João Paulo Coimbra, 31 anos, conheceu as criptomoedas no fim de 2017. Foi quando passou a investir pequenas quantias em bitcoins na NegocieCoins, corretora do Grupo Bitcoin Banco (GBB), fundado pelo empresário Claudio Oliveira. As operações adicionaram boas cifras ao salário do professor universitário.

Em abril, depois de uma pausa nas negociações, Coimbra decidiu retomar os investimentos na plataforma. O objetivo? Garantir uma renda extra para as férias do meio do ano.

O descanso planejado, no entanto, virou dor de cabeça. Um saque solicitado no início de julho segue bloqueado na NegocieCoins. Cansado da falta respostas, ele entrou com uma ação contra a corretora e o GBB. “Minha causa é pequena, de R$ 5 mil”, diz. “Mas não sou o único.”

Muitos outros clientes da NegocieCoins e da TemTBC, outra corretora do GBB, vêm tendo dificuldade para ver a cor do dinheiro investido. Desde meados de maio, diversos deles estão com saques retidos em suas contas nas duas plataformas.

O NeoFeed contabilizou mais de 30 processos, com valores que vão de R$ 1 mil a R$ 2,3 milhões

O saldo desse imbróglio é uma série de ações judiciais movidas contra o grupo em todo o Brasil. Somente no estado de São Paulo, o NeoFeed contabilizou mais de 30 processos, com valores que vão de R$ 1 mil a R$ 2,3 milhões.

Em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, o advogado Gustavo Bonini Guedes, de Curitiba (PR), responsável por dois processos, afirmou que há mais de cem ações em andamento, cujo valor, somado, supera R$ 70 milhões. Ele acrescentou que não é possível estimar o montante total, já que muitas delas correm em segredo de justiça.

Algumas decisões deixam claro os riscos para o GBB. Na 4ª Vara Cível de Vila Velha (ES), o juiz chegou a determinar o bloqueio das contas das empresas do grupo, no valor de R$ 6,47 milhões, além de bens de Oliveira, entre eles, seis carros de luxo. Poucos dias depois, veio à tona na internet um vídeo com o empresário ironizando a decisão.

Já na quarta-feira 21, uma decisão da Justiça do Paraná determinou o bloqueio do passaporte de Oliveira, que também tem cidadania suíça. A ação foi revogada ainda na mesma semana.

Rei do Bitcoin

Aos 48 anos, Oliveira é o nome por trás do GBB. E ganhou fama pelo estilo de divulgar e tocar o negócio, que conta com outras oito empresas, além das duas corretoras. Em abril, por exemplo, ele reuniu cem convidados no restaurante Rubayat, em São Paulo, para apresentar as novidades do grupo.

Entre os presentes, além de investidores e parceiros, nomes como o apresentador Ratinho e seu colega Amaury Júnior. Este, por sua vez, foi quem apelidou Oliveira de “Rei do Bitcoin”, alcunha que ele adotou desde então.

Em entrevistas, o empresário reforçou uma trajetória de self made man

Em entrevistas concedidas ao apresentador, o empresário reforçou uma trajetória de self made man. Disse que se mudou para a Suíça aos 17 anos, onde se graduou e fez doutorado em “Engenharia Financeira”. Ao mesmo tempo, disse que as corretoras haviam faturado R$ 182 milhões apenas em março e que o grupo se tornaria o maior do segmento no mundo.

Passado um mês, no entanto, vieram à tona os problemas com os saques retidos em suas corretoras. Uma semana depois dos primeiros episódios, o GBB informou ter sido vítima de uma ação criminosa, denunciada à Delegacia de Estelionato de Curitiba.

Segundo a companhia, um grupo de clientes teria duplicado os saldos de suas contas e efetuado saques indevidos, no valor aproximado de R$ 50 milhões.

Em comunicado divulgado na época, o GBB afirmou que o fato teria gerado “uma situação pontual de atrasos nos pagamentos de saques dos clientes”. E acrescentou que passaria a apresentar propostas para regularizar essas pendências.

“Todos vão receber instruções corretas para voltar à normalidade na plataforma”, afirmou Oliveira em vídeo divulgado em 5 de junho, no qual prometia dar a solução para todos os clientes até o dia 31 daquele mês.

“Foi uma estrada difícil, de dor, mas a gente se considera como uma fênix, que renasce das cinzas”, disse o empresário, que acrescentou: “Podemos ainda ter o orgulho de bater a mão no peito e dizer que somos o maior grupo de criptomoedas do mundo.”

Quase três meses se passaram e houve poucos avanços. “Na prática, os acordos feitos não são cumpridos e cada hora eles dão um prazo diferente”, diz Coimbra, que cita relatos feitos por outros clientes em grupos criados no aplicativo de mensagens Telegram. E o novo prazo estabelecido pelo GBB, 9 de setembro.

Quem não adere ao acordo, por sua vez, entra em uma fila de espera nas duas corretoras do grupo. No site da NegocieCoins, há uma lista de retiradas pendentes para 3.659 usuários. Já na TemTBC, são 1.815 clientes. À medida que os acordos vão sendo feitos, os nomes são retirados dessa relação. “Mas é uma falsa impressão de que está evoluindo. Na verdade, a fila não anda”, afirma Coimbra.

