Quando a Prosus anunciou a compra da Despegar, controladora da marca Decolar, por US$ 1,7 bilhão, a leitura do mercado foi de que o grupo estava apenas reforçando seu portfólio de consumo digital, que tem marcas como iFood, OLX e Sympla.
Oito meses depois da integração, começam a aparecer sinais de que o negócio com a Decolar abre espaço para a construção do primeiro braço financeiro voltado ao setor hoteleiro independente da América Latina.
A inspiração é o que o iFood vem fazendo nos últimos anos como uma plataforma de soluções financeiras para restaurantes. A empresa de delivery deixou de ser um marketplace de pedidos para se tornar, por meio do iFood Pago, um estruturador de crédito que oferece adiantamento de recebíveis, pagamentos, maquininha e produtos de gestão financeira.
Para a Decolar, essa é a próxima grande fronteira e a grande aposta para 2026: criar o “banco dos hotéis”, reconfigurar a estrutura de capital do turismo independente na região para um mercado fragmentado e com enorme déficit de crédito.
“O setor hoteleiro é muito mal servido pelos bancos. Temos dados, tecnologia e relacionamento. Faz todo sentido entregar pagamentos, crédito e gestão para esses parceiros”, diz Renan Pinto, CFO da Decolar, ao NeoFeed.
O mercado de hospedagem independente (pousadas, hostels, hotéis familiares, propriedades pequenas) é exponencialmente maior e mais pulverizado que o setor de restaurantes. É também um dos segmentos com menor penetração de serviços financeiros estruturados.
Os testes já estão em andamento no Brasil e na Argentina. A previsão, segundo o executivo, é que a vertical seja lançada de forma estruturada ao longo de 2026, seguindo a lógica dos “jet skis” - pequenos testes rápidos, interativos, que podem escalar para um novo negócio lucrativo - que guiou o iFood nos anos de expansão.
No painel do hotel parceiro, um pop-up oferece acesso ao crédito. O fluxo é simples, digital e baseado em informações que a própria Decolar já coleta. “É exatamente o que o iFood fez com os restaurantes. E as primeiras respostas estão sendo positivas”, afirma o CFO.
Se o piloto de crédito e pagamentos para hotéis escalar como esperado, a Decolar vai combinar distribuição, dados, tecnologia e capacidade de crédito, algo que não existe no portfólio de nenhuma outra online travel agency (OTA).
Triplicar o volume de reservas
Ao comprar a Decolar, a Prosus colocou em prática três decisões importantes do seu negócio: ser um investidor em consumer technology, com uma vocação para operação; entender que todas todas as grandes empresas de tecnologia, como Google, Amazon e Microsoft, são um ecossistema; e mergulhar no universo da inteligência artificial.
“Olhamos nossos ativos e vimos uma presença muito forte na América Latina a partir do iFood, que é uma máquina de transação, uma presença muito forte na Europa com OLX e na Índia com PayU”, diz o executivo.
“A partir desses ativos geográficos, consigo construir ecossistemas e a aquisição da Decolar era uma peça que se encaixaria perfeitamente”, complementa.

Com a integração à Prosus, a Decolar quer triplicar o seu volume bruto de reservas (GBV, na sigla em inglês) em até quatro anos. Hoje, o GBV gira em torno de US$ 6 bilhões e a meta é chegar a US$ 18 bilhões
De acordo com o CFO, três vetores tendem a puxar esse indicador. O primeiro é o aumento de conversão via iFood no ecossistema Prosus. A expectativa é crescer cerca de 30% ao ano, destravando bases pouco exploradas.
O segundo é a expansão natural da fintech Koin, que cresce 35% ao mês e servirá de hub para o “banco dos hotéis”. Por último, o B2B como motor estrutural. Atualmente, essa vertical representa menos de 20% do resultado da empresa e a projeção é chegar a 50%.
Os pontos de ataque serão agências offline, operadoras e parceiros com baixa digitalização, principalmente os que estão no interior do Brasil e dos demais países latino americanos. “O offline ainda é muito pouco digitalizado. Vamos ser a infraestrutura desse segmento”, diz Renan.
O grupo decidiu organizar suas operações globais em ecossistemas regionais, combinando negócios de alta frequência (delivery) e de alta margem (viagens).
A Decolar deixa de ser avaliada isoladamente e passa a ser medida pela capacidade de acelerar o ecossistema Prosus. E, ao mesmo tempo, ser acelerada por ele.
Os primeiros números da integração mostram como essa engrenagem pode funcionar. Segundo o CFO da companhia de viagens, 7% de todo o faturamento da Decolar no Brasil já vem diretamente do iFood - e metade disso é nova receita.
“Menos de 5% dos usuários do iFood compravam na Decolar. Era uma assimetria enorme. Agora estamos destravando isso”, afirma Renan.
Todos os 60 milhões de usuários ativos anuais do iFood já têm acesso ao ícone de viagens dentro do aplicativo, que é, na prática, um canal de distribuição instantâneo e de grande recorrência.
A vantagem comparativa da Decolar dentro do ecossistema Prosus vai além da audiência. Tecnologia e inteligência artificial estão começando a criar novos padrões de uso e eficiência.
A assistente de viagem generativa Sofia cresce 35% ao mês em interações. A ferramenta já atua na recomendação, comparação e inspiração de destinos, reduzindo um dos maiores atritos do setor: a infinidade de abas abertas e decisões paralelas.
“Depois que adquirimos a Despegar, fizemos dezenas de testes para provar que podemos usar o tráfego e a frequência do iFood para acelerar o crescimento do negócio”, disse Fabricio Bloisi, CEO da Prosus, na apresentação de resultados aos investidores.
“Os resultados foram extremamente positivos. Encontramos um modelo para usar os 70 milhões de usuários do iFood como canal de distribuição para todo o nosso ecossistema”, complementou.
Bloisi projetou aos investidores que esse número tende a crescer “de forma rápida e consistente” ao longo de 2025 e 2026.