A Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da BRF, que estava prevista para acontecer na quarta-feira, 18 de junho, foi adiada pela CVM. A reunião tinha como objetivo deliberar sobre a proposta de incorporação da BRF pela Marfrig, operação que pode dar origem a um dos maiores grupos de alimentos do mundo.

O colegiado da autarquia entendeu que faltavam informações suficientes que justificassem a relação de troca acordado em sua incorporação pela Marfrig. Em decisão unânime, os diretores da CVM estabeleceram um prazo de 21 dias a partir da divulgação das novas informações para a realização da AGE.

"Quanto mais afastado o valor proposto aos acionistas estiver de um parâmetro de cunho mais objetivo e verificável, maior deve ser a transparência, completude e suficiência das informações divulgadas com vistas a subsidiar a tomada de decisão pelos acionistas sobre a operação", diz a autarquia em decisão.

O adiamento ocorreu após questionamentos levantados pela gestora Latache sobre os termos da relação de troca proposta na transação. A gestora, que é acionista minoritária da BRF, apresentou parecer destacando preocupações em relação aos critérios adotados para avaliação das empresas e formação da relação de substituição de ações.

A petição da Latache tem como base um laudo de avaliação da Apsis, contratada por ambas as companhias. No documento, a ação da BRF aparece avaliada em R$ 19,89, enquanto a da Marfrig é estimada em R$ 8,79 — o que indicaria uma relação de troca mais próxima de 2,26 ações da Marfrig para cada papel da BRF, muito distante de relação de 0,8521 definidos no acordo.

A relação de troca foi definida em negociações entre os comitês independentes das duas empresas, que levou em consideração fatores como o valor de mercado. No fim do pregão de segunda-feira, 16 de junho, o valor de mercado da Marfrig era de R$ 21,45 bilhões e o da BRF, de R$ 34,5 bilhões.

Diante da diferença entre o laudo patrimonial e o acordo definido, a Latache busca uma reavaliação dos termos, alegando que a proposta atual não reflete adequadamente os fundamentos econômicos de cada empresa.

Notando a disparidade na relação de troca, a Latache se posicionou na base acionária da BRF, na tentativa de que uma reavaliação impulsione o preço das ações.

Antes mesmo do anúncio da operação, o mercado já acompanhava com atenção os movimentos de Marcos Molina, controlador da Marfrig, que vinha ampliando sua participação na companhia de forma consistente. As compras, que ocorreram nos meses anteriores à divulgação do acordo, eram vistas com certa desconfiança por parte de investidores e analistas.

No intervalo de 90 dias que antecedeu a divulgação da proposta, as ações da Marfrig acumularam uma valorização de 43%, enquanto os papéis da BRF subiram 3%. No mesmo período, o Ibovespa subiu 8,6%.

Os sinais chegaram a levantar suspeitas no mercado de que uma eventual incorporação seria desenhada de forma favorável à Marfrig, o que chegou a motivar posições compradas no papel. Esse movimento acabou se concretizando no curto prazo: após o anúncio da operação, as ações da Marfrig dispararam mais de 20%.

Apesar dos questionamentos sobre o preço pago pela incorporação da BRF, o mercado enxerga lógica na estratégia da Marfrig para além das potenciais sinergias operacionais. Com a companhia mais alavancada e a BRF gerando caixa, a incorporação poderia destravar valor ao permitir que a Marfrig, que já controla a operação, internalize de forma mais eficiente os resultados.

Hoje, parte dos lucros gerados pela BRF precisa ser distribuída proporcionalmente aos acionistas minoritários, algo que deixaria de ocorrer após a consolidação da fusão.

Apesar da controversa relação de troca, o boletim de voto à distância divulgado pela BRF nesta segunda-feira, 16 de junho, indicou uma maioria de minoritários favorável à operação.

Segundo o documento, foram computados votos representativos de 382,15 milhões de ações, dos quais 35,41% foram a favor da fusão e 16% contra, além de 48% de abstenções. Dos votos válidos à distância, a incorporação teve o aval de 68,9% dos minoritários da BRF.

A operação já havia recebido o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), sem restrições, no início do mês. Com isso, o caminho estava livre do ponto de vista regulatório, restando apenas a aprovação dos acionistas de ambas as companhias para a conclusão do negócio.