Um leilão histórico para o estado de Pernambuco, realizado na B3 na quinta-feira, 18 de dezembro, que teve como destaque a entrada no setor de saneamento do Grupo Patria, gigante da área de infraestrutura, marcou o encerramento do calendário de concessões de 2025. Esse certame bateu recorde do ano em investimentos previstos, no valor de R$ 19 bilhões.

O ano de 2025 fechou com um total de cinco leilões e R$ 39 bilhões em investimentos programados, o segundo melhor resultado anual desde a entrada em vigor do Marco Regulatório do Saneamento, há cinco anos. Para 2026 estão previstos mais sete grandes leilões e a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), o que deve aumentar o apetite de investidores por ativos no setor.

A disputa na B3 por dois blocos de serviços de água e esgoto oferecidos pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) gerou R$ 4,2 bilhões em outorgas, além dos R$ 19 bilhões em investimentos nos próximos 30 anos. A Compesa continuará prestando os serviços de captação para o tratamento de água.

O leilão do Bloco 1, que vai atender 24 municípios do sertão pernambucano, incluindo Petrolina, chamou a atenção pela disputa, envolvendo três consórcios. O Patria venceu oferecendo o desconto máximo permitido na tarifa, de 5%, e outorga de R$ 720 milhões - um ágio de 727% em relação ao valor inicial.

No Bloco 2, que reúne 150 municípios, incluindo a Região Metropolitana do Recife, além do arquipélago de Fernando de Noronha, só houve um concorrente, o consórcio da BRK com a Acciona – que já opera uma parceria público-privada (PPP) na região. Mesmo assim, o consórcio ofereceu 60% de ágio na outorga, pela qual pagou R$ 3,5 bilhões, além de oferecer 5% de desconto na tarifa.

Thiago Bronzi, sócio do Patria Investimentos, disse após o leilão que o fundo avaliava a possibilidade de entrar no setor de saneamento há uma década, sendo que no último ano se debruçou em estudos sobre a concessão em Pernambuco.

“Nosso grupo não tinha conforto com a estrutura regulatória do País, mas com a mudança do marco de saneamento e com a maturação que vem acontecendo desde então, começamos a olhar aquilo que poderia ser a nossa entrada”, revela Bronzi.

Segundo ele, o Patria já tem financiamento de curto prazo equacionado para a concessão em Pernambuco, que prevê R$ 2,9 bilhões de investimentos. “O mercado de capitais e o setor bancário estão atentos ao setor, há uma gama de opcionalidades visando o investimento mais a longo prazo”, acrescenta Bronzi, evitando confirmar se o Pátria vai entrar na briga da privatização da Copasa, em 2026.

Num discurso que não escondeu a emoção, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, disse que o leilão foi um dia histórico para seu estado.

“Sou da região de Caruaru, marcada por secas, onde há cidades sem tubulação e água tratada e o custo de contratar um caminhão-pipa, cerca de R$ 800, é praticamente o valor que uma família recebe por mês do Bolsa-Família”, disse.

“Isso faz com que muitas famílias precisem escolher entre comprar água, pagar a luz ou mandar o filho para a escola, por isso esse investimento que estamos fazendo é o mais importante da minha gestão”, completou Lyra.

Consolidação

Ilana Ferreira, diretora técnica da Abcon, que reúne empresas privadas de saneamento, destaca o que chama de “aspectos robustos” do projeto de concessão de Pernambuco, estruturado pelo BNDES.

“O projeto inclui a estruturação em blocos, para viabilizar o subsídio cruzado entre municípios, a nova lei de tarifa social, com manutenção de uma ‘tarifa de vulneráveis’, e uma matriz de risco que considera eventos climáticos extraordinários, como escassez hídrica”, afirma Ferreira, ressaltando esses itens como novidades regulatórias em certames.

Além disso, o leilão de Pernambuco e os demais realizados este ano em estados com baixo índice de cobertura de água e esgoto, como no Pará e no Piauí, atraíram grandes players, reforçando o avanço do setor de saneamento desde o marco regulatório.

Na Região Norte, por exemplo, o nível de coleta e tratamento é de apenas 22,8%, e o de acesso à água é de 60,9%. “O desafio das concessões e PPPs nessas regiões é equilibrar duas necessidades: volume relevante de investimento com uma tarifa mais baixa, o que resulta em outorgas menores, ou seja, menos recursos aos cofres estaduais com os leilões”, diz.

O fato de terem sido realizados apenas cinco leilões em 2025, em comparação com 17 no ano anterior, não significa retrocesso. Segundo ela, o baixo número de certames deve-se ao fato de que a maioria dos grandes projetos em estruturação ficou para 2026.

“Apesar de poucos, os cinco leilões de saneamento realizados no ano corrente mobilizaram R$ 39 bilhões em investimentos para 345 municípios, sinalizando o impacto significativo do modelo de concessões”, ressalta Ferreira.

Copasa na mira

Para 2026, o pipeline de investimentos deve seguir em alta. Estão previstos seis grandes projetos estruturados pelo BNDES e outros menores, totalizando R$ 27 bilhões em investimentos e abrangendo cerca de 540 municípios.

A lista inclui Rio Grande do Norte, Rondônia, Alagoas e um novo projeto no interior do Ceará, além de duas PPPs, em Goiás e na Paraíba. O projeto do Maranhão foi adiado. O grande atrativo, porém, deve ser a privatização da estatal mineira Copasa.

Para Abcon, o foco para o próximo ano é a expansão para localidades antes consideradas menos atrativas, como Rondônia, marcando uma nova etapa para o setor, mesmo com um valor agregado de investimento menor que o de 2025 – que, segundo Ferreira, foi inflado pelo grande projeto do Pará.

A executiva da Abcon lista três grandes desafios para 2026. “Um deles é evitar políticas que gerem insegurança jurídica, como a reforma tributária, outro é manter o saneamento na agenda política durante o ano eleitoral”, enumera. “Há também grande preocupação com estados e municípios que ainda não se movimentaram desde o marco do saneamento – como Acre, Roraima, Bahia, Santa Catarina -, correndo o risco de ficarem para trás”, acrescenta.

Desde a entrada em vigor do novo marco legal do setor, em 2020, foram realizados 62 leilões beneficiando 1.732 municípios. O volume de investimentos contratados soma R$ 200 bilhões.

O País, porém, ainda está longe de cumprir a meta imposta pelo marco. Até 2033, o Brasil precisa atingir 99% da população com acesso à água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto - o quadro atual tem, respectivamente, 84% e 55%. Ou seja, por enquanto, mais de 34 milhões de brasileiros não têm acesso à água encanada e mais de 90 milhões vivem sem coleta e tratamento de esgoto.

A Abcon, porém mantém o otimismo. “Embora o investimento total no Brasil precise aumentar, nas localidades com parcerias privadas os investimentos estão crescendo e batendo recordes de Capex ano a ano”, diz. “Saneamento é um setor de maturação longa, e os resultados consolidados levam tempo.”