Ele cita ainda a falta de um canal de interlocução do GBB com os clientes. No início de agosto, a empresa criou um grupo oficial no Telegram. Mas, segundo Coimbra, as interações do responsável vêm rareando nas últimas semanas. “O que sobra são alguns áudios do Claudio Oliveira que surgem, de tempos em tempos, em grupos não oficiais.”

Sócio do Pereira Jorge, Zagonel e Torres Sociedade de Advogados, Rafael Lima Torres está vivenciando os dois lados dessa moeda. Pelo escritório, atende quatro clientes cujas perdas com o GBB somam cerca de R$ 300 mil.

Ele, por sua vez, também acumula um prejuízo de R$ 50 mil com as plataformas. “Os funcionários são orientados a enrolar os clientes com falsas promessas”, diz Torres. “É um modus operandi que percebi tanto comigo, como nos casos que atendo.”

O GBB não revelou quantas pessoas foram afetadas pelos saques retidos

Procurado pelo NeoFeed, o GBB não revelou quantas pessoas foram afetadas pelos saques retidos. Nem tampouco o montante bloqueado até o momento. Mas afirmou que o pagamento da primeira parcela de um acordo firmado com 215 clientes foi realizado na quarta-feira 21.

Nos últimos dias, a companhia também anunciou prioridade para que os clientes com saques pendentes trocassem os valores devidos por produtos na loja virtual Get4bit, outra empresa do grupo. O catálogo inclui de computadores, celulares e instrumentos musicais a carros e motos Harley Davidson.

Até o momento, diz o GBB, foram feitas 1.814 trocas na plataforma. A Get4bit, no entanto, também é alvo de reclamações dos clientes, que alegam que há poucos produtos disponíveis. E que os valores praticados estão bem acima do que é cobrado no mercado.

Impactos no mercado

Os clientes do GBB já estão pagando um preço alto por toda essa situação. E a conta pode ficar cara também para o mercado de criptomoedas. “Ainda não sabemos o desfecho desse caso”, diz Rodrigo Borges, diretor jurídico da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB). “Mas qualquer notícia negativa envolvendo um setor muito novo, que ainda carece de um voto de confiança, acaba trazendo prejuízos a todos.”

Para Borges, ainda que se prove que a situação em questão não envolveu má fé, o estrago no que diz respeito à credibilidade do setor já foi feito. Ele cita outros exemplos que envolveram e impactaram esse mercado.

É o caso da Kriptacoin, moeda virtual falsa que fez 40 mil vítimas em Goiás e no Distrito Federal, em 2017. Os responsáveis incitavam os investidores a indicar outros integrantes e prometiam lucros de até 1%. Em seis meses, o esquema movimentou R$ 250 milhões.

No País, um caso mais recente aconteceu em maio, quando dez pessoas foram presas em Novo Hamburgo (RS). A acusação passava por um suposto esquema no qual o grupo captava recursos de terceiros com a promessa de investir em bitcoins e outras moedas. Na prática, essa última parte não era cumprida. Segundo as investigações, 55 mil pessoas foram afetadas, com um valor total próximo de R$ 1 bilhão.

“Qualquer notícia negativa envolvendo um setor muito novo acaba trazendo prejuízos a todos”, diz Rodrigo Borges, da ABCB

As fraudes envolvendo supostas operações com bitcoins e companhia não estão restritas ao Brasil. Em abril, a polícia americana prendeu duas pessoas acusadas de integrar um esquema de pirâmide com criptomoedas que movimentou mais de US$ 2,5 bilhões, por meio da plataforma OneCoin.

Segundo um relatório da CipherTrace, empresa de segurança do Vale do Silício, as perdas relacionadas a fraudes e atividades ilícitas com criptomoedas superaram US$ 4,26 bilhões no primeiro semestre, contra US$ 1,7 bilhão em todo o ano de 2018.

“Quem decide investir em criptoativos tem que entender que não existe ganho fácil, nem milagre”, afirma Borges. “É preciso checar quem são as pessoas por trás do projeto, quanto tempo estão no setor e o que fazem para entregar a rentabilidade prometida.”

Em nota enviada ao NeoFeed, a Associação Brasileira de Criptoeconomia ressaltou, assim como a ABCB, que o GBB não está entre seus associados. E destacou que os episódios envolvendo o grupo “reforçam a importância de regulações específicas do setor, que não atrapalhem a inovação e, ao mesmo tempo, evitem o uso dos criptoativos para fins ilícitos.”

A entidade também citou alguns avanços já conquistados. Entre eles, a movimentação de boa parte do setor para implantar políticas de compliance e de sistemas de segurança e contra a lavagem de dinheiro.

Outro ponto é a Instrução Normativa 1888/2019, que entrou em vigor em agosto, com o objetivo de evitar que os criptoativos sejam usados para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

Existem ainda quatro projetos de lei em tramitação no Congresso para regular a atuação das plataformas de compra e venda de criptomoedas e também a fiscalização por parte de órgãos do Estado.

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