Aos 50 anos, Belmiro Gomes costuma reservar uma boa parte dos seus fins de semana aos carros antigos, uma de suas principais paixões. Entre outros modelos, a coleção pessoal inclui um Omega 93, seu “xodó”, e um Dodge V8 Le Baron, de 1979, dono, em suas palavras, de um “ronco insuperável”.
Sob a direção do executivo, outro ativo também tem feito barulho, mas na bolsa de valores. Os papéis da rede de atacarejo Assaí acumulam uma valorização próxima de 42% no ano e lideram o desempenho positivo das ações do varejo alimentar, setor que está na contramão da queda generalizada na B3 em 2022.
Esse pacote inclui ainda nomes como o Carrefour, dono do Atacadão, com alta acumulada de 29,5%; o Grupo Mateus, com valorização de 6,4%. No caso do Assaí, avaliado em R$ 24,7 bilhões e com uma base atual de 220 lojas, parte dessa marcha se explica pela trilha de expansão da rede, a partir da compra, em outubro de 2021, de 71 unidades do Extra Hiper.
Recentemente, a empresa engatou uma onda de conversões que promete entregar 40 dessas lojas já nesse ano e, as demais, em 2023. “Estamos com 56 lojas em obras”, diz Gomes, ao Conexão CEO (vídeo completo acima), em uma conta que inclui reformas, aberturas orgânicas e outros dados. “São mais de 7 mil novos colaboradores em treinamento e, nesse ano, devemos contratar em torno de 28 mil.”
Nesta semana, um mês depois de dar o pontapé nessa estratégia com a reabertura das duas primeiras unidades em Ceilândia (DF) e Campina Grande (PB), o Assaí reinaugurou as três primeiras lojas repaginadas no estado de São Paulo, sendo duas, Anhanguera e Guaianases, na capital, e uma em Araraquara.
A loja da Anhanguera ilustra as adaptações no modelo do Assaí diante da entrada em regiões mais adensadas das cidades. Instalada em uma área de 8,9 mil metros quadrados e com categorias como automotivo e eletroportáteis, a unidade tem um mix de 10,5 mil itens, contra a média de 8,5 mil da rede.
“Já convertemos 26 lojas antes dessa onda e temos outras aberturas orgânicas nesse perfil”, diz Gomes. “Como a população tem outro nível de renda, você consegue trabalhar com um tíquete médio maior, então, essas lojas têm, em média, uma margem Ebitda em torno de 150 bps acima da média do nosso padrão.”
Para analistas ouvidos pelo NeoFeed, essa agenda recheada não é, no entanto, o único motivo para que a ação do Assaí desponte como “um consenso” entre as preferidas do varejo alimentar e da B3.
Há questões ligadas ao modelo do atacarejo. O setor, que já vinha em aceleração há alguns anos, ganhou ainda mais fôlego no cenário macroeconômico mais instável. Com sua relação custo-benefício e por lidar com bens de primeira necessidade, ele é visto como mais defensivo e menos volátil pelos investidores.
“O Auxílio Brasil também traz um colchão de segurança da renda que acaba sustentando essa demanda em uma categoria mais necessária como o varejo alimentar”, diz Danniela Eiger, analista de varejo da XP, que tem o Assaí e o Grupo Mateus como principais escolhas do segmento, com algumas ressalvas nessa “lista”.
“O Assaí traz um track record forte de entregas, algo que o Grupo Mateus não possui”, afirma. “Ao mesmo tempo, o Carrefour, que abriga o Atacadão, tem uma exposição ao varejo que o Assaí não tem. Então, no relativo, os investidores preferem ter exposição a quem é puramente do atacarejo.”
O calendário de expansão não é uma exclusividade do Assaí. O Atacadão, por exemplo, também está com uma primeira onda de conversões em curso a partir da aprovação, em maio desse ano, da aquisição do grupo Big pelo Carrefour, fruto de um acordo de R$ 7,5 bilhões, anunciado em março de 2021.
Como parte dessa estratégia, a primeira etapa de reinauguração de lojas do Big, agora sob a bandeira do braço de atacarejo do grupo francês, envolverá 13 unidades e está prevista para setembro. Mesmo com essas conversões em paralelo, na visão de analistas, o Assaí sai na dianteira desse processo.
“O Assaí foi mais rápido nessa agenda, tanto que anunciou seu acordo depois da compra do Big pelo Carrefour e começou a entregar lojas antes”, diz Eiger. “E as localizações, em sua maioria, são mais centrais na comparação com o Atacadão, o que abre caminho para mais produtividade por metro quadrado.”
O Santander também coloca o Assaí como top pick do setor, com preço-alvo de R$ 20 para a ação, negociada atualmente no patamar de R$ 18. Head de retail do banco, Ruben Couto traz outros elementos para justificar essa preferência. Entre eles, o fato de o Assaí estar sendo negociado num valuation mais razoável.
“Já o Carrefour não comprou uma marca ou um formato só. Essas conversões do Big ser mais faseadas e devem levar mais tempo”, afirma. “E o Assaí tem um histórico de 26 conversões bem-sucedidas antes do seu acordo, com lojas já maduras, e suas reaberturas tendem a ser vistas como menos complexas.”
Em contrapartida, os dois analistas concordam que os principais riscos no horizonte do Assaí também passam por essa expansão e, principalmente pela execução dessa estratégia e o resultado dessas lojas em operação.
“Com o montante desembolsado no acordo com o Extra e as reformas, o valor total acaba sendo muito maior que abrir uma loja orgânica”, diz Couto. “Para justificar esse investimento, as conversões terão que trazer, uma receita média por metro quadrado e margens maiores do que a média do Assaí. Isso será cobrado pelo mercado.”
No programa Conexão CEO, Belmiro Gomes discorre sobre esse desafio, dá mais detalhes dessa agenda, da evolução do atacarejo e de seu modelo, além de falar da retomada do consumo entre os diferentes públicos da rede, dos efeitos do cenário macroeconômico e da perspectiva de uma consolidação no setor.