O Grupo Delta Energia, uma das principais holdings do setor no País, surpreendeu os especialistas do segmento ao anunciar, em dezembro do ano passado, a chegada de Max Xavier Lins à liderança dos negócios. Ele é o primeiro executivo do mercado a ocupar o cargo de CEO do grupo, fundado em 2001 e sempre comandado pelos sócios-fundadores, Rubens Takano e Ricardo Lisboa.
Com mais de 30 anos de experiência, Lins é considerado uma das principais referências no setor elétrico brasileiro, com passagens por empresas brasileiras e estrangeiras, como Enel, Queiroz Galvão Energia, Elektro e NC Energia, além de longa carreira acadêmica.
No grupo, ele vai tocar a parte operacional, enquanto Takano e Lisboa passam a cuidar dos planos de expansão, inovação e desenvolvimento de novos negócios.
Nesta entrevista ao NeoFeed - a primeira que concede desde que assumiu o cargo -, o engenheiro elétrico Lins admite o desafio de comandar uma empresa que atua em múltiplas frentes. Sem hesitar, o novo CEO aponta onde a Delta vai concentrar sua energia este ano.
“Os dois principais vetores de nossos investimentos serão em biocombustíveis e nas térmicas a gás”, afirma Lins, confirmando que o grupo participará do leilão de capacidade da Aneel, marcado para junho e do qual o governo ainda não definiu alguns parâmetros.
Segundo ele, a Delta pretende emplacar três térmicas, que devem ser construídas do zero e gerar investimento de pelo menos R$ 1 bilhão.
“Para nós, quanto maior for a demanda estipulada pelo governo, maior a chance de vitória”, afirma, confiando no expertise do grupo acumulado no leilão anterior – onde a Delta saiu vencedora com a usina térmica William Arjona, de 190 megawatts (MW), que deve entrar em operação em 2026 após uma ampla reforma.
Outra frente priorizada pelo grupo é o do emergente mercado de biocombustíveis, liderado pelo etanol de cana-de-açúcar e biodiesel, com projeções de movimentar cerca de R$ 1 trilhão entre 2025 e 2034.
Lins admite ter sido surpreendido pela decisão do governo de suspender a ampliação de 14% para 15% da mistura de biodiesel ao diesel, a 15 dias do prazo. "Como outros empreendedores, já tínhamos deflagrado investimentos", diz ele.
A Delta conta com duas unidades que produzem B100, um insumo que, misturado ao diesel, produz o biodiesel, e está construindo uma terceira, além de operar uma planta de armazenamento de etanol, em Ribeirão Preto.
O grupo também está presente na área de comercialização de energia elétrica, com planos de ampliar sua participação no mercado livre, como foco em segmentos como hotelaria, alimentos e bebidas (indústria) e automotivo.
Além disso, mantém uma frente varejista por meio da empresa LUZ, que segue em expansão em Geração Distribuída(GD) – já foram 16 usinas solares de 20 que fazem parte do projeto de emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs).

Lins admite que a sobreoferta de energia gerada pelos subsídios da GD está ameaçando o sistema. E defende um novo marco regulatório para o setor. “A GD já atingiu maturidade há muito tempo, os subsídios não deveriam ser mantidos. Está na hora de fazermos uma ampla reforma do setor elétrico”, diz ele.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
De todas as principais verticais em que a Delta atua - mercado livre, geração (solar distribuída e térmicas a gás), produção de biocombustíveis e plataforma digital de varejo -, quais têm maior potencial de crescimento de mercado?
Os dois principais vetores de nossos investimentos serão em biocombustíveis e nas térmicas a gás. Em dezembro, o governo federal publicou portaria agendando para 27 de junho a realização do segundo leilão de capacidade. Vamos participar com três projetos de térmicas e pretendemos ser competitivos. Se vencermos, teremos de construir as três usinas do zero. Isso está exigindo uma operação de guerra interna para analisar todos os detalhes: terreno, licença de instalação, conexão elétrica, linha de transmissão, suplemento de gás, de combustível, licenciamento ambiental, equipe de operação e manutenção, etc.
Já foi definido o valor a ser investido?
Não sabemos ao certo porque o governo ainda não estipulou a demanda, ou seja, ainda está fazendo uma análise técnica e econômica para definir os parâmetros, em termos de potência, que serão objeto nesse leilão. O ideal seria ter todas as informações. Estamos fazendo nossas inferências, aproveitando nossa capacidade de interpretar o setor em profundidade. O valor a ser empregado, portanto, vai depender do resultado do leilão. Se vencermos os três certames, os investimentos devem chegar na casa do bilhão de reais. Para nós, quanto maior for a demanda estipulada pelo governo, maior a chance de vitória.
"Se vencermos o leilão com as três térmicas, os investimentos devem chegar na casa do bilhão de reais"
Por quê?
