Quatro meses após a saída do CEO global da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, a unidade brasileira da companhia realiza o mesmo movimento, justamente em um momento em que novos players ganham espaço no mercado das canetas emagrecedoras no País e que a companhia trava uma batalha na Justiça para ampliar a patente da liraglutida.
Desde a sexta-feira, 26 de setembro, Isabella Wanderley não ocupa mais o posto de CEO da Novo Nordisk no Brasil. Ela estava no cargo desde agosto de 2021. A executiva segue como membro independente do conselho de administração da varejista de moda C&A, função que ocupa desde abril de 2023.
A saída ocorreu de forma discreta, algo pouco usual no mercado quando há uma troca de um cargo relevante como o de CEO. A Novo Nordisk não fez nenhum anúncio oficial e coube à executiva falar sobre a saída em sua página pessoal na rede LinkedIn.
Nos quatro anos em que esteve à frente da companhia, Wanderley acompanhou o sucesso no País do blockbuster global da companhia, o Ozempic, caneta que tem a semaglutida como princípio ativo. O produto chegou às prateleiras das farmácias brasileiras em 2019, mas explodiu após vídeos de influenciadores nas redes sociais.
“Nesse período, crescemos, testamos e aprendemos. Ganhamos relevância científica, mudamos a forma como o Brasil enxerga a obesidade, e construímos uma cultura que valoriza a diversidade, a inclusão e o desenvolvimento humano”, diz a executiva, em seu texto de despedida na rede social.
Fontes da indústria farmacêutica informaram ao NeoFeed que a operação brasileira da Novo Nordisk está sendo interinamente liderada pelo vice-presidente da América Latina da companhia, Allan Finkel, que justamente antecedeu Wanderley no posto de CEO no Brasil.
O representante da companhia na América Latina já avisou a executivos que, a partir de agora, ele será o interlocutor da empresa junto a entidades representativas do setor no País.
Isabella Wanderley também deixou o posto de conselheira da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), onde atuava como representante da Novo Nordisk desde março de 2022.
Procurada pelo NeoFeed, a Novo Nordisk confirmou a saída da CEO. “Confirmamos que a Novo Nordisk no Brasil passou por uma mudança de liderança, e transições são uma parte natural de organizações em evolução. Somos gratos pelas contribuições significativas de Isabella Wanderley durante seus quatro anos na empresa como general manager”, afirma a companhia, em nota.
Especialistas do setor ouvidos pelo NeoFeed, no entanto, entendem que a troca no País tem relação com a entrada no mercado brasileiro, em maio deste ano, do medicamento Mounjaro, da farmacêutica americana Eli Lilly, que tem como princípio ativo a tirzepatida, um análogo ao GLP-1 mais potente que a semaglutida e com melhores resultados.
“Eles [Novo Nordisk] estão passando por grandes mudanças de gestão global e já acreditávamos que o Brasil poderia sofrer mudanças também”, diz uma fonte que atua no mercado da indústria farmacêutica.
A saída da CEO no Brasil ocorre também em meio à queda de braço na Justiça com o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), que conseguiu reverter decisão que garantia mais oito anos da patente da liraglutida, sob alegação de demora no registro do medicamento. Originalmente, o prazo terminou em novembro de 2024.
A partir do fim da patente, a farmacêutica brasileira EMS passou a produzir as primeiras canetas emagrecedoras no País, a Olire (para obesidade) e Lirux (para diabetes tipo 2), que entrou no mercado em agosto.
A companhia, controlada pela família Sanchez, também foi à Justiça e conseguiu liminar para seguir comercializando os produtos. Com as decisões favoráveis ao Inpi e à EMS, a patente voltou à condição de expirada.
Em nota assinada pelo vice-presidente de assuntos corporativos, Leonardo Bia, a Novo Nordisk alega que a disputa é pela "simples devolução do tempo de exclusividade consumido pela burocracia". "A segurança jurídica hoje significa acesso às inovações de amanhã", diz.
Há uma tendência, segundo outro especialista da área ouvido pelo NeoFeed, de mudança no comando das gigantes do setor quando há turbulência financeira e de redução de participação no mercado.
