Em abril de 2023, Miguel Setas assumiu como CEO da CCR. Em uma de suas primeiras medidas, o executivo desenhou e começou a implantar um plano com 25 frentes estratégicas para serem tocadas, em paralelo, pela companhia de concessões ligadas à área de infraestrutura.
Agora, uma dessas vias começa a ganhar tração. Com um capex total de R$ 8 bilhões projetado para 2024, o grupo quer ampliar o acesso a receitas complementares em suas concessões de rodovias estaduais, aeroportos e de mobilidade urbana para engordar o seu caixa.
Para isso, a CCR está traçando um roteiro de negócios integrados ou adjacentes aos ativos sob sua gestão. O que pode incluir desde projetos de energia e de desenvolvimento imobiliário no entorno dos aeroportos e rodovias até centros de compras em áreas anexas às estações de trens e metrôs.
“O potencial de negócios associado aos nossos ativos estava subaproveitado. Eles tinham uma gestão, mas não havia foco, nem direcionamento”, diz Setas, ao NeoFeed. “Nós passamos a ter um olhar mais estratégico para essa frente, que está ganhando dimensão e já gera mais de R$ 1 bilhão em receitas.”
Para se ter a exata medida da representatividade desses negócios, a CCR fechou 2023 com uma receita total de R$ 14,9 bilhões. Outros números traduzem, por sua vez, a “pista” disponível para que esses projetos sejam explorados e ajudem a turbinar o resultado da companhia.
Além de 3,6 mil quilômetros de rodovias, o grupo gerencia 130 estações de trens, metrôs, VLT e barcas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, com um volume diário de 3 milhões de passageiros. E opera 20 aeroportos, 17 no Brasil e três na América Latina, com um fluxo anual de 46 milhões de passageiros.
É nas áreas de mobilidade urbana e de aeroportos que o grupo enxerga mais potencial de geração de receita na largada dessa estratégia. Na primeira linha, já existem cinco projetos-piloto em curso que incorporam a oferta de espaços para o varejo.
Um deles é o Mall Vila Sônia, anexo à estação de mesmo nome na linha 4 do metrô de São Paulo. Com inauguração no segundo semestre, o centro de compras tem uma área bruta locável (ABL) de 2,5 mil metros quadrados – 50% já contratados - para 45 lojas, 24 quiosques e uma praça de alimentação.
Outra iniciativa prevista para a segunda metade do ano são os malls nas áreas internas de três estações de metrô em Salvador (BA). A ABL é de 2,3 mil metros quadrados e pode abrigar até 68 lojas, das quais, 41 já estão locadas para marcas como Trifil, Subway e Farmácia Pro Saúde.
Fruto de um aporte de R$ 400 milhões, uma quinta área já está em operação desde fevereiro no Terminal Intermodal Gentileza (TIG), que integra o VLT, o BRT e ônibus municipais no Rio de Janeiro. Ela pode abrigar 80 lojas, sendo que 15 já foram locadas para redes como Bob’s e Grão da Terra.
Além da expansão dessa abordagem para outras estações, no longo prazo, a CCR avalia rentabilizar seus ativos com outras vertentes. Entre elas, o transporte de cargas fracionadas, em particular, em itinerários com a linha 8 Diamante, que liga São Paulo a Itapevi.
“Essa linha tem uma sinergia muito grande com o polo de Sorocaba e, portanto, o transporte de carga também pode ser um negócio complementar no futuro, num patamar mais pioneiro”, diz Setas. “Já fazemos isso em aeroportos e é algo que podemos vir a explorar também em mobilidade urbana.”
Já em aeroportos, a CCR tem uma ABL de 17,5 mil metros quadrados e evoluiu de uma taxa de ocupação de 39%, em 2022, para os atuais 52%. Em 2023, foram fechados 52 contratos e abertas 70 operações de bandeiras como Kopenhagen, McDonald’s e Heineken. Neste ano, foram feitas 17 inaugurações.
Em um segundo percurso, a empresa também tem uma boa base à disposição no campo do real estate para gerar novas receitas. Em aeroportos, o grupo já identificou um landbank com cerca de 50 terrenos associados aos ativos sob sua gestão.
Essas áreas somam 2,7 milhões de metros quadrados, dos quais, 1,2 milhão já foram incluídos em contratos de exploração imobiliária. Setas não revela os nomes dos parceiros, mas cita galpões logísticos, hotéis, operações de grandes varejistas e postos de combustíveis como potenciais usos.