Porque já temos expertise com a usina térmica William Arjona, de 190 megawatts (MW), que entrou no primeiro leilão de reserva. Neste momento, ela está sendo retrofitada para entrar em operação em 2026 para atender a capacidade exigida pelo leilão. Entendemos o motivo pelo qual o governo está fazendo esses leilões. O País tem hoje um potencial problema de confiabilidade no sistema e precisa atender o crescimento da demanda de energia.
E as gerações solar e eólica?
O advento da geração eólica e solar foi ótimo, mas essas fontes são intermitentes – não existe sol nem vento 24 horas por dia. Esses leilões, portanto, são essenciais. Essa necessidade estrutural associada a contratos de longo prazo, a um marco regulatório robusto e à expertise que temos em operar usinas térmicas nos leva a apostar nesse empreendimento.
A Delta pretende usar sua capacidade de produzir biocombustíveis para suprir ao menos uma parte das térmicas a gás participantes do leilão?
Estamos presentes no mercado de biocombustíveis com biodiesel e etanol. Se vencermos o leilão de capacidade, faz sentido pensar em uma parte dessas térmicas ser suprida por biocombustíveis, o que é ótimo para o País do ponto de vista de sustentabilidade – o gás é um combustível de transição para eletrificação, mas o biocombustível já nasce sustentável.
E faz sentindo investir?
Precisamos estudar, porém, se faz sentido investir para esse fim. As plantas industriais de Cuiabá (MT) e Rio Brilhante (MS) produzem B100, um insumo que, misturado ao diesel, produz o biodiesel. Além delas temos uma planta de armazenamento de etanol, em Ribeirão Preto. Estamos construindo outra planta em Rio Brilhante que vai dar suporte à produção de biodiesel. Há variáveis a serem analisadas, principalmente depois da recente decisão do governo de suspender a ampliação da participação do biocombustível no diesel.
Isso afetou o planejamento da Delta?
Sim, porque o biocombustível tem um potencial enorme - toda a frota de caminhões e de ônibus do País é majoritariamente abastecida com diesel. E, também, parte da geração de energia. O que estava programado era a ampliação, agora, de 14% para 15% da mistura de biodiesel ao diesel, chegando a 20% em 2030. Como outros empreendedores, já tínhamos deflagrado investimentos. Faltando 15 dias para entrar em vigor, o governo decidiu congelar esse cronograma, por conta de uma avaliação, na nossa visão, equivocada sobre o impacto na inflação. Isso nos causou preocupação.
"O biocombustível tem um potencial enorme - toda a frota de caminhões e de ônibus do País é abastecida com diesel"
A Delta avançou rápido na área de Geração Distribuída (GD) com as fazendas solares, captando no ano passado R$ 250 milhões no mercado de capitais, por meio de emissão de CRIs, para a construção de 20 usinas solares. Todas já estão operando?
Os projetos das fazendas solares estão sendo tocados pela LUZ, nossa plataforma digital em comercialização de energia no varejo. Das 20 usinas solares planejadas, 16 já estão gerando energia e as restantes devem entrar em operação até o meio do ano. As fazendas solares já atendem 720 cidades brasileiras, fornecendo energia via GD pelas redes de oito distribuidoras de sete estados. Este ano, teremos fazendas solares em mais dois estados.
Em alguns estados, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o excesso de oferta de energia solar injetado na rede tem levado distribuidoras a barrar novos projetos de GD. Vocês estão repensando planos de expansão das fazendas solares?
Estamos sempre analisando com profundidade todos os tipos de investimento, seja do ponto vista técnico ou econômico, sejam as condições do macroambientes em que estamos inseridos. Por enquanto estamos dentro do nosso cronograma, temos capacidade técnica, operacional e econômica de seguir avançando, mas tudo vai depender dessas condições. Estamos sempre olhando a verticalização dessa cadeia – de olho no consumidor do futuro, que será um consumidor digital, como o das fazendas solares. As macrocondições desse ambiente precisam fazer sentido.
Como resolver essa questão de sobreoferta de energia da GD? Há opções do ponto de vista regulatório para amenizar esse problema?
A geração distribuída tem inúmeras vantagens: roda muito próxima a carga, isso evita grandes investimentos em linhas de transmissão, reduz as perdas, mas tem problemas. Isso precisa ser tecnicamente endereçado. O erro é fruto da falta de planejamento, por meio do qual criou-se “condições econômicas” - assim mesmo, entre aspas - porque tem um subsídio perverso que fez com que essa fonte de energia ganhasse artificialmente competitividade perante as demais. A sobreoferta de energia está basicamente calcada na GD, obrigando a dona Maria a pagar por esse subsídio sem saber, ao mesmo tempo que temos o sistema precisando contratar térmicas para atender esse gap de atributos elétricos que essa fonte renovável não produz.
