O investidor brasileiro ganhou nesta terça-feira, 7 de outubro, mais uma companhia de tesouraria de Bitcoin na B3, com a estreia da OranjeBTC por meio de IPO reverso, após a aquisição da empresa de cursinho pré-vestibular Integraus, por R$ 15 milhões.
A OranjeBTC nasce com 3.675 bitcoins em carteira, tamanho que já a posiciona como a maior empresa de tesouraria de bitcoin da América Latina, à frente da Méliuz, pioneira desse mercado na B3, que detém 605 bitcoins.
O volume atual em tesouraria da Oranje supera os R$ 2 bilhões, considerando a cotação mais recente da criptomoeda, cerca da metade de seu valor de mercado, de R$ 3,725 bilhões. As ações fecharam estáveis na estreia, a R$ 24, depois de terem chegado a superar R$ 28 ao longo do dia.
O projeto teve captação junto a grandes investidores e gestoras de patrimônio (wealth management), mas a companhia não informou o montante total arrecadado, revelando apenas alguns nomes de investidores, como Cameron e Tyler Winklevoss, Adam Back e FalconX.
O fundador e CEO, Guilherme Gomes, também não detalhou o volume de caixa disponível, mas afirmou que há recursos suficientes para manter as operações por três anos. Segundo ele, o plano da OranjeBTC envolve realizar compras regulares de bitcoin, sem utilizar todo o dinheiro captado de uma só vez.
A empresa também planeja utilizar a expertise educacional da Integraus para alavancar sua frente de educação e torná-la uma fonte de receita capaz de cobrir os custos operacionais. A OranjeBTC conta com cerca de 30 funcionários apenas na parte de tesouraria.
Na largada, a companhia inicia suas operações com queima de caixa. As operações da Integraus, sozinha, estão apenas no breakeven, sem gerar excedentes significativos, segundo Gomes. “É bem pequeno [o consumo de caixa], principalmente dado o tamanho do que a gente tem de recursos”, disse Gomes. “A ideia é que isso diminua.”
A tese, segundo a própria OranjeBTC, segue os mesmos princípios adotados por Michael Saylor, da Strategy, cuja estratégia atraiu entusiastas da criptomoeda, levando ao disparo no preço das ações e ao crescimento exponencial de sua tesouraria — hoje com 640.031 bitcoins, o equivalente a cerca de US$ 78 bilhões.
“Se a Strategy tiver um milhão de bitcoins em tesouraria, e o bitcoin chegar — como eu acredito que vai chegar — a US$ 1 milhão por unidade, eles terão um balanço de US$ 1 trilhão. O que uma Strategy pode fazer num mercado pungente como o americano nessa posição? A gente pensa de forma parecida para a América Latina”, afirmou Gomes.
No mercado, as empresas de tesouraria em bitcoin são conhecidas por funcionarem como um “beta de Bitcoin” — ou seja, conseguem se alavancar para comprar mais do ativo, potencializando seus resultados.
Quando o preço do bitcoin sobe, essas companhias tendem a valorizar ainda mais, o que justifica um desempenho superior de suas ações em relação ao próprio ativo. Por outro lado, em momentos de queda, elas também sofrem mais.
Muitas dessas dívidas têm a opcionalidade de conversão em ações — o que costuma reduzir a taxa de juros e o risco da operação. Mas há o risco de o preço do bitcoin cair (e, consequentemente, da ação), a ponto de o credor preferir receber em dinheiro, o que poderia levar à venda de bitcoins e à perda de patrimônio.
Até agora, a OranjeBTC captou apenas com a Parafi Capital, uma gestora americana, que emprestou R$ 128 milhões a juros zero, com vencimento em cinco anos e possibilidade de conversão em ações da companhia.
“É uma dívida bem pequena, mas muito para provar como é que você consegue operar com esses mecanismos financeiros. Então, a empresa já tem um pequeno livro de alavancagem, mas para mostrar como o conceito funciona”, disse o CEO da OranjeBTC.
Para Vinícius Bazan, CEO da Underblock, um dos diferenciais entre as empresas de tesouraria de bitcoin deverá ser a capacidade de gerar bitcoin por ação.
“Você já está exposto à valorização do bitcoin ao estar comprando essa empresa, mas você também está comprando um veículo que está adquirindo mais bitcoins. Estou gerando um certo yield para esse investidor”, afirma Bazan.
Para isso, afirma, é importante manter o valor de mercado elevado para conseguir emitir ações a preços atrativos e, assim, aumentar os bitcoins por ação.
A estratégia, até agora, tem se diferenciado da empregada pela Méliuz, que tem mantido as compras de bitcoin apenas com dinheiro em caixa e emissões de ações, chegando a levantar cerca de R$ 180 milhões em junho.
Mas Israel Salmen, presidente do conselho de administração da Méliuz, afirma que, embora ainda não tenha feito dívidas para comprar bitcoin, isso “está no plano de qualquer bitcoin treasury company”.
“Estamos sempre atentos aqui, mas não tem nada em aberto, nenhuma conversa pública que permita a gente falar sobre qualquer operação do tipo”, afirmou Salmen ao NeoFeed.
A Méliuz, que foi listada em 2020 como uma empresa de cashback, pivotou o negócio neste ano para focar quase exclusivamente em acumular bitcoin — uma mudança de estratégia que levou as ações a subirem mais de 200% entre abril e maio. Desde o pico, no entanto, os papéis já acumulam queda de cerca de 50%.
“A empresa está precificada pelos seus ativos em tesouraria. O valor do negócio do Méliuz é praticamente zero, mesmo sendo uma companhia que gera caixa, que não tem dívidas e que continua crescendo, que tem mais de 40 milhões de usuários”, comentou o chairman.
Para Fabricio Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, é importante para o mercado de criptoativos que mais empresas listadas se tornem tesourarias de bitcoin, especialmente para aproximar esse mundo do investidor institucional.
"Ainda vejo um hiato no mercado financeiro tradicional em relação ao universo cripto. Não é um assunto que todo mundo discute o tempo todo, não é uma alocação óbvia como deveria ser, na minha visão", afirmou Tota.
Esse é um movimento que tem ganhado força especialmente nos Estados Unidos, onde a Strategy puxou a fila das tesourarias de bitcoin, atraindo outras empresas como GameStop, Trump Media & Technology Group e MARA Holdings.
Tota, no entanto, tem dúvidas se o mercado brasileiro tem profundidade para isso. “Lá fora está acontecendo. Não sei se o mercado brasileiro tem tamanho suficiente para isso.”
Para Salmen, da Méliuz, ainda é “muito cedo para falar de competição entre Bitcoin Treasury Companies”. “Eu vejo essas empresas como aliadas numa mesma ambição. Elas ajudam a rede, ajudam a educar as pessoas, inclusive, sobre o bitcoin.”