Depois de finalmente apresentar os balanços financeiros de 2021 e 2022 revisados (e com prejuízos bilionários), levando em conta os efeitos da fraude contábil de R$ 25,2 bilhões, a Americanas parte agora para finalizar o acordo com seus principais credores financeiros e poder dar início ao processo de recuperação judicial.

O cronograma desenhado pela companhia é curto. Faltando 45 dias até o fim do ano, a expectativa é chegar a um acordo com os bancos para conseguir a conversão de R$ 12 bilhões em dívidas da companhia em ações nos próximos dias e aprovar o plano de recuperação judicial até o fim do ano.

A direção, porém, se mostra otimista, diante da receptividade apresentada pelos bancos em relação ao compromisso dos acionistas de referência – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – de injetarem R$ 12 bilhões na empresa, após um primeiro momento de resistência.

“Essa proposta fez com que as negociações com os credores evoluíssem significativamente”, disse a CFO da Americanas, Camille Loyo Faria, em teleconferência nesta quinta-feira, 16 de novembro. “Seguimos trabalhando duro para tentar uma assembleia geral de credores para aprovar o plano [de recuperação judicial] ainda em dezembro deste ano.”

Segundo ela, com assembleia ocorrendo no fim do ano e aprovando os termos do plano, a expectativa é de que a recuperação judicial seja homologada no começo de 2024. A partir daí, os acionistas de referência devem realizar a injeção dos recursos, aproximadamente 15 dias após a homologação do plano pela Justiça.

Cerca de 30 dias após a homologação do plano de recuperação judicial, está prevista uma assembleia geral extraordinária para aprovar o aumento de capital previsto no plano de recuperação, com a injeção de novos recursos.

O plano prevê que a Americanas receba uma injeção total de R$ 24 bilhões, somando os recursos do trio de acionistas de referência e da conversão da dívida pelos credores financeiros. “Isso muda completamente a estrutura de capital da companhia para muito melhor”, afirmou Faria.

A injeção também é essencial para a recomposição do patrimônio líquido da Americanas, que foi revisado para R$ 26,7 bilhões negativo. “Não contamos com contribuição operacional, porque estamos partindo de um lucro líquido muito negativo para virar o Ebitda, mas sem perspectiva de geração de lucratividade muito grande nesses próximos dois anos”, afirmou a CFO da Americanas.

No total, a Americanas tem R$ 42,5 bilhões em dívidas para serem reestruturadas. O plano prevê o pagamento integral aos credores das classes I e IV, que englobam créditos trabalhistas e com microempresas ou empresas de pequeno porte. A companhia ainda tem um saldo de R$ 148,6 milhões a pagar, já tendo feito alguns pagamentos via autorização judicial, que foi suspensa.

Na classe III, de credores quirografários, ela tem uma dívida total de R$ 42,3 bilhões, sendo R$ 5,5 bilhões com fornecedores e R$ 36,8 bilhões com credores financeiros.

Apesar de a Americanas ter revisado os resultados para incorporar os efeitos da fraude contábil, a BDO, responsável por auditar as demonstrações financeiras da companhia desde junho, substituindo a PwC, identificou uma pendência relativa ao tema do risco sacado.

No relatório, ela aponta que não obteve a confirmação de transações feita pela companhia com uma instituição financeira não identificada, que somam R$ 595,5 milhões. São duas operações, cujos montantes são, em 31 de dezembro de 2021, de R$ 295,9 milhões e, em 1º de janeiro de 2021, de R$ 299,6 milhões.

A BDO se absteve de apresentar uma opinião a respeito das demonstrações financeiras da Americanas, citando uma série de questões e incertezas relacionadas à companhia e seus números. Sobre o tema, Faria disse que a abstenção se deu pelo fato de a empresa estar em recuperação judicial e que enquanto não tiver um plano aprovado, ela será uma companhia que terá dúvidas sobre sua continuidade.

Recuperação operacional

Enquanto vai colocando a parte dos balanços em ordem, a Americanas também está tocando um plano de reestruturação operacional, calcado na ampliação de sortimento com aumento de GMV e margem nas lojas físicas e na simplificação do portfólio do canal digital, vendo uma “soma considerável” de valor que pode ser destravado.

“A fraude, complexa e sofisticada, tomava um tempo importante da antiga gestão, que demandava o isolamento das áreas em feudos, e isso impactou as operações, que ficaram subordinadas às planilhas Excel para criação do lucro fictício”, disse o CEO da Americanas, Leonardo Coelho.

No caso das lojas físicas, a ideia é ampliar o sortimento, especialmente em categorias em que a Americanas é destino dos consumidores, com participação de itens de variedade e conveniência, numa volta ao que Coelho chamou de “DNA da Americanas”. O objetivo é gerar recorrência de visitas de clientes.

Sobre Natural da Terra e Uni.co, que estavam à venda, Coelho disse que o desinvestimento continua no plano, mas que “não será liquidação”.

Para a frente digital, a Americanas pretende passar para o marketplace a venda de produtos considerados pouco rentáveis, como linha branca e eletrônicos. Segundo Coelho, o site da Americanas tem um mix muito amplo de produtos, sem foco definido, algo que veio da disputa entre as varejistas pelo domínio do mundo digital. “Não temos mais apetite e capital para vendas com margens menos atraentes”, afirmou.

Já para a Ame, a fintech é vista como uma forma importante de rentabilização da base de clientes, além de ser fonte de sinergias entre o mundo digital e físico. A companhia vem implementando uma reestruturação financeira e operacional e pretende ampliar os programas de fidelidade. Coelho destacou que ela é parte essencial da estratégia e que não pensa em se desfazer do braço financeiro.

Por volta 13h47, as ações da Americanas subiam 7,50%, a R$ 0,86. No ano, elas acumulam queda de 91%, levando o valor de mercado a R$ 767,1 milhões.