“Algo parecido aconteceu com a Pfizer, no período da pandemia da Covid-19, quando, após registrar queda no volume da vacina a partir da entrada de novos players, anunciou a saída do CEO Carlos Murillo [hoje CEO da Pfizer na Espanha]”, afirma essa fonte, em condição de anonimato.
Desse modo, não seria de se estranhar caso a companhia aproveitasse a oportunidade para uma reformulação no organograma da unidade brasileira da farmacêutica, eliminando o cargo de CEO, com a ligação definitiva com o comando da América Latina. Fontes ouvidas pela reportagem, com acesso à empresa, disseram que a possibilidade é real. Questionada, a empresa não respondeu sobre isso.
Preocupação em vista
Relatório recente do Santander diz que a empresa deve sair do cenário atual de 100% do mercado de semaglutida no País para apenas 40% em 2028. A análise está no fato de que a patente do Ozempic no Brasil tem previsão de expirar em março de 2026.
“Várias empresas estão de olho nas oportunidades após a expiração da patente da semaglutida. Além disso, a Novo Nordisk já reduziu os preços do Ozempic em 20% após a entrada do Mounjaro no Brasil”, dizem os analistas Caio Moscardini e Eyzo Lima.
As empresas Hypera Pharma, Biomm, Cimed, Prati-Donaduzzi, além da EMS, já demonstraram interesse na fabricação de suas versões próprias para o Ozempic.
Outro componente que tem pesado para a queda na participação do mercado de canetas emagrecedoras no Brasil que, segundo o BTG Pactual, deve chegar a R$ 7,5 bilhões, em 2026, está na chamada ruptura dos produtos nas farmácias, que é quando há falta dos medicamentos nas prateleiras.
A empresa nega que haja falta, "sem previsão de desabastecimento", mas a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) confirma que há intermitência da entrega de Ozempic – e também do Mounjaro – nas principais redes do Brasil.
Para um executivo do setor, a Novo Nordisk tem sido “vítima” do próprio mercado que ajudou a criar. “A empresa caiu na cilada de ter um produto incrível, mas sem saber como lidar com a demanda. E isso é um problema interno e não externo.”
Para justamente tentar amenizar o impacto da concorrência do Mounjaro no País, a Novo Nordisk anunciou, na quarta-feira, 1º de outubro, o lançamento de dois medicamentos, também a base de semaglutida: Poviztra (para obesidade) e Extensior (para diabetes).
Na prática, eles são uma espécie de "clone" de Ozempic e Wegovy. A empresa confirma que não existe diferença entre os medicamentos e que o objetivo principal, neste caso, é ampliar o alcance da semaglutida.
O produto, que será fabricado na Dinamarca, terá a distribuição no Brasil pela Eurofarma, principalmente em regiões em que a Novo Nordisk não alcança. Com perspectiva de chegar às farmácias ainda em outubro, mas sem uma data definida, a empresa também não revelou quais serão os valores, que devem ser um pouco menores do que o Ozempic.
Crise global e demissões
Globalmente, a crise da empresa é visível. Em maio, a Novo Nordisk anunciou a saída de Lars Fruergaard Jorgensens, no período em que a companhia enfrentava uma queda brusca de valor de mercado.
No início de setembro, a empresa anunciou o corte de 9 mil empregos em sua força de trabalho global, o que representava 11% do total de funcionários da companhia. A economia prevista chega a US$ 1,25 bilhão.
Quando assumiu o posto, em agosto, o CEO Mike Doustdar prometeu aumentar o “senso de urgência” para executar as mudanças necessárias que pudessem resultar na recuperação do espaço perdido no mercado farmacêutico.
No acumulado de 2025, as ações da Novo Nordisk acumulam queda de 42,6% na Bolsa de Copenhague, e de 31,2% na Bolsa de Nova York. O atual market cap da companhia é de US$ 195,74 bilhões, bem diferente dos US$ 570 bilhões, de maio de 2024, quando se tornou a empresa mais valiosa da Europa.