Essa sobreoferta de energia causada pelos subsídios às renováveis, em algum momento, vai explodir. O curtailment, cortes de geração de usinas eólicas e solares pelo ONS para não sobrecarregar o sistema, acumula prejuízos de R$ 1,6 bilhão para os geradores. Como endereçar esse problema?
Foi um erro o Brasil parar de construir hidrelétricas, sobretudo com reservatório. Não dá para abdicar disso, são investimentos estruturais que fazem falta. O fato de precisarmos fazer leilão de térmicas explica a falta de novos empreendimentos hidrelétricos. Os últimos feitos no Brasil foram Jirau, Belo Monte e Santo Antônio. Mesmo assim, Belo Monte tem um fator de capacidade muito baixo – deveria ter 2 reservatórios, mas foi restringido a um por questões ambientais. E o fator de capacidade, que seria de 80%, tornou-se apenas em 40%.
Ou seja, foi um projeto que não atingiu sua total capacidade.
É a mesma coisa de ter um Boeing capaz de cruzar o Atlântico, mas não consegue porque o tanque de combustível é o de um Fusca. O combustível de hidrelétrica é água. Precisamos ter hidrelétricas com reservatórios, para os períodos úmido e seco. À medida que a carga cresce e não se faz novas hidrelétricas com reservatório, o problema se agrava.
"Foi um erro o Brasil parar de construir hidrelétricas"
É inevitável, no curto prazo, uma reforma do setor elétrico?
O setor elétrico tem três características fundamentais: primeiro, é um setor de capital intensivo, que envolve bilhões de reais em investimentos. Segundo, consequentemente, exige tempo de maturação, ou seja, precisa ser pensado olhando décadas à frente. E, por fim, é um setor complexo, que demanda estudos e conhecimento, caso contrário os diagnósticos serão superficiais. Todos os problemas que estão acontecendo hoje são fruto de decisões tomadas há dez, 12, 15 anos atrás. Junto com o surgimento das fontes renováveis, vieram decisões equivocadas. A GD, por exemplo, já atingiu maturidade há muito tempo, os subsídios não deveriam ser mantidos. O mesmo vale para subsídios para energia eólica e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs).
Além da acabar com subsídios, o que pode ser melhorado?
Algo que nunca conseguimos implantar, e que estava previsto lá atrás, no marco regulatório do setor, no final dos anos 90, é a tarifa locacional. Ainda adotamos a tarifa de geração selo – independentemente de onde produzimos energia, perto ou longe do centro de carga, o preço pelo uso do fio é o mesmo. Faz todo sentido diferenciar. Se a fonte está próxima do centro de carga deve pagar um pedágio menor do que uma fonte a milhares de quilômetros de distância. Além da tarifa locacional, não temos os serviços ancilares - serviços essenciais para garantir a qualidade e a confiabilidade do sistema, desde a geração até o consumo.
Energia não é tudo igual?
A energia de uma hidrelétrica ou de uma térmica tem mais atributos elétricos do que uma usina eólica ou solar, pois consegue regular tensão, frequência e fornecer energia reativa ao sistema. Energia não é tudo igual, umas têm mais atributos que outras. Além disso, surgiram novas condições de contorno que antes não existiam. Precisamos, portanto, dar um mergulho profundo nos fundamentos do nosso modelo, à luz das condições de contorno que surgiram. Já passamos da hora de fazer uma reforma do setor elétrico. Essa concertação, no entanto, precisa passar pelo Ministério das Minas e Energia, pela Aneel, pelos órgãos de governo e de Estado.
A Delta foi criada há 23 anos, mas só agora os sócios-fundadores, Rubens Takano e Ricardo Lisboa, decidiram criar o cargo de CEO. Quais são seus planos?
É um desafio muito grande ser o primeiro CEO do grupo. Estou no setor há mais de 30 anos e vi a Delta nascer durante o racionamento de 2001, como comercializadora – justamente num momento em que faltava energia. Acompanhei a capacidade dos sócios, Rubens Takano e Ricardo Lisboa, de transformar uma ideia num conceito até transformar a Delta num grupo empresarial que atua em cinco grandes segmentos. Eles conseguem enxergar oportunidades e, muito rapidamente, materializá-las. Esse foi a chave do sucesso e do crescimento da Delta. Enquanto toco a parte operacional, o foco deles agora é direcionado para as atividades de expansão, inovação e desenvolvimento de novos negócios.
Errata: ao contrário do publicado inicialmente, os projetos de térmicas serão tanto a gás como de biocombustível e não apenas três térmicas a gás.
Em nota ao NeoFeed, o Grupo Delta Energia confirma a inscrição de três projetos de construção de térmicas para geração de energia no Leilão de Reserva de Capacidade 2025: uma térmica a gás natural e duas a biodiesel.