros.

“A put do Trump foi exercida” afirma João Scandiuzzi, estrategista-chefe do BTG Pactual Portfólio Solutions, em entrevista ao NeoFeed. No mercado de derivativos, a put é normalmente usada por investidores para proteção contra quedas de preço.

As bolsas americanas saíram das mínimas, após o recuo dos planos tarifários (ainda que temporários) do presidente Donald Trump, que baixou a alíquota para 10% para todos os países. A exceção foi a China, para a qual o governo dos Estados Unidos anunciou uma sobretaxa de 125%, como resposta ao aumento de tarifas chinesas sobre produtos americanos.

Scandiuzzi classifica essa como a principal sinalização da pausa temporária de 90 dias das tarifas americanas sobre produtos importados. Para ele, o piso do mercado americano já foi atingido.

“A gente chegou ao preço da put do Trump. Não é qualquer nível de queda de mercado acionário que é aceitável para esse governo. Mas não quer dizer que isso esgotou a agenda tarifária”, diz ele.

O estrategista-chefe do BTG, por outro lado, considera que, mesmo com o recuo de Trump, o cenário atual segue adverso para crescimento e inflação dos Estados Unidos. "Embora o Trump sempre argumente que a tarifa, na verdade, vai ser paga pelo consumidor americano. Estamos falando de uma das maiores altas de impostos da história”, afirma ele.

Apesar das incertezas sobre as alíquotas finais, Scandiuzzi avalia que, dada as condições atuais, a China deverá sofrer uma desaceleração de 1,5 ponto percentual, comprometendo o crescimento global. Por outro lado, vê possibilidade de parte do comércio chinês ser absorvido pelo Brasil.

Para o especialista, nesse momento de alta incerteza, o melhor é não fazer movimentos muito bruscos no mercado. "Quem saiu na queda, por exemplo, não aproveitou essa volta dos mercados. Tem que estar sempre diversificado, com exposição a diferentes ativos e regiões. O momento exige calma e boa alocação."

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O que o mercado tira da pausa temporária do plano tarifário global de Donald Trump?
O principal sinal desse anúncio é que a gente entendeu qual é a “put” do governo Trump. E ela foi exercida. Foi um recuo indicando que o nível de dor econômica se tornou insuportável. É um alívio, sim, mas não resolve todos os problemas. Ainda assim, mostra que há um limite para até onde o governo está disposto a ir.

"Foi um recuo indicando que o nível de dor econômica se tornou insuportável. É um alívio, sim, mas não resolve todos os problemas"

No primeiro anúncio, o Brasil era visto como estando em uma posição um pouco mais favorável. Essa vantagem se perde agora que todo mundo foi igualado com uma tarifa de 10%?
Ainda pode haver desvios de comércio, especialmente com a China fora desse acordo de 10%. A China pode continuar substituindo compras dos EUA por produtos brasileiros, como vimos em 2018 e 2019. Se a China deixar de comprar produtos agrícolas americanos, por exemplo, pode comprar mais do Brasil. Mas em termos de vantagem frente a outros países industrializados, isso de fato se perde.

Com relação à atividade econômica, o cenário fica menos pessimista agora com a diminuição das tarifas?
Sim. A gente não volta ao status quo, mas há uma redução no impacto. Nos EUA, isso reduz o efeito inflacionário, que seria como um imposto para o consumidor. Trump sempre disse que quem paga a tarifa é o outro país, mas, na prática, quem paga é o consumidor americano. Ainda temos tarifas, mas o impacto é menor do que seria com 46% sobre Taiwan, 24% sobre Japão, etc. A bolsa respondeu positivamente — o efeito riqueza também ajuda a sustentar o consumo.

Com esses 90 dias de pausa, pode haver antecipação de compras e impacto inflacionário, como vimos no começo do ano?
Aconteceu no início do ano, quando empresas fizeram estoque com preço antigo. Pode acontecer de novo, mas depende dos sinais que o governo der. Se houver percepção de que as tarifas vão voltar, as empresas podem se antecipar. Esses 10% parecem ser o novo piso, inclusive com viés arrecadatório — é uma fonte para financiar cortes de impostos internos. Por isso, não deve ir para zero.

"O Trump tem força popular, mas o Congresso republicano não tem uma margem larga"

Essa política fiscal do Trump — aumento de tarifas, corte de impostos — ajuda a melhorar a saúde fiscal do país?
O Trump nunca teve um discurso de ajuste fiscal. O pensamento é que cortes de impostos e regulação aumentam o crescimento, e com isso, a arrecadação. É um discurso meio mágico. E tem pouca margem para corte de gastos. 75% do gasto americano é obrigatório — social security, Medicare, Medicaid e juros. O Doge pode cortar algo nos 11% restantes, mas são valores pequenos frente ao déficit total, que chegou a quase US$ 2 trilhões. O grande ajuste depende do Congresso, e é difícil. O Trump tem força popular, mas o Congresso republicano não tem uma margem larga.

Se assemelha ao discurso do PT aqui no Brasil.
Tem alguns discursos nesse sentido.

Você está otimista ou pessimista com relação ao avanço dessas pautas fiscais nos EUA?
Não estou otimista. Não acho que o governo esteja buscando um ajuste fiscal de verdade. Talvez um Estado menor, sim — menos gasto e menos imposto. Mas, na prática, o déficit acima de 6% do PIB deve continuar pelos próximos anos.

O Nasdaq subiu 10% após o recuo de Trump. Esse movimento é sustentável? Podemos dizer que se estabeleceu um piso para a queda das ações americanas?
Acho que sim. O mercado entendeu qual é o nível de tolerância do governo à queda de mercado. Isso cria um parâmetro. A gente chegou ao preço da put do Trump. Não é qualquer nível de queda de mercado acionário que é aceitável para esse governo. Mas não quer dizer que isso esgotou a agenda tarifária. Ainda deve vir coisa em semicondutores, fármacos. Teremos volatilidade.

"A gente chegou ao preço da put do Trump. Não é qualquer nível de queda de mercado acionário que é aceitável para esse governo"

Esses anúncios foram mal desenhados?
Sim, tudo muito mal feito. O cálculo das tarifas foi baseado num critério bizarro: eles pegaram o saldo comercial de cada país com os EUA e dividiram pelo total de importações americanas. Chamaram isso de "tarifa efetiva" e aplicaram medidas com base nesse número, o que não faz sentido econômico algum. Isso dificulta uma negociação concreta.

No desenho atual, com 10% para todo mundo e mais de 100% para a China, os EUA ainda saem perdendo?
Sim. É uma tarifa média alta, que impõe um imposto pesado ao consumidor americano e vai causar desaceleração econômica.

E qual é o impacto para a China?
É muito negativo. A gente estava calculando em cerca de 1,5% do PIB. Cairia para a faixa de 3,3%. Isso antes de eles reagirem. Já sinalizaram que vão cortar juros, usar a política monetária pra estimular a economia,  e estão tendo reuniões pra discutir novos impulsos fiscais. Então, vai ter o uso de políticas contracíclicas pra se inclinar contra isso.

Dado esse cenário, como vocês estão se posicionando? O que recomendam aos investidores?
A gente já vinha fazendo movimentos de proteção: compramos opções para proteger a bolsa, aumentamos a duração da renda fixa e reduzimos crédito high yield. Também tínhamos posição em TIPS. Isso tudo ajudou. Não recomendamos movimentos bruscos. Quem saiu na queda, por exemplo, não aproveitou essa volta dos mercados. Tem que estar sempre diversificado, com exposição a diferentes ativos e regiões. O momento exige calma e boa alocação.