O modelo prevê que os investimentos sejam feitos pelos parceiros. A CCR será remunerada pela cessão dos terrenos. O mesmo vale para a mobilidade urbana, onde o grupo identificou 43 mil metros quadrados em 11 terrenos próximos das estações, sendo nove em São Paulo e dois em Salvador.
Fonte de inspiração e energia
Após ser eleito um dos pilares no caminho traçado desde a chegada de Setas, os negócios complementares ganharam ainda mais foco em setembro de 2023, quando a CCR começou a estruturar uma diretoria para tocar esses projetos.
Com o apoio das demais estruturas da empresa, essa equipe terá cerca de dez pessoas dedicadas e, na área de real estate, está trabalhando a quatro mãos com a consultoria Urban Systems para identificar os projetos com mais potencial de retorno e o landbank disponível para implantá-los.
Hoje, todos esses terrenos estão em áreas incluídas nas concessões da CCR. Setas observa, porém, que o grupo avalia investir em propriedades além dessa base. Uma das inspirações é a Mass Transit Railway (MTR), grupo de mobilidade urbana de Hong Kong.
“A MTR é maior do mundo no setor e uma grande parte do negócio deles é real estate”, explica. “Eles antecipam e compram os terrenos antes de suas concessões chegarem lá. Esse é um dos cases que estamos estudando.”
Mesmo ressaltando que cada projeto precisa ser aprovado individualmente, ele não enxerga grandes entraves sob o ponto de vista regulatório para levar à frente a tese de exploração comercial e de real estate em aeroportos e mobilidade urbana.
“Não temos visto problemas, pois é um processo normal no nosso negócio. Temos contato diário com as entidades regulatórias, então, não é algo que nos assusta”, diz. “E, no fim do dia, isso se reflete em um serviço mais completo para o usuário, além de compartilharmos parte da receita gerada.”
O mesmo não se pode dizer das rodovias. Nessa ponta, a CCR enxerga mais potencial na exploração de receitas de publicidade, algo que ainda não é permitido nas concessões no estado de São Paulo e que depende das discussões em andamento a respeito de um arcabouço para regular essas práticas.
Isso explica o fato de o segmento, que é o carro-chefe do grupo não ser prioridade da estratégia de negócios adjacentes nesse primeiro momento. Aqui, no curto prazo, a aposta está restrita às infraestruturas de fibra ótica.
Nesse caso, porém, a ideia não é gerir as operações. Tanto que, em março, a CCR anunciou a venda da Samm, empresa que atuava com essa finalidade, para a Megatelecom. O acordo ainda depende de aprovação e foi fechado por R$ 100 milhões.
“Vamos deixar de ter participação no negócio, mas isso não desqualifica as receitas de telecom”, diz Setas. “A ideia é facilitar a passagem das fibras para que essas redes sejam gerenciadas por especialistas. Não é o nosso core.”
A CCR ainda reserva parte do seu fôlego para o campo da energia, onde antecipou em um ano, para 2024, a meta de ter 100% do consumo de suas concessões abastecido por fontes renováveis. O grupo investiu, por exemplo, em 11 usinas solares e duplicou sua capacidade instalada em 2023.
Com essas e outras iniciativas, a empresa, que figura entre as 50 maiores consumidoras de energia do Brasil, projeta uma redução de 20% em seus gastos na área no prazo de até três anos. E já vislumbra outras iniciativas.
“Podemos chegar a uma situação em que temos excedentes de energia para vender no sistema”, diz Setas. “Outra possibilidade é oferecer um serviço de gestão energética para o setor de mobilidade, cujo consumo é muito específico e diferente da indústria, do varejo e de outros segmentos.”
Enquanto mira esses projetos, em seu balanço mais recente, referente ao primeiro trimestre, a CCR reportou um salto de 41,5% no lucro líquido ajustado, para R$ 449 milhões, e uma alta de 7,7% na receita líquida ajustada, para R$ 3,47 bilhões.
O BTG Pactual ressaltou o resultado sólido, ao observar que boa parte dos indicadores veio em linha com as projeções. O banco também fez uma menção positiva ao anúncio da venda da Samm, anunciado no trimestre.
“Esse movimento reforça a nossa visão de uma melhor estratégia de alocação de capital”, escreveram os analistas Lucas Marquiori, Fernanda Recchia e Marcelo Arazi. O trio manteve a recomendação de compra e o preço-alvo de R$ 19 para a ação.
Na segunda-feira, 13 de maio, os papéis da CCR fecharam o pregão na B3 com ligeira alta de 0,47%, cotados a R$ 12,71. Em 2024, as ações acumulam, porém, uma desvalorização de 10,3% e o grupo está avaliado em R$ 25,6 bilhões.